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É possível aprender coisas novas já idoso? Preciso estimular meu cérebro?

O cérebro deve ser entendido como um músculo, que vai enferrujando e perdendo sua funcionalidade, caso não seja exercitado - Matthew Horwood/Colaborador Getty Images
O cérebro deve ser entendido como um músculo, que vai enferrujando e perdendo sua funcionalidade, caso não seja exercitado Imagem: Matthew Horwood/Colaborador Getty Images

Letícia Simionato

Colaboração para VivaBem

17/11/2021 04h00

Além de fazer atividade física para manter o corpo em forma, o cérebro também precisa estar sempre em "movimento". De acordo com especialistas, o órgão deve ser entendido como um músculo, que vai enferrujando e perdendo sua funcionalidade, caso não seja exercitado.

"Ficar muito na zona de conforto não é bom. O maior veneno para a saúde se chama preguiça, tanto para a mente quanto para o físico. Tem que pensar no cérebro como se fosse um músculo, o raciocínio é o mesmo: se você não usa, tem uma chance maior de atrofiar," afirma Paulo Camiz, geriatra e professor de clínica geral do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Para ajudar a driblar esse destino cruel, uma opção é a ginástica para o cérebro, que consiste em exercícios mentais capazes de fortalecer a capacidade cognitiva. Eles podem ser praticados em qualquer idade, entretanto, com a velhice, dedicar um tempo maior para essas atividades se torna ainda mais fundamental.

"Com os avanços da neurociência, estão surgindo inúmeros recursos para manter o cérebro ativo e jovem. A ginástica cerebral é um deles e tem resultados concretos na vida de quem a pratica, pois estimula as conexões neurais, gerando maior capacidade de memória, concentração, agilidade de raciocínio e coordenação motora", explica a neurocientista Lívia Ciacci da SUPERA — a primeira rede de escolas de ginástica para o cérebro da América Latina.

Saiba mais sobre ginástica cerebral

O que acontece com o cérebro quando se aprende algo novo, como um idioma?

Ao aprender uma atividade nova, o cérebro estabelece novas conexões neurais, o que permite interligar diferentes áreas. É como se fosse uma musculação: quanto mais ele é estimulado, mais conexões surgem. Essas conexões formam uma circuitaria cerebral, semelhante a uma floresta. Quanto mais densa é essa circuitaria —formada por informações novas— maior será a reserva cognitiva.

"Podemos entender isso na prática observando uma pessoa que teve intensa atividade intelectual ao longo da vida (escritores, advogados, juízes...). Por conta do ofício, essas pessoas tiveram um contato muito intenso com leituras e atividades desafiadoras. O resultado é um envelhecer com uma capacidade intelectual preservada e excelente memória, na maioria dos casos", explica Livia Ciacci, neurocientista.

É possível aprender coisas novas já idoso?

Sim. O aprendizado do cérebro permanece durante toda a vida, respeitando-se, obviamente, a capacidade cognitiva de cada idade. O jovem aprende em uma velocidade mais rápida. Já os idosos têm mais dificuldade, levam mais tempo.

"Existe um conceito científico de neuroplasticidade, que mostra que todo cérebro —desde que não tenha comprometimento como em casos de paralisia cerebral, por exemplo— pode se modificar. Estimular o cérebro com atividades novas, variadas e cada vez mais desafiadoras ajuda ele a se desenvolver e manter habilidades, mesmo na terceira idade", explica Ciacci.

Dessa forma, aprender algo novo durante o envelhecimento é extremamente útil, pois acaba melhorando a qualidade de vida até muito mais do que quando a pessoa deixa para aprender tudo quando é jovem e depois não se esforça mais.

"O pico de massa neuronal acontece aos 20 e poucos anos. Depois, não se ganha mais neurônios, mas consegue-se estimular a manutenção, fazendo novas vias de conexão e criando novos mecanismos para eles se comunicarem. Então, na verdade, você deve alimentar a rede neuronal que já está lá. Na velhice, se você não se esforçar para polir essas conexões, você vai perdendo", afirma Natan Chehter, geriatra da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

O que acontece com o cérebro se deixo de aprender conforme envelheço?

