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Evolução da covid-19 assusta chefe de UTI em PE: "Nada a fazer pelo doente"

Fachada do Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco, no Recife - Divulgação
Fachada do Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco, no Recife Imagem: Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para VivaBem, em Maceió

10/04/2020 04h00

O médico intensivista Frederico Jorge Ribeiro atua há 30 anos na área e se vê diante do maior desafio de sua carreira: lidar com um vírus novo —o coronavírus, causador da covid-19—, sem qualquer remédio contra ele e de alta taxa de ocupação e letalidade nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva)

Ribeiro é coordenador de UTI do HSE (Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco), no Recife, que está recebendo pacientes com a covid-19. Os seis leitos hoje estão ocupados. Pernambuco, por sinal, tem registrado a maior letalidade de mortes por covid-19.

A VivaBem, o médico conta detalhes surpreendentes dos bastidores do tratamento da doença, como comportamento (algumas vezes de fuga) das equipes na linha de frente, da angústia de ver mortes (quatro em seus leitos de UTI) e compara a situação de medo de infecção com o vírus HIV no final dos anos 1980.

Ribeiro ainda revela a angústia em ver o paciente se agravar na sua frente sem ter o que fazer --mesmo
usando a cloroquina. Leia abaixo o relato completo do médico:

"Primeiro, tem que retroceder. Já existia uma ansiedade, um certo frisson das pessoas para saber sobre como atender esse tipo de paciente. A gente vinha se preparando, era informação para tudo que era lado para saber exatamente como se proteger disso. O primeiro grande desafio foi saber qual era a informação real e qual acreditar para seguir.

Depois aqui veio o preparo do espaço, e foi um problema, ficou uma coisa meio atabalhoada por questões de estrutura do hospital. Mas depois de muito sacrifício, conseguiu-se estruturar um espaço, porque precisa de uma série de detalhes: a entrada tem de ser por um canto, a saída por outro; tem os EPIs [equipamentos de proteção individual] que vão ser utilizados, tem de fazer a preparação dos protocolos de atendimento para saber quando entrar em ventilação mecânica, que não pode ter spray dentro da UTI. Ou seja, muda praticamente toda a rotina.

Chegada dos primeiros pacientes

Foram vários pacientes que chegaram. Notei no início que as pessoas eram levadas para a UTI, mas não se enquadravam nesse perfil. Foi outro fenômeno que a gente viu: as pessoas ficaram nervosas, ansiosas: chegava qualquer coisa que lembrasse covid-19, mandavam transferir para a UTI correndo. Tanto que, no início, quando a gente fazia exame, era influenza —que tem quadro clínico bem parecido— ou era outra coisa.

Depois, sim, apareceu o primeiro caso. Aí esse caiu a nossa ficha, falamos: pronto, começou!

E aí começaram a chegar os pacientes de forma rápida e hoje, dos seis leitos de UTI que temos reservados, cinco já são covid-19. O que não é a gente está tentando transferir. Hoje temos 26 leitos de UTI ao todo aqui, seis para covid-19, mas a gente vai abrir mais 10 agora num ajuste que estamos fazendo.

Comportamento das equipes

Tem todo um comportamento da equipe de saúde do lado: muita ansiedade; muita gente se dedicando ao trabalho, cansado; e muitos profissionais se afastando, alguns por problemas de saúde ou porque não estão preparados psicologicamente para enfrentar isso. Aí chega com discurso que tem filho em casa, que tem medo de passar, e por aí vai.

Eu vivi isso quando fiz residência em 1988 e 1989. Era o auge da Aids e era muito parecido: as pessoas tinham medo de chegar junto dos pacientes. Depois disso viu-se que não era esse contágio todo, mas até descobrir isso, foi assim.

No geral, diria que minha equipe está comprometida, mas tem sempre aqueles que têm medo, ansiedade; alguns entram em depressão. O medo de pegar a doença é grande, eles sabem que 30% das equipes da saúde pegam essa doença, segundo dados da China e da Itália. Isso mete muito medo nas pessoas.

Teve um médica se afastou com covid-19 por 15 dias, mostrando que a contagiosidade da doença é alta, mesmo usando máscara, óculos, todo o EPI. A gente está tentando buscar pessoas para compor as equipes, mas está difícil por causa desse receio, e também porque o mercado está aquecido, abrindo muita UTI, pagando bem o pessoal.

Evolução rápida do coronavírus

A gente acompanhou os primeiros casos, a história típica é aquela: primeiro começa com tosse, uma gripe, aí faz um raio-X e você vê alguma coisa descrita já na literatura. Mas quando repete esse raio-X 12 horas, 24 horas depois, o pulmão já está totalmente tomado pela pneumonia. É impressionante a evolução porque é muito rápida. A grande maioria dos pacientes são intubados, todos aqui hoje estão. É um problema.

Contra o coronavírus não tem tratamento, não tem um remédio. A evolução é assim: a gente vai manter o doente vivo!

Cai pressão, dá remédio para pressão; cai taxa de oxigenação, aumenta a taxa no respirador.

E a gente seda para ele não sofrer e se adaptar melhor ao aparelhos, e vai levando, esperando que o sistema imunológico do corpo reaja contra o vírus e seja eliminado. É assim que a gente está trabalhando. É uma briga que você entra meio que vendido nela, não tem antiviral, não tem antibacteriano, não tem nada.

Vou dar um paralelo: chega um doente com pneumonia causada por bactéria, você vai dar o suporte, dar o antibiótico, põe no respirador, e o remédio vai dando uma resposta, o paciente vai evoluindo e depois a gente tira do respirador.

No caso da covid-19, não. Você não tem nada a fazer pelo doente. Por isso que está essa agonia toda de cloroquina, atrás dessas coisas. Agora está assim: você vê o doente piorando na sua frente, bota no respirador e pronto. Ou seja, você trabalha na redução de danos, torcendo que a doença regrida. É angustiante para o profissionais de saúde, porque você fica meio impotente em relação a isso, esperando só que o organismo reaja. Você faz o melhor, mas sem saber se aquilo vai funcionar.

Primeira morte

Para mim, foi assim: opa, a coisa não vai andar bem. Já perdemos quatro até agora.

Todos os internados hoje são maiores de 60 anos, todos têm comorbidade; os dados batem certinho com o que foi visto no mundo.

Uso da cloroquina

O HSE elaborou um protocolo para utilização de cloroquina, estamos usando. Mas até agora não teve nenhuma resposta, não sei se é porque eram pacientes que estavam graves demais.

Eu tenho uma opinião, um achismo meu, na verdade, que essas drogas podem funcionar se você der precocemente, antes de ir à UTI, àquele doente com tosse, febre, cansaço antes de precisar de terapia intensiva.

Acho que esses poderiam se beneficiar dessa terapêutica, mas falta comprovação científica.

E aí tem outro fenômeno: começam a aparecer as 'curas milagrosas'. Já apareceu trabalho com antiparasitário, apareceu com antiviral, agora já estão querendo fazer a filtragem do soro de pessoas curadas para extrair os anticorpos e injetar no paciente.

Todas essas propostas vêm ao reboque do desespero, daquela situação que disse de botar o paciente na UTI e não ter o que fazer. Se esses remédios vão funcionar ou não, só o tempo vai dizer."