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O que a ciência consegue explicar sobre o amor (e o que ainda é incógnita)

Elias Maurer
Imagem: Elias Maurer

Janaína Silva

Colaboração para o VivaBem

16/04/2022 04h00Atualizada em 16/04/2022 16h14

"Amor é pensamento, é teorema". Esses versos da música "Amor e Sexo", cantada por Rita Lee, traduzem o caráter subjetivo e abstrato que envolve o sentimento e que tanto convida os artistas a representá-lo e os cientistas a tentar compreendê-lo.

Segundo Ariane Roseno da Silva e Nathália Pacheco de Carvalho, psicólogas e pesquisadoras no LABEP Neuro (Laboratório de Ensino e Pesquisa em Neuropsicologia), em Minas Gerais, a ciência ainda não tem respostas capazes de definir o que é o amor, a não ser pelo caminho neurobiológico, relativo às ações dos neurotransmissores.

"Muitos estudos destacam os efeitos do amor no cérebro, o que acontece quando se está em cada fase —amor apaixonado, amor passional e amor companheiro— e como o corpo responde a essas descargas neuronais, mas a definição do que é de fato ainda é algo que vem sendo reelaborado ao longo dos anos e que ainda não é exato", afirmam. De acordo com elas, a ciência vai avançando e os estudos direcionam-se às dúvidas surgidas na sociedade.

A neurociência social, de acordo com Michael Andrade, doutor em psicologia e professor na UEMG (Universidade Estadual de Minas Gerais), busca compreender os fenômenos sob a ótica da ciência relacionados às questões comportamentais. "É uma eterna procura por respostas —que daqui a 10 anos poderão ser outras—, com o intuito de fornecer subsídios para que as pessoas entendam o processo e possam refletir sobre as suas escolhas, reduzindo o estresse e deixando algo tão abstrato mais palpável."

O que a ciência sabe ou anda estudando

O amor é cego

Segundo Andrade, quando se está apaixonado, são ativadas regiões do sistema nervoso central e do sistema límbico inatas aos impulsos que instigam a conhecer o novo e, ao mesmo tempo, as regiões relativas aos julgamentos e escolhas são inativas. Ou seja, de nada adianta dizer que você quer esse ou aquele par.

"Após um ano e meio, o organismo começa a reorganizar o sistema nervoso e o límbico. Nessa fase, o relacionamento passa por uma transformação, tornando-se menos erótico e mais de apego. As áreas do córtex que não estavam ativas no momento da paixão tomam a frente e direcionam a relação a uma regra social."

Amigos podem ser o grande amor da vida

Estudos têm se recaído sobre a relação entre amizades e o amor. Claro, às vezes o amor não-romântico pode estar justamente em suas amizades. Mas uma pesquisa publicada em 2021 no periódico Social Psychological and Personality Science mostrou que a maioria das relações românticas começa a partir da amizade. Entre os 1.900 participantes, 66% relataram que o relacionamento romântico atual ou o mais recente começou como uma amizade, geralmente de vários meses ou anos.

Os opostos não se atraem

Uma crença que foi abaixo por causa da ciência é a de que os opostos se atraem. "Após muitos estudos, é possível afirmar que, na verdade, o interesse é muito mais por aqueles que têm características parecidas e que são compatíveis aos interesses pessoais, com crenças e valores, do que o contrário", explicam as pesquisadoras do LABEP Neuro.

Nesse sentido, é muito mais provável que indivíduos que se pareçam mais e com mais interesses comuns tenham romances duradouros e saudáveis. Já as diferenças individuais constituem um fator de risco para conflitos, insatisfação conjugal e divórcios.

Amor compra mais felicidade que dinheiro

Um estudo feito pela London School of Economics, no Reino Unido, analisou as respostas de 200 mil pessoas sobre os fatores que mais influenciam sua sensação de bem-estar. De acordo com a pesquisa, ter uma boa saúde mental e estar em um relacionamento deixam as pessoas mais felizes que dobrar sua renda.

casal feliz; idosos  - iStock - iStock
Estudo mostrou que maioria dos relacionamentos românticos pode começar em uma amizade
Imagem: iStock

O que é incógnita

O amor suporta tudo?