A capacidade cognitiva do cérebro diminui progressivamente com a idade. É o processo normal de envelhecimento, que varia de pessoa para pessoa: em algumas é mais rápido do que em outras. Pode-se explicar isso por meio do conceito de reserva cognitiva, que é como uma poupança que, inevitavelmente, perdemos ao longo da vida. Por isso o cérebro precisa ser estimulado em diferentes faixas etárias.

O estímulo neural contínuo permite que esse declínio aconteça de forma mais lenta. Portanto, deixar de aprender coisas novas por causa da idade significa acomodar o cérebro e deixá-lo à deriva, sujeito a esquecimentos frequentes, limitações nas atividades diárias e alterações das funções cognitivas (atenção, concentração, memória, linguagem e percepção).

Aprender coisas novas previne doenças, como o Alzheimer?

As conexões neurais criadas com os aprendizados retardam processos neurodegenerativos, como o Alzheimer. Uma vez que a pessoa passa a estimular seu cérebro e dar mais atenção à sua capacidade cognitiva ainda na vida adulta, é possível postergar o aparecimento dos primeiros sintomas da doença.

Dessa forma, é imprescindível estimular o cérebro ao longo de toda a vida a fim de adquirir um patrimônio de conhecimento, uma reserva cognitiva.

É normal esquecer coisas com a idade?

É normal que com a idade haja um declínio cognitivo levando a esquecimentos frequentes, faz parte do envelhecimento. Esse processo acontece com todo mundo, já que o cérebro pode começar a ter perdas cognitivas aos 30 anos. À medida que ele envelhece, os circuitos ficam menos estáveis, e o hipocampo (região responsável pelas memórias) fica menos eficiente.

O envelhecimento cognitivo normal, independente de qualquer doença, já inclui algumas alterações, principalmente na velocidade de processamento de algumas informações. Elas demoram mais para chegar, então, as pessoas lembram, mas demoram um pouco mais de tempo. Isso não prejudica de forma essencial as atividades cotidianas e não traz grandes prejuízos.

No entanto, é importante avaliar se esse esquecimento pode ser patológico: o conteúdo que está sendo esquecido é relevante? (informações remotas, como o nome do ator de uma novela que assistiu em mil novecentos e alguma coisa não é um dado muito importante, por exemplo); a frequência desses episódios e os distratores (privação de sono, atenção dividida, situações de estresse, realização de múltiplas tarefas, ansiedade e depressão). Após a avaliação, é possível identificar se é um processo natural ou se há necessidade de investigação.

Homem negro idoso, demência, esquecimento - FG Trade/iStock - FG Trade/iStock
Imagem: FG Trade/iStock

Como posso exercitar meu cérebro diariamente?

Para turbinar o cérebro, a grande dica é evitar rotinas e situações que coloquem ele no piloto automático. O ideal é esforçar-se e encarar novos desafios diariamente. Aprender a tocar um instrumento, estudar, ir ao cinema, fazer amigos, participar de discussões e escrever são exemplos de atividades que ativam os neurônios e restabelecem as conexões entre eles. Há várias maneiras de estimular o cérebro no dia a dia, como:

  • Ler livros: estimula a memória, melhora a capacidade cognitiva, desenvolve a inteligência ao expor os leitores a experiências de personagens;
  • Palavras cruzadas, caça-palavras e jogos de tabuleiro: estimulam a memória e a atenção;
  • Novos idiomas: estimulam a memória e a atenção;
  • Novas habilidades (jardinagem, cozinhar, tocar um instrumento etc.): estimula tanto a parte cognitiva, quanto a memória motora;
  • Viajar: expõe o indivíduo a novas situações e culturas, consequentemente a novos estímulos, enriquecendo o repertório mental;
  • Dança: estimula a memória cognitiva e a memória motora;
  • Ábaco: auxilia a ter mais concentração ao realizar atividades diárias, além de potencializar a memória e a velocidade de raciocínio.

