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Rico Vasconcelos

REPORTAGEM

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Medicamento pode reduzir infartos e AVCs em pessoas que vivem com HIV

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

21/04/2023 04h00

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Nos primeiros anos da epidemia de HIV, receber o diagnóstico dessa infecção quase sempre significava um longo processo de adoecimento pela frente. Nessa época, os esforços da ciência se concentraram no desenvolvimento de alguma intervenção que cessasse a avassaladora capacidade da Aids em matar.

A partir do final da década de 1990, com o desenvolvimento do tratamento antirretroviral, tornou-se possível interromper a evolução natural da doença e fazer com que uma pessoa infectada passasse toda a sua vida apenas vivendo saudável com o HIV, sem nunca desenvolver a Aids.

Conforme o acesso à terapia antirretroviral se ampliou ao redor do mundo, primeiro testemunhamos a queda abrupta nas mortes em decorrência da Aids. Depois, entretanto, aprendemos que entre as pessoas que vivem com HIV em tratamento adequado, alguns eventos cardiovasculares, tais como infartos do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (AVCs), aconteciam de maneira um pouco mais frequente do que na população geral.

Além dos fatores de risco clássicos para esses eventos cardiovasculares, como tabagismo, sedentarismo, diabetes, hipertensão e colesterol alto, com o tempo ficou evidente para os epidemiologistas que a infecção por HIV também parecia estar associada à maior ocorrência desses desfechos.

A explicação mais aceita no meio científico para esse fenômeno considera que a infecção por HIV pode provocar o aumento persistente da inflamação no corpo de uma pessoa infectada. Essa inflamação até se reduz depois do início do tratamento antirretroviral, mas nem sempre volta ao seu basal. É essa inflamação crônica que pode levar a uma série de desfechos de saúde desfavoráveis, como por exemplo os eventos cardiovasculares.

Essa teoria fez com que os pesquisadores compreendessem que o tratamento antirretroviral era sem dúvidas fundamental para interromper a progressão da infecção por HIV para a Aids, mas era necessária também alguma intervenção que reduzisse o risco cardiovascular das pessoas que viviam com HIV.

Com isso na cabeça, o estudo Reprieve foi idealizado para testar para esse papel a pitavastatina, um medicamento da classe das estatinas que, além do seu efeito redutor de colesterol, tem também um efeito anti-inflamatório.

Iniciado em 2015, o Reprieve recrutou globalmente 7.769 participantes homens e mulheres com idade entre 40 e 75 anos, todos eles vivendo com HIV em terapia antirretroviral adequada e sem indicação de uso de estatinas devido ao colesterol aumentado, para receberem diariamente um comprimido de pitavastatina ou de placebo.

Após incluídos, os participantes foram acompanhados em visitas periódicas com registro de eventos cardiovasculares e efeitos colaterais.

Na semana passada, após a análise intermediária dos dados do estudo, um comitê científico independente recomendou a sua interrupção, pois no braço sorteado para receber a estatina ocorreram 35% menos eventos cardiovasculares do que no braço sorteado para receber placebo.

O resultado foi recebido com entusiasmo pela comunidade científica internacional, pois, pela primeira vez, uma intervenção medicamentosa conseguiu reduzir de forma significativa o risco cardiovascular de pessoas vivendo com HIV em tratamento antirretroviral.

Os dados completos e os detalhes do estudo devem ser publicados nas próximas semanas e, a partir daí, poderemos começar a delinear de que forma poderemos incorporar os aprendizados do estudo Reprieve à prática clínica e ao cuidado individual dos pacientes que vivem com HIV.

Desde já penso que devemos comemorar mais esse avanço da pesquisa científica do HIV/Aids, mas não podemos jamais esquecer que a adoção de um estilo de vida saudável com alimentação adequada, cessação do tabagismo e atividade física regular também pode trazer benefícios de saúde com a redução dos riscos cardiovasculares.

Aprimorando o cuidado do HIV/Aids, poderemos oferecer cada dia mais saúde e qualidade de vida para as pessoas que vivem com esse vírus.