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Coach de TDAH: web está cheia de mentores do transtorno, mas funciona?

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Imagem: iStock

Gabriele Maciel

Colaboração para o VivaBem

22/08/2022 04h00

Entre paródias engraçadinhas, dancinhas no TikTok, linguagem motivacional e promessas de cura, a oferta de coachs para pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (como é chamado o TDAH) parece se multiplicar nas redes sociais. Basta uma rápida busca na internet para ser bombardeado com oferta de cursos, guias de orientação e testes de autoavaliação que, ao serem completados, indicariam se a pessoa tem o transtorno. Há ainda grupos para trocas de experiência em conversas de aplicativos a custos que começam em R$ 19 mensais.

O transtorno, que era desconhecido no Brasil até pouco tempo atrás, hoje é uma das condições de saúde mental que mais vêm sendo reconhecidas em consultórios e clínicas. E não se trata de modinha, o fato é que o conhecimento científico se expandiu e se democratizou, levando muitas pessoas a reconhecerem em si os sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, agitação, entre outros, e procurarem ajuda.

Quanto mais as pessoas passaram a ser diagnosticadas por médicos psiquiatras, mais o mercado de serviços cresceu, oferecendo soluções para uma condição que é tratável, mas não pode ser curada.

A psicanalista Iane Kestelman, presidente da ABDA (Associação Brasileira de Déficit de Atenção), afirma que o desafio hoje não é mais pela disseminação de conhecimento sobre o transtorno.

"Em 1999, quando criamos a ABDA, o Brasil não sabia o que era o TDAH. Hoje nossa missão, enquanto instituição, é outra. Precisamos mostrar que nem toda informação que se encontra na internet sobre o transtorno é baseada em pesquisa, em ciência. Essas pessoas que vendem essas mentorias, na grande maioria das vezes, não são especialistas e não têm consistência profissional na área", defende.

Para o psicólogo Tiago Tatton, doutor em psicologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Universidade Kings College, de Londres, no Reino Unido, muitos desses serviços são envoltos por uma "capa de credibilidade", fazendo-os transparecer seriedade.

É importante ressaltar que um psicólogo pode usar o coaching na prática profissional. Em 2019, o Conselho Federal de Psicologia lançou uma nota orientativa sobre o tema e afirmou que "embora não exista regulamentação legal específica para a utilização do coaching, tal prática é caracterizada por ser um processo breve que se propõe a auxiliar o indivíduo a alcançar objetivos. (...) Assim sendo, entende que o trabalho da(do) psicóloga(o) na utilização do coaching é de extrema importância para a realização de um trabalho que vise à proteção e garantia do cuidado com a sociedade."

Entretanto, o Conselho também afirmou que "qualquer profissional que não esteja inscrito no CRP, e que se utilizar de métodos e técnicas privativas da(o) psicóloga(o) durante sessões de coaching estará incorrendo em exercício ilegal da profissão". Além disso, segundo o protocolo clínico e as diretrizes terapêuticas do TDAH, do Mistério da Saúde, aprovado no dia 8 de agosto deste ano, o diagnóstico deve ser realizado por um médico psiquiatra, pediatra ou outro profissional de saúde (como neurologista ou neuropediatra).

Mas isso não quer dizer que o uso do coaching para melhorar a vida das pessoas já diagnosticadas com esse transtorno —e que fazem tratamento correto— não seja útil.

A analista de processos Elizandra Michaels, 43, teve o diagnóstico de TDAH há sete anos e resolveu contratar uma coaching para ajudá-la nas questões que envolvem a sua desenvoltura na língua inglesa e no novo emprego, nos EUA. "Comecei há pouco mais de um mês e sei que é um tratamento que vai ter começo, meio e fim. Não deixei de tomar a medicação nem de fazer terapia com o meu psicanalista, que me acompanha há 11 anos", conta.

Michaels teve a preocupação de procurar por um serviço no Brasil que fosse oferecido por um profissional com formação em psicologia. Ela ainda se certificou que não havia reclamações da clínica ou da profissional na internet. "Ela não me prometeu nada, mas as técnicas e exercícios que ela passou já me fizeram subir um degrau", comemora.