Além disso, existem as atividades neuróbicas, que são como aeróbicas para os neurônios que tiram o cérebro da zona de conforto:

  • Todo dia procure observar um objeto ou pessoa e desenhe suas principais características. No fim de semana, procure recordar as figuras;

  • Procure identificar ingredientes dos alimentos pelo gosto e pelo cheiro;

  • Memorize os preços das coisas sempre que possível e procure recordá-los mais tarde;

  • Procure identificar as pessoas pela voz ao usar o telefone;

  • Memorize números de telefones;

  • Memorize no fim do dia as pessoas com quem falou. Depois, procure lembrar-se por toda a semana;

  • Utilize sempre anotações para consultas posteriores.

Com que idade devo começar a me preocupar em fazer esses exercícios?

Quanto mais cedo começar, mais fácil será para desenvolver novas conexões neurais. Crianças com seis anos ou alfabetizadas já podem iniciar a ginástica para o cérebro. Nesta faixa etária, os exercícios impactam diretamente na capacidade da criança de assimilar os conteúdos escolares, oferecendo mais raciocínio, concentração e memória, o que facilita a aprendizagem.

Essas atividades devem ser feitas em grupo? Como familiares podem ajudar?

As atividades podem ser feitas em grupo ou individualmente, mas, em grupos, há trocas de experiências, gerando mais estímulos, que podem levar a uma melhor assimilação pelo cérebro. A experiência do outro enriquece ainda mais a experiência individual. Além disso, tem o benefício emocional. Muitos idosos sofrem com o isolamento, que foi acentuado com a pandemia.

Se for em família, melhor ainda, tanto por estreitar os laços quanto para os membros se estimularem mutuamente. Os familiares podem contribuir propondo atividades que tirem o cérebro da zona de conforto, como incluir jogos de tabuleiro em momentos de descontração e fazer brincadeiras: pedir para a pessoa falar objetos com a inicial do nome, por exemplo.

Onde posso pedir ajuda para começar com esses exercícios?

A melhor maneira de começar é procurar ajuda profissional para orientar cada passo a ser dado. Essa ajuda não é exclusivamente médica, mas multiprofissional, já que envolve neurologistas, psicólogos, neuropsicólogos, pedagogos e psicopedagogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e educadores físicos. Não sabe por onde começar? Procure um neurologista e ele fará a avaliação médica e orientará a encontrar um profissional conforme a necessidade individual.

Ginástica para o cérebro

Essa reportagem faz parte da campanha de VivaBem Ginástica Para O Cérebro, que quer ressaltar a importância de estimular a mente para garantir uma velhice lúcida e saudável.

Os conteúdos abordam os benefícios de malhar o cérebro em todas as idades, dá ideias e dicas do que pode ser feito, tira dúvidas e explica todo o funcionamento desse importante órgão do corpo ao longo dos anos. Mas tem muito mais. Confira todo o conteúdo da campanha aqui.

Essa é a quarta campanha de uma série de VivaBem que tem trazido conteúdos temáticos para auxiliar no combate a problemas que muitas pessoas enfrentam no dia a dia e contribuir para que você tenha mais saúde e bem-estar.

A primeira foi Supere a Depressão Pós-Parto, realizada em março; a segunda foi Tenha Uma Boca Saudável, em junho; e a terceira, Exercício É Remédio, em setembro.

Fontes:

Sérgio Leonardo Viana Fernandes, médico neurocirurgião pela UFPI (Universidade Federal do Piauí), com fellow no Arkansas Neuroscience Institute (EUA), atende na AmorSaúde, rede de clínicas parceira do Cartão de Todos, em Teresina; Livia Ciacci, neurocientista na Supera - Ginástica para o cérebro; Natan Chehter, geriatra da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo; Mirella Lemos, terapeuta ocupacional do Hospital Universitário Lauro Wanderley da UFPB (Universidade Federal da Paraíba); Ana Carolina Dantas, terapeuta ocupacional do Hospital Universitário Lauro Wanderley; Erika Carla Cavalcanti Gomes, terapeuta ocupacional do Hospital Universitário Lauro Wanderley; e Paulo Camiz, geriatra e professor de clínica geral do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).