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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Redes sociais em pé de guerra: como discordar de algo sem ser cancelado

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Imagem: iStock

Simone Cunha

Colaboração para o VivaBem

19/09/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Buscar equilíbrio nessa cultura do cancelamento é essencial para promover debates e encontrar soluções
  • O cancelamento vai contra a necessidade que as pessoas têm de se expressar
  • Ao divergir procure sempre evitar termos desqualificadores e adjetivos depreciativos
  • É preciso discutir de forma a tornar os seus argumentos compreensíveis para quem está acostumado com meme de Internet

Polarização, negacionismo e intolerância são ingredientes que colocam lenha na fogueira de qualquer discussão nas redes sociais atuais. E basta uma opinião contrária para o interlocutor ser massacrado e cancelado. Para muitos, isso funciona como um combustível e tem muita gente que quer mesmo ver o circo pegar fogo. Para outros, ocorre o inverso e o medo de ser mal interpretado faz pessoas abrirem mão de sua opinião e acionar o 'deixa pra lá'.

No entanto, buscar equilíbrio nessa cultura do cancelamento é essencial para promover debates e encontrar soluções, afinal cancelar alguém significa não mais considerar o que ela tem a dizer, além de atacar sem dar espaço para o aprendizado. "O cancelamento é um tipo de violência, pois as pessoas só aprendem se expressando. Por isso, é importante que as pessoas se eduquem para conseguir divergir, sem polemizar ou agredir", diz o professor Érico Andrade, psicanalista e docente do Departamento de Filosofia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Sem censura!

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O cancelamento vai contra a necessidade que as pessoas têm de se expressar, portanto, é preciso realizar alguns ajustes nos diálogos para que essa cultura não se torne uma opressão. Ninguém deve ser censurado, afinal a expressão é uma garantia do regime democrático. Porém, é fundamental estar em dia com a veracidade dos fatos, ou seja, sair espalhando fake news não legitima a liberdade de expressão. "É importante que as pessoas não se esquivem ou deixem de opinar, afinal a linguagem é flexível", destaca Maria Cristina Leandro Ferreira, professora do Instituto de Letras da UFRGS (Universidade do Rio Grande do Sul).

Para a docente, não deve haver censura, mas é imprescindível ter cuidado com o que se diz, pois a palavra também machuca. Portanto, divergir é possível desde que seja com respeito. "E uma forma de assegurar isso é evitando termos desqualificadores, adjetivos depreciativos, e mesmo que a pessoa tenha uma opinião forte e contundente, deve atingir o fato e não o outro", sugere Ferreira.

Por favor, não se cale!

Raiva na internet - iStock - iStock
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A discordância não pode ser vista como algo pejorativo. Mas, é importante discordar quando se tem o apoio dos fatos com recursos embasados para ajudar o outro a lidar com a ignorância. "Não podemos nos omitir, é fundamental que se corrija o erro. Pois, o erro promove a proliferação da ignorância, uma das coisas mais monstruosas da nossa época", alerta Claudio Paixão, doutor em Psicologia Social e professor da Escola de Ciência da informação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

E a linguagem deve obter um resultado, pois é um instrumento civilizatório. "Quanto mais aprendermos a nos valer dela, mais civilizados seremos", confirma Ferreira. Por isso, discordar sem ser cancelado é um desafio, que precisa ser vencido. E a dica, segundo Paixão, é discutir de forma a tornar os seus argumentos compreensíveis para quem está acostumado com meme de Internet. "O meme não exige análise como um argumento científico/jornalístico, por isso é preciso colocar a ideia fundamental de forma reduzida, simples e sintética para que a pessoa consiga pegar um elemento básico para refletir", ensina.

Para o docente, é fundamental aprender a colocar suas ideias no cotidiano, mesmo que sofra represália. E ainda que corra o risco de ser cancelado, vale reavaliar se o contato com tais pessoas é realmente necessário. "Se não consigo receber nada, além de ideias deturpadas e aversivas, talvez seja melhor abrir mão", reforça Paixão.

Ser mais flexível nas redes sociais

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Imagem: wildpixel/Getty Images/iStockphoto

Com o advento da Internet, ficou ainda mais fácil espalhar a ignorância e contaminar as pessoas com notícias fantasiosas. Aliás, as redes sociais têm sido os maiores palcos para discussões acirradas, massacres e cancelamentos. "Nas conversas do cotidiano, existe uma mediação natural para evitar conflitos. Já no mundo online isso não acontece, as pessoas são menos seletivas em suas opiniões e conclusões e só percebem a dimensão do problema quando já escalou e gerou conflito", comenta Raquel Recuero, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), com ênfase em redes sociais na Internet.

E existe um imediatismo para ver quem lacra mais, sendo que a busca por esse destaque individual acaba interferindo de forma negativa na capacidade de diálogo. "Os debates são saudáveis se as pessoas forem intelectualmente saudáveis", alfineta Paixão. Neste caso, instigar as discussões é fundamental para encontrar soluções e, as divergências não atrapalham, mas promovem uma análise mais precisa dos fatos. Mas, antes disso, é fundamental vencer a dificuldade em lidar com o questionamento.

Segundo Paixão, é preciso encontrar fórmulas, chaves e estratégias que permitam que a verdade seja transmitida, mesmo que isso nos coloque em risco de um cancelamento. "A discordância é saudável, só não pode ser confundida com discurso de ódio. Essa discordância precisa ter contexto construído e valores constituídos, com tolerância e responsabilidade", finaliza Recuero.