"Não tinha coragem de me matar, mas queria morrer": ideação suicida é grave
Resumo da notícia
- Ideação suicida requer atenção e deve ser olhada com sensibilidade e cuidado
- Família e amigos devem se posicionar como rede de apoio e ajudar quando necessário, disponibilizando ajuda profissional
- Tratamento com psicoterapia, uso de medicamentos e atividades que dão prazer ajudam na melhora do quadro
- Se você tiver algum sofrimento psíquico ou se tem algum familiar ou amigo vivendo uma situação de risco, procure ajuda profissional agora mesmo
A estudante Aline Nascimento, 26, é comunicativa, tem uma voz doce e comportamento tranquilo. Os amigos e a família jamais pensariam que ela um dia pudesse pensar em acabar com a própria vida. "Não tinha coragem de me matar, mas queria morrer de certa forma. Então, comecei a imaginar como isso poderia acontecer, se passasse em ruas desertas, reagisse a um assalto ou me jogasse no meio dos carros em movimento para ser atropelada".
Nascimento passou por um evento de ideação suicida, de acordo com o psicólogo Kleber Marinho, mestre pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Ela é caracterizada pela presença de pensamentos, consideração e planejamento do suicídio, sendo, portanto, um precursor que pode levar a pessoa ao ato ou à tentativa. Ele esclarece também que é preciso considerar a possibilidade do parassuicídio, quando o indivíduo causa um mal, uma lesão a si, mas há pouca ou nenhuma intenção de morrer.
No caso da estudante, ela conta que essa vontade de morrer era uma forma de esquecer a angústia que sentia. Além de ficar dias sem comer, tomar constantemente remédio para dormir e chorar com frequência, chegou a tomar medicamentos com bebida alcoólica até parar no hospital desacordada.
Segundo Marinho, a diferença entre suicídio e tentativa de suicídio ainda gera bastante confusão. "O primeiro acontece quando o ato suicida resulta em morte, enquanto o segundo acaba não sendo letal, ainda que seja direcionado ao suicídio. Nem por isso a tentativa deixa de ser eminentemente prejudicial, inclusive podendo causar lesões perenes", diz.
O psicólogo acrescenta que antes de qualquer diagnóstico é importante lembrar que uma pessoa saudável não pensa ou diz que quer se matar. "Por mais óbvio que possa parecer, é necessário reafirmar isso, porque é muito comum, por exemplo, um familiar ou amigo dizer que fulano 'está querendo só chamar a atenção'. Portanto, qualquer intenção declarada de morte deve ser olhada com sensibilidade e cuidado".
Pedido de ajuda
A estudante confessa que escondeu sua depressão por bastante tempo. "Meus pais não sabiam e no trabalho eu chorava dentro do banheiro. Moro sozinha, mas mesmo assim a minha família começou a estranhar meu comportamento, porque não saía mais de casa". Nascimento lembra que quando os parentes descobriram que ela tentou se matar, todos ficaram desesperados e a encaminharam para o psiquiatra, "mesmo sem eu querer", diz.
Segundo a psiquiatra Denise Gobo, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em 97% dos casos de suicídio o paciente apresentava um quadro psiquiátrico associado, mas em menos da metade dos eventos a pessoa buscou ajuda de um profissional de saúde mental.
A especialista alerta que a depressão é uma doença psiquiátrica que tem seu diagnóstico feito por meio de uma avaliação clínica. Normalmente, apresentam-se sintomas de tristeza, autodepreciação, discurso de morte ou desesperança, alterações do sono e apetite, isolamento social, irritabilidade, dificuldade de concentração e de realizar atividades no trabalho e no dia a dia.
"Esses são alguns sinais que parentes próximos ou amigos percebem durante semanas a meses. O mais importante é que, se a rede de apoio nota algum destes sintomas, ela deve se aproximar dessa pessoa e perguntar como ela pode ajudar", diz a psiquiatra.
Não é acabar com a vida, e sim com a dor
Quem pensa em suicídio não quer sofrer uma dor física e muito menos acabar com a vida, de acordo com Marinho. "O que a pessoa quer é acabar com o sofrimento psíquico e/ou físico. É a partir daí que temos de começar, isto é, devemos inverter a ordem das coisas, pois o início, a origem se dá no sofrimento, na dor e na angústia interna e ali está o cerne da questão. A morte simboliza o fim, aquilo que a pessoa acredita ser o possível término de tudo que sente e não suporta mais", diz.
Sendo assim, o indivíduo acaba entrando em um estado de negligência com a própria vida, por isso começa a parar com o autocuidado, perde estímulo e apreço pela vida. E isso pode ser tanto de forma consciente quanto inconsciente. "A pessoa pode estar passando por um episódio depressivo e, quando não tratado, o quadro pode ir se agravando até as atitudes de preservação da vida naturalmente entrarem em declínio. Isso ocorre até chegar ao ponto final de não existir nenhum estímulo para continuar a viver", explica Marinho.
Gobo frisa que além do tratamento com psicoterapia e o uso de medicamentos (como antidepressivos ou estabilizadores de humor), é importante que pessoas com ideação suicida recorram a alternativas como a atividade física, religiosidade, meditação. "É necessário estimular que a pessoa encontre atividades que lhe deem prazer e proporcionam sono adequado, boa alimentação, reforçam vínculos com família e amigos".
Esse é o caminho que Nascimento optou. Segundo ela, os remédios têm ajudado, mas a espiritualidade também tem seu papel. "A depressão não é só uma doença do corpo, mas também da alma. Estou cuidando da minha parte espiritual e pedindo ajuda a Deus, porque sei do risco de tudo voltar, se eu me relaxar. O cuidado é para sempre".
Quem tem pensamentos suicidas e precisa de apoio emocional pode ligar para o CVV (Centro de Valorização da Vida) no número 188. Também é possível receber apoio emocional via internet (www.cvv.org.br), email, chat e Skype 24 horas por dia. Existem ainda os prontos-socorros psiquiátricos para casos de emergência.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.