Segundo as pesquisadoras, alguns teóricos debatem a hipótese de que o amor suporta tudo. Isso porque há outras bases fundamentais para que um relacionamento consiga transpor conflitos conjugais de maneira mais assertiva e menos penosa, como o nível de comprometimento e de intimidade entre o casal.

Química existe mesmo?

"Não é fácil prever ou explicar como a química acontece, porque ela é única e, ao se relacionar novamente, outras medidas surgem", analisa Débora Ferraz, psicóloga com doutorado em antropologia e pesquisadora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

O amor não vem pronto e esse é um dos principais motivos das frustrações. Isso se deve às incontáveis histórias românticas que nos foram contadas durante nossa vida. Na esperança de que o príncipe no cavalo branco surja, não entendemos que, na verdade, o amor é uma construção.

"Justamente por isso, casamentos arranjados ou incompatíveis podem dar certo, visto que, no convívio, os indivíduos podem perceber algo positivo. Obviamente que, para isso, paciência e tolerância à frustração são fundamentais, afinal, como um bom violão, os relacionamentos amorosos necessitam de afinação", opina Anderson Siqueira Pereira, psicólogo, doutor em psicologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Há um par perfeito?

Para a pesquisadora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, a compatibilidade não é previsível; muitas vezes, imagina-se amores para a vida que, na prática, são completamente díspares.

"Os aplicativos de relacionamentos já pensam na possibilidade de tornar o amor algo mais simples, no sentido de formar perfis que combinam entre si. Acontece que elementos que são vividos no amor não são apenas conscientes. Muitas vezes, idealizam-se coisas sobre o outro que ele não é capaz de retribuir com o que é desejado. Assim, fazer com que as pessoas se relacionem de uma maneira mais direta sem tanto mistério não garante, necessariamente, o acerto."

Para uma análise adequada que leve a uma união saudável, Pereira destaca que é importante entender as carências emocionais e buscar um perfil para satisfazê-las, além, é claro, que ambos precisam estar dispostos e disponíveis para a realização dessas necessidades.

As pesquisadoras do LABEP Neuro esclarecem que mesmo que haja uma idealização do par perfeito, o padrão de interesse está ligado a muitos outros fatores, que vão de questões sociais a biológicas. Nesse sentido, por mais que exista um parceiro ideal que, geralmente, é aquele que tem problemas e histórias de vida parecidas, é possível se interessar absurdamente por um perfil oposto ao idealizado.

"Outro aspecto bastante interessante dessa discussão é que o amor é um sentimento que não é pré-estabelecido e controlado, então por mais que tenhamos um molde do par perfeito, o desfecho pode ser totalmente diferente dele", elas acreditam.

Felizes para sempre?

Ainda não há consenso dos fatores que levam o relacionamento atingir a fase do amor companheiro. "É importante considerar que o amor atravessa fases ao longo do tempo e que, por conta disso, a forma de expressão também sofre modificações que, muitas vezes, são interpretadas como um prejuízo ou como se o sentimento estivesse chegando ao fim, quando na verdade está passando por essas variações e novos formatos. Além disso, estudos sugerem que quanto mais comprometidos e íntimos os casais são, maiores as chances de que o romance prospere", falam as pesquisadoras.

Já para o Andrade, chegar à etapa do felizes para sempre revela uma adaptação nervosa central. "É adaptativo e evolutivo. Imagine a pessoa todo semestre com um novo relacionamento e, consequentemente, novas decepções, alegrias e estresse, além das desorganizações no estado da memória, das emoções e das motivações."

Fontes: Anderson Siqueira Pereira, psicólogo, doutor em psicologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e professor na Wainer Psicologia Cognitiva; Ariane Roseno da Silva, formada em psicologia pela FCMMG (Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais) e pesquisadora na LABEP Neuro (Laboratório de Ensino e Pesquisa em Neuropsicologia), em Minas Gerais; Débora Ferraz, psicóloga com doutorado em antropologia e pesquisadora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública; Michael Andrade, doutor em psicologia, professor na UEMG (Universidade Estadual de Minas Gerais) e pesquisador do LPNeC (Laboratório de Percepção, Neurociências e Comportamento); Nathália Pacheco de Carvalho, formada em psicologia pela FCMMG (Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais) e pesquisadora na LABEP Neuro.