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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Como identificar que alguém próximo tem um transtorno mental e ajudá-lo

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Simone Cunha

Colaboração para o VivaBem

24/09/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Quase que invariavelmente há mudanças de hábitos, comportamentos ou humor a partir de um sofrimento mental
  • É importante compreender que cada transtorno mental tem sinais e sintomas diferentes e específicos
  • Quem começa a ter algum tipo de déficit mental passa a não corresponder com o que a sociedade demanda
  • Observe as redes sociais: postagens com teor mais melancólico ou enraivecidas podem revelar algum problema emocional

Problemas de saúde mental são cada vez mais comuns em muitos lugares do mundo. E, no Brasil, isso não é diferente. Alguns levantamentos, como um realizado pela Vittude no ano passado, mostram quem mais de 86% da população sofre com transtornos como estresse, ansiedade e depressão. Mas como identificar que a pessoa tem uma condição mais severa e precisa de ajuda?

Bom, vamos iniciar pelo caminho inverso e entender como reconhecer um indivíduo saudável mentalmente. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), essa pessoa é capaz de usar suas habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, produzir e contribuir para a sua comunidade. Portanto, ser saudável mentalmente é um percurso pessoal em busca do equilíbrio para o enfrentamento da vida, sendo que cada um irá encontrar a forma de realizar isso e conquistar bem-estar.

"Quando conhecemos uma pessoa e sabemos como habitualmente ela lida com seus problemas e sua rotina, fica mais fácil perceber o adoecimento. Afinal, quase que invariavelmente há mudanças de hábitos, comportamentos ou humor a partir de um sofrimento mental", explica Marcia João Pedro, psicóloga do Departamento de Atenção à Saúde da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

Um olhar atento

Dar apoio a pessoa com problema - iStock - iStock
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De fato, as primeiras pessoas a perceber que alguém está passando por algum momento difícil são as mais próximas, como familiares e amigos. "É importante compreender que cada transtorno mental tem sinais e sintomas diferentes e específicos, com grande variedade entre eles", alerta Christian Kieling, professor de Psiquiatria da Infância e da Adolescência da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e diretor do ProDIA (Programa de Depressão na Infância e na Adolescência) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

No entanto, um transtorno mental pode ser entendido como um desvio da normalidade. Neste caso, quem começa a ter algum tipo de déficit mental passa a não corresponder com o que a sociedade demanda. Segundo o psicólogo Guilherme Guimarães, coordenador do grupo PROAD (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e coordenador de saúde mental do SAS Brasil, os comportamentos extremistas ou mudanças muito bruscas podem indicar que algo não vai bem.

Ou seja, alguém que seja mais expansivo e comunicativo e se torna mais calado, por exemplo, pode estar padecendo de algum sofrimento que não consegue ou não quer expressar. Assim como alguém que fica ativo além da conta. "Esses sinais extremos podem ser muito perceptíveis pela ausência de equilíbrio, pois o parado demais e o agitado excessivo podem denunciar um desequilíbrio que pode ser decorrente de algum sofrimento mental", informa Guimarães. Além disso, alterações bruscas de comportamento podem ser um alerta. Se uma pessoa muito falante de repente passa a ficar muito calada, isso pode indicar que algo diferente está acontecendo.

De olho nas emoções

duas pessoas dando a mão, apoio, luto - iStock - iStock
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Há também sintomas que se aproximam de quadros clínicos mais definidos e que apontam na direção de alterações na saúde mental, quando se apresentam de forma intensa e contínua. Nessa lista, destacam-se irritabilidade constante, tristeza por períodos prolongados, ansiedades diárias que paralisam, agressividade, aumento ou diminuição de peso visível, dificuldades para dormir, confusão mental, delírios, aumento no uso de bebidas e outras drogas, isolamento social, compulsões, instabilidade no humor, entre outros.

"Seriam comportamentos ou estados emocionais que se manifestam de forma mais intensa e que podem causar algum prejuízo para a pessoa se relacionar, usar seus recursos intelectuais e habilidades, trabalhar, estudar e participar da vida social", diz Pedro. Também costumam ser bastante perceptíveis por aqueles mais próximos e vale atentar-se para a intensidade e frequência de tais emoções.

Outra dica importante é observar as redes sociais, que têm sido um veículo de comunicação sintomático, principalmente entre os jovens na busca de ajuda. "Postagens com teor mais melancólico indicando tristeza profunda, apontando para falta de sentido na vida. Despedidas, mensagens enraivecidas ou sem sentido também podem revelar algum problema emocional", sugere a psicóloga.

Sinal de alerta ativado, o que fazer?

Dar apoio a pessoa com problema - iStock - iStock
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Para Guimarães, é imprescindível falar sobre o assunto para cada vez mais derrubar os tabus. "Esse é um tema que está sempre associado à doença, mas saúde mental é algo que todos vivemos, passamos e enfrentamos. Por isso, desconstruir esse tabu é fundamental para que os problemas sejam validados sem preconceito", afirma. E identificar para a pessoa que você percebeu que que algo não vai bem pode ser significativo e decisivo para a melhora dela.