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Pesquisa mostrou que crianças e adolescentes buscam apoio emocional na web
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Um estudo publicado no periódico Journal of College Student Psychotherapy em 2017 mostrou que um coaching trouxe benefícios para estudantes com TDAH que conseguiram alcançar as metas propostas dentro das atividades da faculdade.

O médico Vitor Breda, doutor em psiquiatria e ciências do comportamento pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e membro do ProDAH (Programa de Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, também avalia que o coaching pode auxiliar quem tem TDAH.

"De certa forma, um coach pode auxiliar nas técnicas comportamentais, mas o tipo de formação é diferente do psiquiatra/psicólogo treinado para psicoterapia. Eu diria que o coach poderia ser considerado como uma abordagem auxiliar com potencial para beneficiar algumas pessoas", pondera.

O administrador Yuri Maia, que acaba de lançar um livro com orientações a pais de crianças com TDAH, defende que muitas famílias recebem suporte através das mentorias que ele organiza. "Eu comando o programa, mas conto com uma equipe de psicóloga e psiquiatra. E para participar, a pessoa precisa estar com acompanhamento médico e psicológico", garante.

Os cuidados com o que é oferecido online é importante. Uma pesquisa divulgada na terça-feira (16), feita pela TIC Kids Online Brasil, mostrou que um terço das crianças de 11 a 17 anos afirma já ter procurado apoio emocional na internet.

Para Tatton, esses serviços online pagos vêm conquistando público porque se utilizam de ferramentas de marketing digital. "Eles são muito bons em dourar a pílula porque mostram pessoas felizes e vencendo. Eles entram por essa via da promessa, da propaganda. Os riscos começam a partir do momento que o coaching sai da dimensão corporativa, de ensinar processos, e começa a entrar nessa coisa do 'life-coaching'", diz. Para ele, uma linha tênue separa as questões que precisam ser tratadas em terapia das que são ligadas a processos.

Kestelman também questiona a validade desses serviços e diz que muitas das informações vendidas em eBooks e cartilhas por essas pessoas estão disponíveis gratuitamente no site da ABDA. "Também acho muito válidos esses grupos de trocas de experiências entre pessoas com TDAH, mas não é certo lucrar em cima disso. Além disso, o que serve para uma pessoa não necessariamente cabe à outra".

O que é o TDAH?

As pessoas que têm TDAH apresentam alterações na região frontal do córtex cerebral. Com isso, habilidades mentais como a atenção sustentada, memória de trabalho, velocidade de processamento, controle inibitório e regulação emocional ficam comprometidas, segundo a psiquiatra Carla Zambaldi, professora adjunta do Centro de Ciências Médicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

O transtorno, cujas causas são de ordem genética, compromete a vida acadêmica, profissional e pessoal dos pacientes. O tratamento envolve o uso de medicamentos psicoestimulantes que atuam sobre o neurotransmissor dopamina, ajudando no funcionamento cerebral e reduzindo sintomas de distração e hiperatividade. Por outro lado, a psicoterapia cognitivo-comportamental ajuda a paciente a mudar padrões de comportamento.

No Brasil, a ABDA é a entidade que reúne as informações mais recentes sobre pesquisas, tratamentos e diagnósticos do transtorno. Ela é formada por médicos, psicólogos e pesquisadores reconhecidos internacionalmente, que trabalham voluntariamente em prol da divulgação, inclusão e capacitação e que cujo trabalho fez avançar os direitos das pessoas com a condição.

Um protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do TDAH foram aprovados no dia 8 de agosto pelo Ministério da Saúde. No documento, entretanto, a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) avaliou alguns medicamentos usados para tratar crianças, adolescentes e adultos com o transtorno e não aprovou o uso. "As evidências que sustentam a eficácia e a segurança destes tratamentos para TDAH são frágeis dada sua baixa/muito baixa qualidade, bem como o elevado aporte de recursos financeiros apontados na análise de impacto orçamentário", diz.

Apesar disso, a diretora da ABDA acredita que a disponibilidade do tratamento e atendimento pelo SUS é questão de tempo, já que estão pressionando pela inclusão.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, o protocolo clínico e as diretrizes terapêuticas aprovados pelo Ministério da Saúde não garantem que em breve haverá atendimento, tratamento e medicação gratuita pelo SUS. A informação foi corrigida.