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Brasileiros em isolamento em Orlando (EUA): Dinheiro a gente faz, saúde não

Sem Mickey, nem Pateta: parques da Disney estão fechados desde o meio de março. Imagem aérea mostra Magic Kingdom completamente vazio - Alex Menendez/Getty Images
Sem Mickey, nem Pateta: parques da Disney estão fechados desde o meio de março. Imagem aérea mostra Magic Kingdom completamente vazio
Imagem: Alex Menendez/Getty Images

Bárbara Paludeti

Do VivaBem, em São Paulo

15/04/2020 04h00

Pense em um lugar que tem castelos, princesas e animais que falam. Ele também tem muita magia, diversão e fogos de artifício todo dia. E alegria, claro. Gente do mundo todo viaja até Orlando, na Flórida (EUA), para ficar mais perto dessa realidade fantástica que os parques temáticos proporcionam.

É uma região que vive, basicamente, do turismo. Parques, lojas, restaurantes e tudo que envolve esse universo movem a economia local. Orlando e arredores também é a casa de muitos brasileiros que abriram negócios focados no público que todos os anos enche os parques.

Agora, imagine esse lugar mágico sem turistas, sem personagens falantes, sem gente entrando e saindo das lojas e restaurantes o tempo todo. Por conta da pandemia do novo coronavírus (Sars-COV-2), os parques temáticos da Disney na Flórida estão fechados desde o dia 15 de março —e sem data prevista para reabertura. Os parques da Universal Studios também estão fechados, pelo menos, até dia 31 de maio.

Como deve ser ficar em isolamento social nesse lugar? Pior que aqui? VivaBem conversou com quatro brasileiros que moram em Orlando para entender a quantas anda o distanciamento social por lá.

O começo da preocupação

Renata Rabello - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Renata Rabello: "Psicologicamente, o isolamento está uma zona"
Imagem: Arquivo pessoal

Renata Rabello, 42, mora em Orlando há 4,5 anos. Ela é dona de um restaurante temático dos anos 50 localizado em uma área turística, o Retro Station, também faz Airbnb para turistas em quartos de sua casa e, além disso, trabalha como atendente em um restaurante dentro de Disney Springs, um conjunto de lojas e restaurante. Em resumo: vive completamente do turismo.

Ela conta que começou a receber informação de amigos que moram na Europa e contavam como estava a pandemia naquele continente. "Quando chegou em Nova York, eu e o Giuliano [marido de Renata] já ficamos apreensivos e começamos a nos preparar: fazer menos compras para o restaurante e ficar mais cautelosos", explica.

Rafaela Cabede, 40, também dona de um restaurante, o Mrs Potato, esse mais voltado ao público local, começou a fazer mudanças no meio de março. "Temos uma área aberta, nós oferecíamos para as pessoas sentarem lá, por ser mais arejado, e elas negavam. Eu só pensava: 'em que planeta esse povo está?'", conta. "Aqui é EUA e tal, mas a falta de conscientização é impressionante. As pessoas só ficam em casa se forem obrigadas pelas autoridades."

E a magia toda?

Questionados sobre o clima na região, os entrevistados garantem que há mais carros na rua do que imaginaram, mas que é muito estranho ver os parques fechados.

"Dá aquele sentimento de tristeza em ver toda a alegria que já envolveu esse lugar, que foi um dos motivos que fez eu migrar para cá, escolher Orlando como a minha cidade. Eu moro bem perto dos parques da Universal, ando na International Drive [importante avenida da cidade], e não consigo ver aquela magia, aquela potência do entretenimento que é Orlando", descreve Renan Martins, 32, também dono de um restaurante, o Sfiha's, e que mora lá há seis anos.

Aline Rezener - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aline Rezener: "Não é hora de ter medo, o medo cega as pessoas do racional"
Imagem: Arquivo pessoal
Além do entretenimento dos parques, Orlando também é famosa por ser uma meca de consumo, com seus enormes outlets e shoppings. "Você passar na frente de um McDonald's e vê-lo fechado é impressionante", comenta Aline Rezener, 34. Ela mora em Orlando há 5,5 anos e é produtora de conteúdo sobre turismo no canal e blog Malucas e Piradas (inclusive foi o blog que a ajudou a encarar uma depressão, já contamos aqui em VivaBem a sua história) e também dona de uma agência, a One9 Trip.

"International Drive às moscas, Disney às moscas. Dá dó de ver", afirma Rafaela. "Quando eu vou para a rua, parece época que tem furacão", descreve Renata.

Parque da Disney fechado em Orlando - Alex Menendez/Getty Images - Alex Menendez/Getty Images
Magic Kingdom, parque da Disney em Orlando, com estacionamento e brinquedos vazios
Imagem: Alex Menendez/Getty Images

Sanidade no isolamento

Se para nós, que estamos no nosso país, temos família e amigos por perto (mesmo que só por chamadas de vídeo) para apoiar nas eventualidades e um sistema de saúde público, o SUS (Sistema Único de Saúde), que nos garante atendimento sem convênio, já causa ansiedade toda a situação do distanciamento social, para eles não é diferente.

"Para mim, o isolamento está sendo bem difícil. Eu sou grupo de risco, tenho síndrome de Hashimoto [nessa doença, o sistema imunológico ataca a tireoide]. Além de cuidar das coisas do restaurante remotamente, tenho uma filha de 6 anos e agora tem escola online, então tenho que me virar também para ser professora", conta Rafaela.

Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, pacientes com doenças tireoidianas não fazem parte do grupo de risco, mesmo se a causa do transtorno for de natureza autoimune, como a tireoidite de Hashimoto e a doença de Graves. Somente se essas condições estiverem descompensadas ou não tratadas é que deve-se procurar um médico.

"Estou apavorada. Como tenho essa pré-condição, fico com medo, muito medo. Medo de morrer. Medo disso chegar aqui da forma como chegou em Nova York. É ansiedade sem fim por não saber quando vai acabar", completa.

Renan Martins - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Renan Martins: "É melhor parar um pouco do que parar para sempre"
Imagem: Arquivo pessoal

Renan também fala do medo de ficar doente. "Como estou na rua o dia todo por necessidade, chego em casa e estou sempre preocupado em fazer a assepsia direitinho. Tenho uma esposa que é cardíaca e a gente não tem mais nenhum tipo de contato. Tenho uma bebê de 2,5 meses e penso em como seria a vida dela se a gente fosse embora pela doença."

"Psicologicamente, o isolamento está uma zona. Com altos e baixos, e muita preocupação com a parte econômica. Mas está divertido, como estou com hóspedes [no Airbnb], a gente se encontra, bebe, zoa, faz festa na piscina, mas quando a gente entra no quarto, aí é só preocupação mesmo", conta Renata.

A blogueira Aline vai na contramão e diz não sentir medo. "O que tem que acontecer, tem que acontecer. Nas pouquíssimas vezes em que precisamos sair, a gente fica na loucura do álcool gel, não passa a mão no rosto, em boca, olho, nada. Não é hora de ter medo, o medo cega as pessoas do racional, precisamos nos manter sãos."

"Vamos arcar com os problemas psicológicos logo, logo", completa a empresária Renata.

Economia do turismo: dá para ter otimismo?

Assim como boa parte da população que mora em Orlando, os entrevistados da reportagem dependem do turismo para viver, e foram questionados: dá para ser otimista?

"A gente quer garantir que não está ajudando a espalhar, isso é mais tranquilo. A gente está desesperado com a parte econômica? A gente está, mas dinheiro a gente faz, a gente limpa casa... Quando tudo isso passar, a gente resolve, mas a gente não faz a saúde", afirma Renata, que fechou completamente seu restaurante. "A gente prefere o risco econômico."

"É desesperador ver sua comunidade passando necessidade. A gente não sabe o que vai acontecer. A gente sabe que é preciso ficar em casa, que é necessário, mas sabemos também que a doença da quebra da economia vai fazer muitas vítimas, é desolador, é desesperador", diz Rafaela, que continua atendendo via delivery. "Não tem como ser otimista. A gente ora pelo melhor, mas se prepara para o pior."

Rafaela Cabede - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rafaela Cabede: "Medo de morrer. É ansiedade sem fim por não saber quando vai acabar"
Imagem: Arquivo pessoal

Já Renan, que também segue atendendo via delivery, classifica o atual momento como um mal necessário. "É melhor parar um pouco do que parar para sempre. Tive que me reinventar como restaurante, como loja, fortalecer meu serviço. Tenho um negócio que está saudável, mas tenho medo do amanhã pela incerteza."

Aline entende a situação, concorda com as limitações de deslocamento e faz um apelo: "A gente está torcendo muito para que tudo volte ao normal o quanto antes. A única certeza que temos é que tudo isso vai passar. Estamos aconselhando que as pessoas remarquem as viagens para o segundo semestre."

Trump sobre o isolamento

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já foi contra o isolamento, depois começou a preocupar-se mais e pedir para as pessoas ficarem em casa e, na segunda-feira (13), voltou a questioná-lo.

Ele afirmou ter "autoridade total" para reabrir partes do país durante o surto de coronavírus. "Quando alguém é presidente dos Estados Unidos, sua autoridade é total", declarou.

O presidente norte-americano ainda rebateu as críticas ao seu posicionamento no combate à pandemia. "Tudo o que fizemos foi certo", disse Trump, que já afirmou mais de uma vez que os EUA deveriam afrouxar o isolamento social durante a pandemia.

Casos nos Estados Unidos

Até ontem (14), os EUA tinham mais de 582 mil casos confirmados de coronavírus, sendo o país mais afetado pela pandemia, segundo dados do Johns Hopkins. Para se ter uma ideia, o segundo país com mais casos, a Espanha, tem mais de 172 mil casos.

Já morreram mais de 24 mil pessoas em território norte-americano, ao passo que mais de 44 mil se recuperaram da doença.

A Flórida é o 8º estado mais afetado nos EUA, com mais de 22 mil casos e 500 mortes. O primeiro estado mais afetado é Nova York, com mais de 196 mil casos e mais de 10 mil mortos.

Medidas tomadas pela Disney

O Walt Disney World vai dar licença temporária não remunerada para 43 mil funcionários a partir de 19 de abril devido à pandemia. Benefícios como plano odontológico e médico serão mantidos.

"Esta é uma decisão de que o sindicato não gosta, no entanto, é direito da empresa dispensar funcionários nessa situação", afirmou Eric Clinton, presidente da Unite Here Union, sindicato que representa os funcionários do parque.

"Esses acordos proporcionam um retorno mais fácil ao trabalho quando nossa comunidade se recuperar do impacto da covid-19. Somos gratos por termos trabalhado juntos de boa fé para ajudar nosso elenco e membros a enfrentar esses tempos sem precedentes", diz a declaração da Disney. Cerca de 200 funcionários continuarão trabalhando em "tarefas essenciais" durante a paralisação.

Até tudo voltar ao normal e a magia retornar àquela região, fiquem em casa.