Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Médicos achavam que era refluxo, mas ele descobriu câncer raro de pulmão

Renato Astur, 60, enfrenta tratamento contra agressivo câncer no pulmão - Arquivo pessoal
Renato Astur, 60, enfrenta tratamento contra agressivo câncer no pulmão Imagem: Arquivo pessoal

Do VivaBem, em São Paulo

20/08/2022 04h00

"Você fuma?" é uma das perguntas que o empresário aposentado Renato Astur, 60, mais recebe desde que foi diagnosticado com câncer no pulmão, em agosto de 2019. Esse também foi o primeiro questionamento que ele ouviu dos médicos quando procurou ajuda na época, após sentir uma tosse seca que persistiu durante semanas.

A dúvida das pessoas e dos profissionais de saúde não surgiu à toa: o consumo de derivados do tabaco, como o cigarro, está relacionado a cerca de 85% dos casos desse tipo de tumor, segundo dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer). Mas a doença também pode atingir não fumantes —como aconteceu com Renato.

O esportista chegou a ser erroneamente diagnosticado com refluxo gastroesofágico antes de receber a notícia de que tinha um câncer causado por uma mutação genética rara, cujo tratamento mais eficaz chegou ao Brasil cerca de dois anos após seu diagnóstico. A seguir, conheça a história dele.

"Eu sempre fui bastante ligado em esporte, mas comecei a treinar mesmo a partir dos 40 anos. Fazia academia diariamente, mais ou menos uma hora por dia, andava de bike e também participava de provas de triátlon. Nunca fumei.

Com 57 anos, em agosto de 2019, fui diagnosticado com câncer no pulmão. Tudo começou com uma tosse seca persistente, junto com um pigarro. Eu fui em vários médicos, otorrino, gastro, fiz exames. Nada foi encontrado.

Depois de uma endoscopia, o gastro disse que eu estava com refluxo. Ele me prescreveu um tratamento de três meses. Tomei os remédios e até elevei a cabeceira da minha cama para que ela ficasse mais inclinada, mas a tosse continuou.

Todos os médicos disseram que era refluxo. Como eu sempre fiz exercício físico e nunca fumei, não achavam que poderia ser um problema de pulmão. A primeira pergunta que faziam era: 'Você fuma?'.

Renato Astur - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Renato Astur, 60, foi diagnosticado com câncer raro no pulmão em agosto de 2019
Imagem: Arquivo pessoal

Então, eu decidi voltar ao hospital. Fui encaminhado para fazer uma tomografia. Eu já tinha o hábito de fazer o exame a cada dois anos, porque eu tenho uma protrusão na coluna. A diferença é que a pessoa que faz o exame nunca tinha saído daquela sala de vidro para vir falar comigo. Desta vez, saiu.

A moça me perguntou por que eu estava ali. Eu disse que tinha recebido uma indicação do médico e perguntei: 'Por que, deu algum problema?'. Ela disse: 'O senhor vai falar direto com a pneumologista'. Achei estranho.

No consultório, a pneumo colocou o exame no computador e virou a tela para mim. 'O que são esses pontinhos brancos, doutora?', eu perguntei. Ela disse: 'Ao que tudo indica, isso é um tumor'.

"Minha primeira reação foi de choque.

Pensei não é possível, sempre fui um cara esportista, nunca fumei na minha vida. Como é que pode acontecer isso? Depois, entendi que o câncer de pulmão pode acontecer com qualquer um. Pessoas que não fumam também podem ter câncer.

Meu caso era clínico: o tumor já estava nos dois pulmões, em estágio bastante avançado e com metástase em outros órgãos, inclusive na coluna. A biópsia mostrou que o câncer tinha sido causado por uma mutação no éxon-20 [entenda mais abaixo].

Fiquei sete meses usando um remédio destinado a pacientes que têm câncer de pulmão causado por uma outra mutação, porque em 2019 ainda não existia um medicamento específico para a minha. Também fiz quimio e radioterapia, além de imunoterapia. Há cerca de oito meses, comecei a fazer tratamento com uma terapia-alvo. Os gânglios que eu tinha perto da barriga e na clavícula esquerda desapareceram. No pulmão ainda tem, mas bem menos do que antes.

Medalhas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Coleção de medalhas de Renato Astur, esportista e não fumante que foi diagnosticado com câncer raro de pulmão
Imagem: Arquivo pessoal

Levo uma vida normal, só não consigo fazer esportes com a mesma intensidade do que antes. O que faço hoje é caminhar 2 km por dia e, às vezes, andar de bicicleta em terra plana.

A terapia-alvo está me dando estabilidade, eu conseguiria viver assim o resto da vida. Só que eu sei que ela tem um prazo e que a tendência é o tumor reagir, modificar e o remédio deixar de ser efetivo. Mas a minha esperança é que, com o tempo, outros remédios surjam, como tem acontecido, e eu possa continuar o tratamento.

