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Autossabotagem: entenda motivos e veja como parar de se boicotar

Medo do sucesso é um dos motivos que fazem as pessoas desistirem de oportunidades - iStock
Medo do sucesso é um dos motivos que fazem as pessoas desistirem de oportunidades Imagem: iStock

Heloísa Noronha

Colaboração para o VivaBem

08/10/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Autossabotagem é um mecanismo inconsciente que pode atrapalhar a vida pessoal, financeira e profissional
  • Explicação pode estar na infância, com maus tratos ou rejeição por parte dos pais, ou até no medo de triunfar em meio a um grupo
  • Para romper esse padrão, é importante ter objetivos claros e dividir metas maiores em outras pequenas, mas realizáveis
  • O auxílio de um terapeuta também pode facilitar na compreensão das origens desse comportamento e em como quebrá-lo

Procrastinar. Chegar atrasado. Cultivar sonhos e projetos, mas não fazer nada para concretizá-los. Descontar frustrações na comida. Gastar mais do que pode. Engatar um namoro e, quando a relação começar a caminhar para algo mais sério, arranjar algum motivo para terminar. Esses são apenas alguns dos diversos exemplos de boicote que muitas pessoas costumam aplicar a si mesmas. A autossabotagem é um mecanismo inconsciente bastante comum e que atrapalha a vida de muita gente, em vários aspectos. Vencê-la é possível, mas para isso, primeiro é preciso entender como ela funciona.

Entre os fatores por trás da autossabotagem, o mais comum é o fato de a pessoa não se sentir merecedora de algo bom. "Essa impressão tem relação importante com experiências de vida prévias, como negligência, maus tratos ou rejeição por parte dos pais quando criança. Quem não se sentiu amado durante a infância pode acreditar que não é digno de um relacionamento afetivo sadio", diz Danielle Admoni, especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e membro do corpo clínico dos ambulatórios de Psiquiatria e Neurologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

É uma tendência do ser humano reeditar na idade adulta o universo que viveu na infância, segundo o psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura, presidente da ABMP (Associação Brasileira de Medicina Psicossomática). "Nosso inconsciente é mais forte do que o consciente e se baseia nas experiências infantis. Por isso, homens e mulheres buscam relações ou situações em que se sentem 'menores', para reviver aquela sensação de quando eram crianças", explica ele, que também é professor de psicologia médica da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Ainda segundo Bottura, outra mola propulsora da autossabotagem é o sistema de crenças que as pessoas têm a respeito de si mesmas, algo que também se desenvolve na infância.

Medo do sucesso é maior que o do fracasso

Arranjar explicações plausíveis para se afastar do que se deseja é outro "truque" —inconsciente, vale repetir — de quem pratica a sofrida arte do autoboicote. Alguns exemplos são os argumentos: "Não tenho tempo", "Depois que emagrecer eu faço", "Ainda não estou pronto", "Não tenho a experiência necessária". Todas essas justificativas sinalizam um receio de triunfar, conquistar algo ou até de se sentir feliz.

"A maioria de nós tem mais medo do sucesso do que do fracasso", diz Bottura. "Às vezes, o fracasso é até estimulado para que em um grupo as pessoas se mantenham no mesmo padrão, seja esse grupo uma família, seja uma roda de amigos. O sucesso não só se destoa como também gera inveja e joga luz sobre as derrotas ou frustrações alheias".

Autossabotagem - iStock - iStock
Receio de triunfar, conquistar algo ou até mesmo de se sentir feliz provocam a autossabotagem
Imagem: iStock

É preciso considerar também que as conquistas, publicar um livro ou emagrecer, por exemplo, tiram as pessoas da zona de conforto e as forçam a encarar uma nova realidade, diferente da velha conhecida —e isso pode ser amedrontador. "Alguns indivíduos não são capazes de tolerar a felicidade. Eles se sabotam para evitar esse sentimento ou adoecem após alcançá-lo", diz Carla de Abreu Machado Derzi, docente do curso de psicologia da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e doutora em psicanálise pela Universidade de Paris VIII - Vincennes-Saint-Denis.

Derzi diz que Sigmund Freud analisou essa ligação causal entre o êxito e a doença no texto "Os arruinados pelo êxito". Segundo ela, Freud sugere que a autossabotagem se caracteriza por certas condutas que levam as pessoas ao pior e as afastam não só da realização de um desejo, como também da oportunidade de usufruí-lo. "O autoboicote pode ainda estar envolvido com a dificuldade de enfrentar os riscos da vida. Em face disso, muitos preferem não atravessar desafios ou optam por construir obstáculos intransponíveis".

Outra possibilidade, de acordo com Admoni, são as situações em que existe um ganho secundário. "É o caso da pessoa que adoece, por exemplo, e fica no papel de vítima, sendo tratada e poupada pelos outros. Ela não quer 'melhorar', para não sair dessa função e perder o olhar de cuidado", diz. O que é tido como vantagem, porém, funciona como um aprisionamento involuntário.

Como se livrar do autoboicote

Uma das formas de detectar a autossabotagem é notar que não se está "saindo do lugar" em áreas importantes da vida. "Nesse caso, provavelmente seu esforço está sendo direcionado para metas não tão importantes, mas prazerosas, e deixando de realizar o principal", diz o psiquiatra Eduardo Perin, especialista em TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) pelo Ambulatório de Ansiedade do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Para romper esse padrão, Perin aconselha "picotar" grandes metas em passos menores. "Estabeleça prioridades e não fique apenas 'apagando incêndios' ou fazendo só a parte mais fácil ou agradável", sugere.

Investir em um processo honesto de autoconhecimento também é essencial. Para Leni Rodrigues, psicóloga da Santa Casa de Mauá, em São Paul (SP), um bom exercício é responder às seguintes perguntas: "O que eu quero para mim?", "Como desejo me sentir no futuro?" e "Quais são os meus objetivos?". Segundo ela, o ideal é questionar esses pontos não só em em relação à vida pessoal, como também profissional e financeira.

Outra etapa crucial é se livrar de crenças negativas a respeito de si mesmo e da culpa ou frustração por vivências ruins. "As experiências de vida não devem rotular um indivíduo. Muitas vezes, a pessoa vive 'colada' a esses estigmas, pois acredita que eles definem sua identidade. Ela segue nessa 'falsa realidade', quando na verdade a capacidade de readaptação e o potencial criativo de cada um são enormes e possibilitam a constante aprendizagem e transformação", diz Rodrigues.

Entretanto, de acordo com Admoni, em alguns casos o desejo de romper o padrão independe da vontade e do planejamento. Sendo assim, seria interessante cogitar a ajuda de um psicoterapeuta para compreender as origens desse comportamento, ensinar como identificá-lo e, mais importante, a pensar outras maneiras menos danosas de tomar decisões.