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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Gostar de ficar sozinho também pode ser sinal de transtornos; saiba quais

Thomas Trutschel/Photothek via Getty Images
Imagem: Thomas Trutschel/Photothek via Getty Images

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

18/03/2021 04h00

No baralho do tarot, o eremita, retratado como um sábio ancião que leva consigo um cajado e uma lanterna, simboliza o desconectar-se de tudo que há em volta para, sozinho e em silêncio, aprender e atingir o autoconhecimento. Mas preferir ficar sozinho também pode ser sinal de que há algo de errado.

Apesar dos altos e baixos nas relações interpessoais, o ser humano precisa do contato com o outro para se desenvolver, aprender, garantir proteção, ajuda e a continuidade da espécie. Quem se isola pode fazer isso porque deseja (para estudar, trabalhar, meditar), mas também por ter certas dificuldades, limitações ou condições clínicas específicas.

Existem transtornos que dificultam a socialização, interação e comunicação e que podem cursar com habilidades fora da média. É o caso de alguns autistas leves, diagnosticados com as síndromes de Asperger e de Savant. Em relação aos outros níveis do transtorno do espectro autista, a característica principal deles é a eficiência de memorização e de resolução de problemas específicos. Quando adultos, trabalham bem sob planejamento e em ambientes em que não há riscos e imprevistos.

Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria), ressalta que, embora pessoas que se isolam por conta de transtornos como os do espectro autista sejam muito inteligentes, elas não adquiriram isso por se isolarem.

"Talvez também haja muito mais uma romantização", diz ele a respeito do pensamento de que para se obter conhecimento e criatividade seja necessário se isolar, como no passado supunham ser esse o segredo do talento de alguns gênios pouco compreendidos por terem transtornos psiquiátricos. "Virginia Woolf, por exemplo, indicava a importância da solitude para os escritores, mas hoje sabemos que ela sofria de depressão", acrescenta o psiquiatra.

Problemas da solidão

Há ainda os transtornos de ansiedade social e de personalidade, esquizofrenia e depressão, que pode surgir com um sentimento de solidão, de não pertencimento, mesmo estando rodeado de pessoas. Mas ficar sozinho por muito tempo também não é bom e isso tanto por aumentar o risco de depressão como o de morte por doenças cardiovasculares. Quem se isola demais ainda pode piorar traços da personalidade.

Se a pessoa for mais introvertida, pode desenvolver medo e ansiedade extremos quando exposta a situações sociais inevitáveis, comprometendo aspectos como criatividade, comunicação e coragem. "Sozinho e com liberdade para escolher o que fazer ou não pode ainda ser um fator para aumentar a procrastinação", alerta Yuri Busin, mestre e doutor em neurociência do comportamento e diretor do Casme (Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio).

Há também indivíduos que são muito inteligentes por interesse e esforço próprios, mas que podem se isolar por ter grande dificuldade para se concentrar em atividades intelectuais —mais um motivo para se criarem associações romantizadas entre saber e distanciamento. Nesse sentido, para aqueles que são distraídos ou têm déficit de atenção, ficar sozinho pode ser temporariamente benéfico, por reduzir os estímulos externos e garantir funcionalidade e produtividade maiores.

"Buscar se conhecer melhor envolve introspecção e reflexão, o que é difícil rodeado de pessoas, estímulos e afazeres o tempo todo e por isso se isolar um pouco pode ajudar", explica Henrique Bottura, psiquiatra, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Combinação equilibrada

Para uma compreensão mais ampla do "eu" interior, é preferível buscar um retiro espiritual, tirar um ano sabático ou simplesmente criar o hábito de se fazer pequenas reflexões diárias, algo que a maioria das pessoas não está acostumada por agir no automático. Busin garante que reservar para si de 15 a 20 minutos diários e continuamente resulta em uma evolução enorme.

No que compete a ter problemas para estudar e trabalhar não estando sozinho, é necessário buscar uma investigação médica. Pode não ser nada sério, mas a depender do tipo de área ou profissão em que se atue, é fundamental que se aprenda a trabalhar em grupo. Isso se adquire com psicoterapia, programas de mentoria e treinos práticos. Havendo transtornos por trás pode ser necessário, além de acompanhamento com especialista, usar medicamentos.

Aprimorar a convivência é algo a se fazer desde a infância e cuja tarefa cabe a pais e professores, que devem estimular e reforçar às crianças a importância de se ir à escola, ter amigos e vivenciar experiências conjuntas para aprender a respeitar e valorizar a diversidade. "Existem pessoas que ficam confortáveis sozinhas, mas é preciso lembrar que é preciso que convivam, pelo bem tanto do futuro delas como de todos", afirma Scocca.