O câncer me fez começar a ver a vida de outra maneira. Parece meio piegas, mas é verdade. Nunca fui muito religioso, mas sempre fui bastante espiritualizado. Penso que na vida tudo é emprestado. Não adianta você se apegar às coisas materiais, porque um dia você não vai mais estar aqui.

Eu até escrevi um livro: 'Eu Não Fumo', cujo dinheiro arrecadado com as vendas será destinado ao GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer). Ali conto minha história, mostro que pessoas que não fumam também podem ter câncer e tiro essa ideia de que ter câncer é sinônimo de morte. Hoje, se não existe solução para alguns casos, pelo menos tem tratamento.

Os médicos falam que eu tenho uma sobrevida com o remédio, só que, se você parar para pensar, todo mundo tem sobrevida: você pode estar atravessando a rua, um caminhão te atropela e você morre. Ninguém sabe quando vai morrer."

Renato Astur - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Andar de bicicleta era uma das atividades favoritas de Astur antes de ser diagnosticado com câncer de pulmão --hoje, ele não abandonou o hábito, mas evita as ladeiras
Imagem: Arquivo pessoal

Câncer de pulmão em não fumantes

Cânceres de pulmão causados e não causados pelo fumo direto não são iguais. Os genes que sofrem mutações em cada caso, por exemplo, são diferentes. Mutações no gene EGFR, caso de Renato, são as mais comuns entre os não fumantes.

"Não sabemos exatamente o motivo pelos quais essas mutações acontecem", afirma William Nassib William Junior, diretor médico de oncologia e hematologia da Beneficência Portuguesa de São Paulo. "Essa é uma área de extensa investigação, mas nós ainda não tivemos uma resposta muito adequada da ciência sobre por que alguns pacientes, mesmo sem nunca terem fumado, vão desenvolver esse tipo de mutação", explica.

De acordo com as estatísticas oficiais do Inca, cerca de 30 mil casos anuais de câncer de pulmão são diagnosticados todos os anos no Brasil. A maioria deles está associada ao consumo de cigarro: por isso, a melhor forma de se prevenir contra o tumor é não fumar. O órgão oficial estima ainda que 10% não sejam causados pelo fumo direto. Ser um fumante passivo (aspirar a fumaça do cigarro de outras pessoas), inalar gases tóxicos como o radônio (liberado do solo em regiões ricas em minérios), e expor-se à poluição ambiental também aumentam o risco.

Segundo o médico, o teste molecular, também conhecido como sequenciamento de nova geração, é a maneira mais eficaz e moderna de mapear essas mutações genéticas. O exame deve ser feito tanto por pacientes com suspeita de câncer de pulmão, independentemente se têm histórico de tabagismo ou não.

Esses testes moleculares, diz Junior, muitas vezes não estão disponíveis no sistema público de saúde ou não são cobertos pela rede privada. Mas o especialista enfatiza que algumas farmacêuticas mundiais, como a Pfizer e a AstraZeneca, têm uma iniciativa que oferece os exames de forma gratuita —o programa, chamado Lung Mapping (mapeamento pulmonar, em português), está em vigor desde 2019.

O teste molecular é considerado fundamental para definir qual é o tratamento ideal para cada paciente.

Renato Astur - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Renato tem esperança de que outros remédios surjam e ele possa continuar o tratamento
Imagem: Arquivo pessoal

Como funciona a terapia-alvo

Atualmente, existem tratamentos eficazes para o câncer causado por mutações genéticas —são as chamadas terapias-alvo. Esses medicamentos foram desenvolvidos para bloquear as mutações específicas que contribuem para o crescimento e sobrevida do tumor: eles agem exatamente no alvo que está alterado na célula de câncer de pulmão, produzindo "resultados extremamente eficazes e com um perfil de toxicidade bastante favorável", descreve Junior.

A terapia-alvo que age na mutação responsável por causar o câncer em Renato chegou ao Brasil em outubro de 2021. Desenvolvido pela farmacêutica Janssen, o medicamento infusional amivantamabe é o único capaz de bloquear a ativação do gene EGFR com mutação no éxon-20, considerada rara —segundo o médico da BP, apenas 10% das mutações no gene EGFR acontecem em posições diferentes do éxon-19 ou 21, que são as mais comuns.

Junior explica que a cura do câncer de pulmão está intimamente relacionada ao estágio do tumor, isto é, quanto antes for diagnosticado, maiores são as chances de eliminar a doença. "Em geral, um câncer de pulmão em estágio avançado com doença espalhada para outros órgãos é considerado uma doença incurável, independentemente se existe a presença de uma mutação ou não", diz o médico.

"Mas é importante ressaltar que o fato de o paciente ter uma doença incurável não significa que ele tem uma doença não tratável, porque um câncer incurável ainda assim pode ser tratado, para que a gente tenha controle prolongado da doença. E isso se traduz em melhor qualidade de vida e tempo de vida para o paciente", explica.

Fique atento aos principais sintomas do câncer de pulmão:

  • Tosse
  • Falta de ar
  • Escarro com sangue
  • Dor torácica
  • Emagrecimento sem causa conhecida
  • Perda de apetite
  • Fadiga