A partir dessa identificação, a oferta de escuta e acolhimento é a melhor forma de iniciar a ajuda. Essa aproximação pode levar a pessoa a refletir melhor sobre seus sentimentos, pensamentos e conclusões sobre sua saúde mental. E o quanto antes essa abordagem acontecer, melhor. Pois, o sofrimento mental tende a se agravar caso não receba os cuidados devidos.

Além disso, não cabe aos familiares ou amigos atuarem como profissionais de saúde mental, mas estarem disponíveis para uma escuta acolhedora pode fazer toda a diferença nesse primeiro momento. "Muitas pessoas têm receio de fazer essa abordagem por não saber o que dizer, no entanto, a escuta pode ser muito mais relevante", diz Kieling.

Saiba iniciar essa conversa

Dar apoio a pessoa com problema - iStock - iStock
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Na dúvida sobre a existência de um problema ou como abordar a situação, a melhor dica é questionar (nunca afirmar!), sinalizando de forma empática sua percepção e preocupação com a saúde da pessoa. Por isso, ao contrário de dizer "nossa, como você anda ansioso" procure perguntar "você anda se sentido mais ansioso?". Frases como "estou preocupado com você", "me parece que você não está bem" ou "gostaria de saber como você está" também abrem possibilidades para iniciar esse diálogo de forma acolhedora.

Aliás, estar ao lado dessa pessoa para oferecer algum apoio, conforto e afeto na evolução dos sintomas pode ser um diferencial positivo no prognóstico do caso, pois o papel da família (ou amigos) é essencial neste processo. E buscar informações sobre o tema também pode ajudar a embasar esse diálogo, apontando dados sérios e soluções plausíveis como a indicação de um tratamento.

Há uma chance de a pessoa resistir em um primeiro momento, porém, se o diálogo for realizado de forma cuidadosa, sempre haverá a possibilidade de retomar a conversa em outro momento. "O importante é estar ao lado e oferecer o apoio, mostrar-se disposto a acolher, afinal, pequenas atitudes de cuidado podem ser grandes potências no vínculo e na confiança que, posteriormente, podem se tornar o alicerce para uma nova conversa e a aceitação de um tratamento", acrescenta Pedro.

Evite cobranças e julgamentos

Apoiar alguém com depressão 3 - iStock - iStock
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De acordo com Kieling, é muito importante não passar a ideia de que o transtorno mental é culpa da pessoa ou que é responsabilidade dela estar naquele estado. Afinal, o conceito de saúde mental é bastante amplo e complexo e, segundo Pedro, fazer algumas associações lógicas ou explicações reducionistas usando o senso comum não levará a dissolução do sofrimento psíquico vivido pela pessoa.

Procure ainda abrir mão de comparações apontando que outras pessoas sofrem mais ou têm problemas mais graves, pois esse tipo de atitude desvaloriza os sentimentos e conflitos dela. Nada de demonstrar pena, substitua-a por afeto e preocupação legítima. Essa aproximação tem que ser com humildade, sem impor suas ideias e valores, escutando mais do que se colocando. "Por isso, vale deixar julgamentos e preconceitos de lado, pois chegar para essa conversa carregado de verdades pode até inibir a pessoa, obtendo um resultado oposto ao esperado", ensina Pedro.

É muito importante ter a consciência de que enfrentar algum sofrimento mental não é algo fácil ou mágico, que basta força de vontade, fé ou otimismo para vencê-lo. Essa é uma situação muito delicada que esbarra na vontade e autonomia do outro e não podemos nos responsabilizar pelas escolhas dela, assim como não devemos abandoná-la por recusar a busca de um tratamento.

Tudo a seu tempo

Se a pessoa relutar em falar sobre a questão, procure oferecer outras formas de ajuda como companhia para um passeio, conversas agradáveis, apoio para resolução de alguma pendência, pois esse acolhimento e auxílio podem ser decisivos para que ela consiga sair desse estado de contemplação. E estar próximo, garantindo amparo e se colocando à disposição para quando ela decidir que está pronta para receber ajuda profissional, é um bom caminho.

É um trabalho árduo que dificilmente não terá algum resultado. "É normal enfrentar um sofrimento psíquico na atualidade; uns lidam de maneira mais fácil, outros precisam de apoio e isso não denota fraqueza, mas coragem em querer melhorar e buscar alternativas para ser uma pessoa melhor, se sentir melhor e se relacionar melhor", enfatiza Guimarães.

E se após tanta dedicação, a pessoa insiste em não aceitar ajuda, vale buscar orientação de um profissional de saúde para conduzir essa situação de maneira mais acertada. "Cada situação é específica e única, sendo que o papel dos profissionais de saúde mental é poder identificar e adaptar os recursos (farmacológicos e psicoterápicos) para atender às necessidades de cada eventual paciente", finaliza o psiquiatra.