Topo

Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como aumentar o interesse e o uso da PrEP entre mulheres?

iStock
Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

14/04/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O HIV se distribui de diferentes maneiras ao redor do planeta. No Brasil, assim como em muitos países das Américas e da Europa, essa epidemia se concentra na população gay e trans. No Leste Europeu, os casos crescem entre usuários de drogas injetáveis. Já na África Subsaariana, as maiores prevalências são encontradas entre mulheres cisgênero heterossexuais.

Esses padrões de distribuição são influenciados por diversos fatores, incluindo os sociais, culturais e biológicos. O acesso à testagem, prevenção e tratamento do HIV, no entanto, é um dos que mais pode determinar o futuro dessa epidemia em uma região.

Ao longo da última década, com o desenvolvimento da PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) ao HIV, um potente método de prevenção que envolve a tomada de medicamentos antirretrovirais que reduzem em mais de 99% o risco de transmissão do HIV, a esperança de um dia controlarmos a epidemia de HIV começou a se tornar realidade.

Com o passar dos anos, no entanto, o crescimento do interesse e do uso da PrEP foi desproporcionalmente maior entre homens gays do que em qualquer outro subgrupo populacional afetado pela epidemia de HIV/Aids.

No Brasil, por exemplo, segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 83% dos 58.122 usuários atualmente em PrEP são homens gays. As mulheres cisgênero correspondem a 5,5% e as trans, a 3,6%.

O resultado desse acesso heterogêneo à PrEP já começa a ficar evidente. Em São Paulo, município onde estão 26% dos usuários de PrEP de todo o país, de acordo com o último Boletim Epidemiológico de HIV/Aids, a queda na taxa de detecção de novos casos entre homens desde 2016 foi maior entre homens (40%) do que em mulheres (33%). Em 2021, inclusive, os casos entre mulheres voltaram a crescer, enquanto em homens se mantiveram em tendência de queda.

Num primeiro momento, tal desproporção pode até parecer fazer sentido, já que homens gays são um dos grupos de alta prevalência de HIV no Brasil. Mas, se a tendência não mudar, dentro de alguns anos com a queda dos novos casos acontecendo apenas entre homens gays, somente as mulheres vão continuar se infectando com HIV.

Um fenômeno semelhante aconteceu recentemente no Reino Unido. Depois da implementação da PrEP direcionada para homens gays, pela primeira vez a maioria dos novos casos de HIV foi registrada em homens heterossexuais. Não porque os casos aumentaram nesse grupo, mas porque eles só caíram entre os gays.

Parte do desinteresse por PrEP de mulheres vem do desconhecimento desse método de prevenção, que entre gays é um assunto frequente nas rodinhas de amigos e grupos de Whatsapp.

Para tentar melhorar o desfalque feminino de informação, iniciativas como a realizada em uma pesquisa na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, têm gerado bons resultados. Lá, foi administrado um curso de capacitação em PrEP para os profissionais de um serviço de ginecologia e obstetrícia. Os resultados foram publicados recentemente na revista Sexually Transmitted Infections. Ao final do projeto, 97% dos profissionais participantes do curso se sentiam aptos em recomendar e prescrever PrEP para as suas pacientes.

No Brasil, além do desconhecimento, eu acrescentaria também como motivo pela baixa procura feminina por PrEP a equivocada e disseminada ideia de que HIV deve ser uma preocupação apenas de homens gays. Basta lembrar que somente em 2021 no Brasil, foram registrados em mulheres 10.630 novos casos de infecção por HIV e 3.622 óbitos decorrentes da Aids.

As mulheres cis e transexuais precisam ter o mesmo conhecimento e acesso à PrEP que os homens gays para que assim possam escolher dentre os métodos de prevenção aqueles que melhor se adaptam aos seus contextos de vida.

O controle da epidemia de HIV/Aids só será de fato alcançado se não ficar ninguém de fora das ações de saúde pública de testagem, prevenção e tratamento dessa infecção. Porque se algum grupo ficar, certamente será ele o próximo a concentrar os casos da doença.