Não é a ferrugem: fezes de animais, água suja e poeira podem causar tétano

Todo mundo já ouviu falar que um prego ou qualquer metal enferrujado era o meio transmissor de tétano. O que pouca gente sabe, no entanto, é que fezes de um animal de estimação, poeira acumulada ou uma poça de água suja também podem ser contaminantes.

A bactéria Clostridium tetani é a causadora do tétano (e não a ferrugem), e ela pode ser encontrada no solo, onde estão exatamente a poeira e as fezes de animais, por exemplo, assim como um prego.

Portanto, qualquer material, orgânico ou não, mesmo que não enferrujado, mas que tenha entrado em contato com a bactéria, pode provocar a doença.

Mas basta tocar em um objeto contaminado para contrair tétano? Não, o contágio não acontece tão facilmente. A infectologista do Hospital Samaritano Botafogo (RJ) Renata Beranger explica como ocorre a transmissão.

O Clostridium tetani é uma bactéria encontrada na natureza em forma de esporos, que são pequenas estruturas que mantêm a bactéria protegida, quando não está em condições favoráveis para sua sobrevivência. A transmissão ocorre pela introdução dos esporos da bactéria em ferimentos externos, geralmente perfurantes e contaminados.

Para que a infecção ocorra é necessário que haja uma lesão aberta, onde ocorrerá a inoculação dos esporos que, ao encontrar um ambiente favorável, voltará à sua forma ativa, segundo a especialista.

A médica acredita que a relação entre ferrugem e tétano se deve ao fato de que materiais oxidados ficaram em contato com o solo por tempo prolongado e, por isso, têm maior chance de estar contaminados.

Ela acrescenta que a oxidação permite que os esporos das bactérias fiquem presos no prego enferrujado. Assim, o objeto infecta a ferida quando causa uma lesão, pois encontra um ambiente adequado para voltar à sua forma infectante.

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Medidas de prevenção

Já que a transmissão depende de um ferimento aberto na pele, cuidado por onde anda descalço. Agricultores e operários da construção civil são os trabalhadores de maior risco. Para esse grupo, é indicado o uso de calçados fechados e equipamentos de proteção individual, como luvas e botas.

No entanto, a medida mais efetiva de prevenção do tétano é a vacinação. Gratuita e disponível no SUS (Sistema Único de Saúde), a vacina precisa de reforço a cada 10 anos. Em caso de ferimentos graves, deve-se antecipar a dose, caso a última tenha sido há mais de cinco anos. Pacientes que já contraíram a doença não adquirem anticorpos para evitá-la novamente. Portanto, todos devem ficar atentos à data de imunização.

Vacinado ou não, limpar adequadamente um ferimento pode reduzir a entrada da bactéria. "Quanto mais cedo for feita essa limpeza, menor será a carga de germes que irá penetrar na ferida. Na ocorrência de lesões de pele ou mucosas, é importante que o local seja higienizado inicialmente com água e sabão", diz Lícia Pontes, infectologista do Hospital Unimed Fortaleza (CE).

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Caso a pessoa não seja imunizada, a infectologista orienta a procurar uma unidade ou equipe de saúde mais próxima da sua residência.

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O diagnóstico precoce é um fator importante no tratamento do paciente, minimizando o seu sofrimento e complicações.

Sinais de infecção

O diagnóstico do tétano é clínico, com a avaliação do ferimento no corpo, dos sintomas e da situação da cobertura vacinal. A depender das complicações, exames são solicitados para auxiliar no tratamento.

Caso você tenha ferimentos na pele, tenha entrado em contato com um ambiente possivelmente contaminado e a validade da vacina esteja vencida, fique atento aos sinais progressivos que indicam a contaminação por tétano:

  • febre baixa
  • dor no membro afetado
  • contraturas musculares involuntárias na região do ferimento
  • contração dos músculos da face, do pescoço e do abdômen
  • dificuldade para abrir a boca
  • problemas para engolir alimentos
  • insuficiência respiratória
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Os sintomas do tétano são decorrentes da liberação da toxina produzida pela bactéria. O período de incubação varia, em média, entre cinco e 15 dias, mas pode chegar a 21 dias.

As contrações dos músculos da face provocam riso involuntário, no pescoço, rigidez de nuca, e no abdome, barriga dura. Mas também podem afetar qualquer outro músculo. As contraturas ocorrem porque o tétano atinge o sistema nervoso central, que comanda as funções do corpo.

O aumento da tensão muscular, generalizada e progressiva, pode levar uma pessoa à morte, pois as contraturas dos músculos reto abdominais e do diafragma geram dificuldade de deglutição e respiração. Os riscos de óbito dependem da idade, tipo de ferimento e preexistência de problemas de saúde, como complicações respiratórias, renais e infecciosas.

O tratamento em caso de infecção por tétano, segundo a infectologista Lícia Pontes, é feito por meio da limpeza e dos cuidados da ferida por onde a bactéria entrou no organismo, além do uso de medicamentos que aliviam as contraturas e os espasmos musculares.

Ainda são prescritos soro antitetânico, sedativos e antibióticos para impedir o progresso das contrações dos músculos. A boa notícia é que a doença não provoca sequelas neurológicas.

No entanto, a taxa de letalidade do tétano no Brasil é vista como elevada. Segundo dados do portal do Ministério da Saúde, em 2021, 2022 e 2023, foram confirmados 173, 200 e 135 casos no país, com letalidade de 27%, 26% e 26% respectivamente. O órgão considera as taxas altas, visto que em países desenvolvidos o índice de mortes varia entre 10% e 17%.

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Transmissão neonatal

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Além do tétano acidental, que é o decorrente do contágio via objeto contaminado e ferimento na pele, outra forma de transmissão é a neonatal. O bebê contrai a doença na hora do corte do cordão umbilical, devido ao uso de instrumentos infectados por esporos do bacilo tetânico.

Na transmissão neonatal, a toxina liberada pela bactéria afeta o sistema nervoso do bebê e provoca fortes dores. A criança sofre com contrações e tem dificuldade para mamar. Para evitar o risco deste tipo de infecção, é fundamental que mulheres em idade fértil cumpram a cobertura vacinal de três doses.

Regia Damous Fontenele Feijó, infectologista do Hospital São Luiz Itaim, de São Paulo, da Rede D'Or, e coordenadora do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar da unidade, relembra um alerta comum às gestantes: a mulher já deve ter tomado pelo menos duas das três doses que previnem a contaminação por tétano até o dia do parto. Em caso de cobertura vacinal completa, a gestante precisa tomar um reforço, se a última dose tenha ocorrido há mais de cinco anos.

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