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'Vacina com chip': por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração?

Teoria da conspiração que se espalhou pelo mundo dizia que vacina implantava um microchip rastreável nas pessoas - Reprodução/Universidade de Bath
Teoria da conspiração que se espalhou pelo mundo dizia que vacina implantava um microchip rastreável nas pessoas Imagem: Reprodução/Universidade de Bath

Simone Cunha

Colaboração para o VivaBem

13/04/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Os teóricos da conspiração são pessoas que diante de alguma mudança sócio histórica e/ou política se sentem ameaçadas de maneira real ou imaginária
  • A teoria da conspiração precisa se retroalimentar, por isso é natural a formação de grupos com ideias semelhantes
  • Participar desse seleto grupo garante essa sensação de se sentir único e especial
  • Algumas dessas teorias conspiratórias apresentam uma narrativa perigosa que pode colocar em risco o coletivo

Em pleno 2021, parece duvidoso ter de explicar que as vacinas não são perigosas e que um chip não será implantado ao recebê-las para se proteger da covid-19. Da mesma forma que isso parece óbvio para parte das pessoas, o contrário também tem efeito verdadeiro para quem acredita em teoria da conspiração. Este último caso engloba um grupo que busca ir na contramão dos fatos, justificando eventos e avanços tecnológicos, e até propagando inverdades, como se tudo isso fizesse parte de uma trama secreta e mal-intencionada e, apenas eles, os escolhidos, tivessem acesso à veracidade das informações.

De acordo com uma pesquisa publicada em 2020, acreditar em teoria da conspiração não pode ser compreendido com um distúrbio mental, mas uma tentativa de se apegar a isso para se proteger diante da incerteza e de uma possível ameaça. "São pessoas que, diante de algum processo de mudança sócio histórico e/ou político, se sentem ameaçadas de maneira real ou imaginária e buscam proteção, se agarrando às teorias mais esdrúxulas que lhes possam servir para garantir a manutenção de seus valores, crenças, modos de ser e de agir", explica Sylvio Ferreira, psicólogo da área comportamental e docente na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Paranoia coletiva

As crenças irracionais favorecem uma necessidade básica de controle e pertencimento. Portanto, encarar um evento como planejado (como a fake news de que o coronavírus teria sido desenvolvido em laboratório para os comunistas dominarem o mundo) proporciona um senso de controle sobre algo que, na verdade, é muito imprevisível.

"Alguns ramos da psiquiatria e da psicologia classificam a crença em teorias da conspiração como similares aos pensamentos delirantes. Ou seja, uma forte crença em algo que não é verdade, sendo que no pensamento delirante essa crença não é compartilhada por outros", comenta a psicóloga clínica Daniela de Oliveira, integrante do Ambulatório de Medicina e Estilo de Vida do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Já a teoria da conspiração precisa se retroalimentar, por isso é natural a formação de grupos com ideias afins para garantir esse pertencimento. "As pessoas tendem a procurar informações que confirmem aquilo que elas acham que sabem. E quanto mais sabem de algo errado, mais irão buscar gente que confirme aquilo e mais irão rechaçar qualquer coisa que entre conflito com essa ideia falsa", afirma Claudio Paixão, doutor em psicologia social e professor da Escola de Ciência da Informação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Ele completa que, dessa maneira, o grupo vai se alimentando e construindo uma teoria que é embasada em ideias falsas, mas vai ganhando proporções e fazendo com que outras pessoas possam abraçá-la. Portanto, é importante estar sempre atento. Ninguém está livre de se sentir seduzido pelo ideal salvacionista de alguém, embora haja pessoas mais propensas a essa mentalidade conspiratória.

Astronautas Buzz Aldrin e Neil Armstrong em maquete de trenamento da NASA. Para teóricos da conspiração, filmagens teriam sido feitas em estruturas assim, e não na Lua - NASA - NASA
Astronautas Buzz Aldrin e Neil Armstrong em maquete de trenamento da NASA. Para teóricos da conspiração, filmagens teriam sido feitas em estruturas assim, e não na Lua
Imagem: NASA

Sapiência fake

Baixos níveis de confiança, baixa autoestima, sensação de impotência, pensamento paranoico e necessidade de se sentir único são características que podem estar presentes no perfil de um teórico da conspiração. Isso acontece porque existe uma fragilidade diante do processo de mudança. "A teoria conspiratória proporciona um grau de superioridade, e o indivíduo compensa nela suas fragilidades e até o sentimento de inferioridade", diz Ferreira.

Afinal, para que essa ideia fake se espalhe, é necessário público. "Isso traz o conforto de a pessoa ser detentora de uma sabedoria, um conhecimento que outras não têm", comenta Paixão. O indivíduo se sente respaldado no olhar do outro, no peso que a fala dele tem. E apesar de não ser novidade, com o advento da tecnologia, a exposição e propagação dessa falsa sabedoria encontrou menos barreiras de ser disseminada. "Encontram ecos nas palavras e se cria um núcleo de pessoas que sabem pouco sobre nada e reafirmam as suas crenças e teorias estapafúrdia, uns nos outros", acrescenta Paixão.

E participar desse seleto grupo garante essa sensação de sentir-se único e especial. "As pessoas gostam de se sentir distinguidas, e ao participar desses movimentos acreditam que fazem parte de um grupo de iniciados e que somente a eles foi dado tal privilégio", completa Ferreira. De nada adianta ridicularizar toda essa situação como se fosse algo inofensivo, pois algumas dessas teorias conspiratórias apresentam uma narrativa perigosa, em que o negacionismo traz questões que interferem de forma negativa o coletivo, como é o caso das invenções sobre as vacinas.

Infelizmente não há uma receita pronta e imediata para conter essas falsas crenças, mas educar as pessoas para a ciência é uma boa solução. Mas este, no entanto, é o caminho mais difícil de ser compreendido, pois as teorias conspiratórias oferecem supostas respostas numa tacada só, por isso é importante aprender a realizar a 'contra teoria'. "É criar uma forma de competir disseminando a verdade. Transformar as informações que precisam ser comunicadas de forma que as pessoas estabeleçam conexões, queiram comprar e ler", diz Paixão.

Identifique um teórico conspiratório

Segundo Daniela Oliveira, as pesquisas mostram algumas peculiaridades da personalidade de pessoas que seguem teorias da conspiração. Confira:

  • A necessidade de encontrar explicação para tragédias, de forma que exista um significado maior para o evento;
  • Dificuldade em pensar analiticamente ou a necessidade de ser especial e único. O que pode atrair essas pessoas a alguma narrativa secreta que ninguém mais sabe a respeito ou que apenas um grupo especial compartilhe;
  • Pessoas que justificam suas convicções frente a qualquer evidência do contrário. Rigidamente mantêm seu posicionamento com pouca flexibilidade em suas crenças;
  • Teste de realidade empobrecido ou nulo. Poucas pessoas que acreditam em teorias da conspiração checam a veracidade de suas crenças com a realidade dos conhecimentos já comprovados;
  • Tendência a endossar abertamente e fortemente um único grupo ou atribuições causais, sem se envolver na resolução analítica e racional de problemas;
  • Tendência a tirar conclusões precipitadas e não as alterar.