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Médico da USP explica estudo da Lancet e alerta que cloroquina 'pode matar'

Imagem ilustrativa de remédio (cloroquina) para o novo coronavírus  - Getty Images / iStockphoto
Imagem ilustrativa de remédio (cloroquina) para o novo coronavírus Imagem: Getty Images / iStockphoto

Do UOL, em São Paulo

22/05/2020 15h58

Bruno Caramelli, cardiologista e professora da Faculdade de Medicina da USP, já sentiu na pele os efeitos do coronavírus e tomou "muita dipirona" para aguentar os 39º C de febre e as dores que sentia quando acometido da covid-19. Hoje recuperado, ele falou em entrevista ao canal da USP no YouTube sobre o novo estudo, com 96 mil pacientes, que desqualifica a cloroquina como medida eficaz para ser usada na pandemia e disse que recomendar a droga é uma irresponsabilidade com risco de morte.

Caramelli citou o estudo da revista Lancet, divulgado hoje, que mostra que o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina sozinhos ou combinados com macrolídeos (grupo de antibióticos dentre os quais se destaca a azitromicina) não tem benefícios comprovados no tratamento de pacientes com covid-19. Mais que isso, há indícios de que uso desses medicamentos pode estar relacionado a um aumento no risco de morte por problemas cardíacos, como arritmia.

"[No estudo,] Eles mostram o que eu estava com medo: de 4,5% a 8,1%, dependendo se o remédio está sendo dado sozinho ou em combinação com outro: esta é a chance de arritmias cardíacas graves em quem está tomando cloroquina ou hidroxicloroquina. 4,5 a 8% é altíssimo", alertou ele. Questionado se o uso do remédio fora dos estudos clínicos pode matar, foi claro: "Pode".

"Se somar ao fato de que irresponsavelmente alguém está falando pras pessoas tomarem em casa, com a doença leve, sem controlar o eletrocardiograma, isso é uma irresponsabilidade. Infelizmente, nem todos os que recomendam têm CRM [número no Conselho Regional de Medicina]. Por que, se tivesse, podia ser objeto de denúncia", criticou o cardiologista, citando indiretamente o novo protocolo do ministério da Saúde para o SUS, que indica o medicamento para casos leves da covid-19. "Eu não daria nem no ambiente hospitalar, porque não funciona."

Caramelli explicou que o estudo multinacional foi feito por observação e que os resultados poderiam ser diferentes caso, em vez de serem realizados por prontuários, os dados fossem levantados com acompanhamento de cada paciente.

No entanto, para o cardiologista, isso aponta que os casos de arritmia seriam ainda maiores, já que o acompanhamento individual, com eletrocardiogramas, seria muito mais preciso.

"Em termos de evidências, existem níveis de informação. Esse estudo é um registro, é um estudo observacional, a partir de dados de prontuário. Não foi alguém ali estudar o que aconteceu. No caso das arritmias, se fosse colocado um exame que registra o ritmo cardíaco ao longo de 24 horas, você estaria ativamente olhando. Um estudo como esse, com 96 mil pacientes, se ele mostra essa incidência de arritmias, provavelmente este estudo estaria subestimado. Se houvesse uma busca ativa com este exame, iria enxergar mais do que o descrito ali [nos prontuários]", explicou, sobre os registros de 671 hospitais, em seis continentes, totalizando 96 mil pacientes com teste positivo para o coronavírus, de dezembro a abril.

Caramelli relatou sua experiência com a covid-19. "Sou médico, mas na hora do vamos ver, chamei um médico. Na verdade, três. O meu teste no swab tinha dado negativo, existem falsos negativos, mas depois de uns dias começou febre, inapetência enorme - perdi 3 kg em uma semana -, muito cansaço. Minha taxa de oxigenação caiu e um exame mostrou pneumonia nos dois pulmões", contou ele. O médico pôde ser monitorado de casa e, depois de cerca de seis dias, tomando antibiótico e dipirona, os sintomas melhoraram.