Topo

Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Londres quer zerar os novos casos de HIV até 2030

johnkellerman/Getty Images
Imagem: johnkellerman/Getty Images

Colunista do UOL

07/04/2023 09h39

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Durante a década de 1980, no princípio da epidemia de HIV/Aids, era nas capitais e em grandes cidades que os casos da doença se concentravam. Nesses locais, além de haver maior densidade populacional, era por lá que chegavam os viajantes infectados vindos de outros países.

Em muitos países, o passar dos anos fez com que a epidemia se disseminasse pelas demais regiões, tornando-se mais homogênea, mas esse não foi o caso do Reino Unido. Em 2021, por exemplo, dos 2.955 novos casos registrados da doença em todo país, cerca de um terço foi apenas na cidade de Londres.

Apesar da concentração ainda evidente da epidemia, a capital inglesa vem sendo o palco de uma verdadeira revolução na prevenção do HIV, registrando na última década uma queda rápida e significativa em sua taxa de incidência da infecção.

Só para se ter uma ideia, desde 2012, o número de novos casos de infecção por HIV registrados anualmente na cidade caiu 67%, indo de 2.656 para apenas 883.

Tais resultados otimistas fizeram com que Sadiq Khan, o prefeito de Londres, anunciasse na última semana que a cidade será a primeira do seu porte no planeta a atingir a meta de eliminação da transmissão do HIV até o ano de 2030.

A meta a que Khan se refere foi estabelecida em 2018, na Declaração de Paris, uma carta de compromisso com a aceleração na resposta à epidemia de HIV proposta pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, a Unaids, e assinada por ele próprio, já que governa a cidade desde 2016.

Se os planos do prefeito derem certo, já em 2025 Londres terá reduzido a taxa de incidência em 80%, e em 2030 a cidade não terá nenhum novo caso de infecção por HIV registrado.

O plano, que para alguns pode parecer uma missão impossível, tem grandes chances de realmente se concretizar, dependendo apenas da continuidade e ampliação das ações previstas na Declaração de Paris e que já se encontram em prática em Londres.

A receita para todo esse sucesso, acredite, não é complexa, mas pode ser difícil de ser reproduzida em outras localidades. Ela envolve basicamente diagnosticar o máximo de pessoas infectadas com HIV e garantir a elas tratamento antirretroviral adequado; ampliar o acesso aos componentes da prevenção combinada (preservativo, PrEP, PEP e testagem para IST); e combater o estigma e a discriminação relacionados ao HIV e às minorias.

Aqui no Brasil, 42 cidades assumiram os mesmos compromissos da Declaração de Paris, mas apenas algumas localidades estão conseguindo facilitar o acesso à testagem, PrEP e PEP, fazendo com que a queda no registro das novas infecções por HIV e das mortes em decorrência da Aids ainda seja bastante heterogênea no país.

Enquanto aqui a ampliação do acesso a insumos, tecnologias e serviços pode muitas vezes ser dificultada por questões orçamentárias ou operacionais, quando nos comparamos com o Reino Unido testemunhamos no Brasil um cenário ainda pior, com avanço muitíssimo mais lento em relação ao estigma e à discriminação.

No meu entender, esse é o maior obstáculo para que o Brasil como um todo pegue a estrada de sucesso traçada pelo Reino Unido.

Desejo de verdade que Sadiq Khan esteja certo e que Londres atinja a eliminação da transmissão do HIV em 2030. Dessa maneira, teremos um estímulo e um exemplo concreto a ser seguido de como já é possível acabar com essa epidemia, basta que o conhecimento acumulado seja colocado em prática, substituindo o preconceito e a desinformação.