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Sucesso de bilheteria: por que alguns gostam tanto de super-heróis?

"Homem-Aranha: Sem Volta para Casa" se tornou 6ª maior bilheteria da história do cinema - Divulgação
"Homem-Aranha: Sem Volta para Casa" se tornou 6ª maior bilheteria da história do cinema Imagem: Divulgação

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

04/02/2022 04h00

Eles estão presentes em gibis, filmes e prateleiras de lojas de brinquedos; podem fazer de tudo o que a imaginação humana for capaz de criar e, em geral, são perseguidos por inimigos igualmente poderosos. São os super-heróis, que de geração em geração despertam a atenção das pessoas e nunca saem de moda. Pelo contrário, fazem o maior sucesso, a exemplo do novo "Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa", que já é a 6ª maior bilheteria da história do cinema.

Todo esse fascínio em volta deles e seu universo começou quando nem se ouvia falar em Stan Lee, capa voadora combinada com cueca vermelha, ou batcaverna. Na Antiguidade, os gregos já tinham um herói, Hércules. Séculos a frente, a França, dominada pela Inglaterra, fez surgir Joana d'Arc. Portanto, pode se dizer que toda sociedade, cultura, religião, em diferentes partes do mundo e independentemente da época, teve ou ainda tem vivas suas figuras arquetípicas.

Em psicologia, arquétipo refere-se a um modelo, padrão, projeção de comportamento associado a um personagem ou papel social. Heróis são exemplos de arquétipos, possuem características que são percebidas e compartilhadas de maneiras inconsciente e coletiva. Representam a condição humana, na sua complexidade psicológica, social e ética, mas a transcendem, na medida em que se superam em habilidades, bravura, determinação, fé.

Nos sentimos amparados

Humanos são seres sociais, precisam uns dos outros para sobreviver e, uma vez fora do útero materno, sentem-se fragilizados, desprotegidos. Joeuder Lima, doutorando em psicologia pelo IESLA (Instituto de Educação Superior Latino-Americano) e atuante em Palmas (TO), explica que quando se é bebê, o corpo materno é percebido como uma extensão do próprio corpo. Mas, ao se tomar consciência de que existe uma dissociação, surge uma ruptura afetiva dolorosa.

"Se a mãe não está presente, o bebê sente, sofre, tem medo de não conseguir se virar sozinho. Ela se torna uma heroína, ou vilã, a depender da forma como se relaciona com esse bebê. Então, dessa relação, a humanidade, desde muito cedo, projetou nos heróis que garantiriam sua proteção, acolhida, um desejo que se estende à vida adulta", diz Lima, continuando que os heróis também afloram o narcisismo, fazendo as pessoas se sentirem poderosas, especiais.

Em mitologias, doutrinas, sempre estiveram presentes seres superpoderosos. Nesse sentido, super-heróis seriam como extensões do divino. São figuras para se admirar, agradecer, pedir socorro, ou proteção contra injustiças e o mal. Além de mostrarem que toda e simples pessoa carrega uma "força" de superação dentro de si. A exemplo de Clark Kent, que antes de se descobrir Homem de Aço demonstra ser um sujeito tímido, atrapalhado e até submisso.

Ensinam de tudo um pouco

Projeção e idealização de comportamentos, busca por uma compensação, sentimento de amparo. Se tudo isso nos atrai e faz gostar de super-heróis, seus ensinamentos também. Alguns deles são bem diretos, mas, outros, velados. Para as crianças, relacionam-se com a fantasia de plenitude, de perseverarem naquilo que querem ser, e quanto mais impedidas, reprimidas, mais elas tendem a fugir para esse universo, em busca de validação, incentivos.

He-man sempre trazia conselhos ao final de suas aventuras, sobre saúde, nutrição, equilíbrio. Assim como Capitão Planeta, mas sobre a importância de se preservar a Terra, tanto que sua frase-lema é "O poder é de vocês!". Mulher-Maravilha, por sua vez, há décadas reafirma sua independência contra a violência masculina e o patriarcado. "Há sempre uma mensagem positiva por trás, a não ser que o enredo foque especificamente na violência", aponta Deborah Moss, mestre em psicologia do desenvolvimento pela USP (Universidade de São Paulo).

Entretanto, o quanto o herói vai influenciar depende da associação que o sujeito estabeleceu dentro de si. Se fomos criados com altruísmo, empatia, tolerância, buscaremos nos identificar com heróis que nos remetem a isso. Do contrário, se nos identificamos com um modo de agir totalmente oposto, penderemos para os vilões. Mas não é regra. Pode-se unir características de ambos e gostar dos anti-heróis, ou, com as vivências, mudar de lado e até preferir os heróis.

Gostar não faz mal, mas é preciso atenção

Repetir as falas do Buzz Lightyear, querer o cabelo da Vampira, não querer tirar a máscara do Batman, nada disso faz mal. Pelo contrário, entre 4 e 8 anos de idade é normal e saudável que se brinque de forma lúdica, possibilitando também a externalização das emoções. O que acende o sinal de alerta é uma criança em idade para distinguir ficção de realidade querer saltar da janela, não aceitar ser contrariada e se isolar, não buscando outro tipo de interesse.

Comportamentos agressivos também não devem ser interpretados como em decorrência de se brincar de ou assistir a filmes de super-heróis. Antes, sugerem questões patológicas diversas, de ordem psicoemocional. "Não se trata do que vem de fora para dentro. É preciso buscar soluções nas causas internas, nas pessoas, nas relações familiares, sociais", informa Wimer Bottura Junior, psiquiatra pelo Instituto de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e presidente do comitê de adolescência da APM (Associação Paulista de Medicina).

O médico acrescenta que outro motivo de preocupação diz respeito aos adultos, em quererem se transformar em "clones" de super-heróis, com corpos, feições esculturais e antinaturais, a qualquer risco e custo. Mas, de novo, não são os heróis os culpados, são as faltas internas somadas a padrões estéticos construídos e reforçados incessantemente na sociedade que motivam desejos e transtornos, como vigorexia (de se enxergar fraco, mesmo sendo forte) e anorexia nervosa, casos que requerem tratamento psicológico.