Topo

Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Casos de monkeypox se concentram em gays, e controle depende de todos

Brasil Escola
Imagem: Brasil Escola

Colunista do UOL

01/07/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Na semana do Dia do Orgulho LGBTQIA+, estamos próximos de completar 2 meses do início do maior surto de monkeypox vírus em humanos da história. Ele foi identificado em Londres, no Reino Unido, no início de maio e, desde então, já foram confirmados em todo o mundo mais de 4.700 casos da doença em cerca de 50 países.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, temos mais de 40 casos, entre confirmados e em investigação, já sendo registrada a transmissão comunitária do vírus, ou seja, a circulação do vírus entre indivíduos que não saíram do país.

Se no início do surto havia a impressão de que os casos de monkeypox se distribuíam de forma heterogênea na população, hoje temos a certeza de que a esmagadora maioria dos casos se concentra entre homens gays e bissexuais.

O Reino Unido, o primeiro país a coletar dados sobre o surto atual, divulgou recentemente os resultados de uma pesquisa que comprovam esse padrão de distribuição. Lá, as pessoas diagnosticadas com monkeypox foram convidadas a responder um questionário sobre informações clínicas, epidemiológicas e comportamentais.

Entre 26 de maio e 10 de junho, dos 152 pacientes que concordaram em responder à pesquisa, 151 se identificaram como homens gays ou bissexuais. E um indivíduo se recusou a dar informações sobre sua sexualidade. Nos demais países acometidos pelo surto, incluindo o Brasil, o padrão de disseminação não parece ser diferente.

Devido a toda a discriminação que a população LGBTQIA+ já sofreu e sofre, falar sobre esse tema costuma causar desde o incômodo até a revolta, sobretudo entre os mais politizados e ativistas. Mas devo deixar claro que relato aqui dados epidemiológicos e não opiniões.

Em outro estudo, que teve o seu pré-print publicado há duas semanas, pesquisadores da London School of Hygiene & Tropical Medicine utilizaram modelagens matemáticas para tentar compreender o fenômeno de rápida disseminação do monkeypox na população gay do Reino Unido. Com esse aprendizado, os pesquisadores poderiam fazer projeções para o futuro do crescimento do surto.

O modelo utilizado se baseou em dados de pesquisas recentes sobre estilo de vida e comportamento sexual da população britânica, concluindo que o crescimento acelerado dos casos na população gay poderia ser explicado pelas características dessa rede de interações sexuais.

Ainda que este grupo seja heterogêneo, a existência de parte dos indivíduos com elevado número de parcerias sexuais, bem como de troca de parcerias, seria suficiente para manter o caráter epidêmico e sustentado de crescimento dos casos. E para o futuro, se nada for feito para controlar o aumento de casos, o modelo aponta que o surto atual poderá chegar rapidamente nos 10 mil casos.

Quando o artigo fala de controle dos casos, não se refere ao controle do sexo ou à repressão da sexualidade dessas pessoas, mas de intervenções mais sofisticadas e eficientes. Semelhante ao que fizemos no controle da pandemia de covid-19, precisamos agora diagnosticar rapidamente, isolar os casos identificados, rastrear os seus contatos recentes e a imunizar as pessoas, começando pelos mais vulneráveis.

Uma vez que os sintomas da infecção por monkeypox podem se confundir com os de doenças comuns, nas próximas semanas é esperado que muitos casos desse surto no Brasil sejam abordados equivocadamente nos serviços de saúde como se fossem ISTs (infecções sexualmente transmissíveis). Assim, o retardo de um diagnóstico correto ajudará o vírus a se disseminar pelo país.

Ainda que o profissional da saúde suspeite de monkeypox, atualmente todo o processo de investigação e coleta de exames confirmatórios ainda se encontra lento e trabalhoso no Brasil. Infelizmente pude testemunhar isso, perdendo uma manhã da última semana tentando sem sucesso notificar um caso suspeito, uma vez que o site da Secretaria da Saúde do Município de São Paulo não funcionava.

Além disso, não se vê entre as autoridades de saúde pública no Brasil a intenção, como em outros países, de imunizar a população gay com a vacina contra a varíola humana, medida que pode proteger de forma significativa contra o monkeypox.

Ao invés de ficarmos discutindo o que poderia ou não reforçar estigmas, nesse momento devemos nos mobilizar e tomar a liderança para informar a população gay sobre prevenção e sintomas da doença, treinar os profissionais da saúde para suspeitarem desse diagnóstico, e exigir maior agilidade e disponibilidade de testes diagnósticos e vacinas.

Caso o cenário não mude, não precisaremos de modelagens matemáticas para prever que teremos ainda no Brasil muitos casos de monkeypox pela frente diagnosticados entre homens gays.

Não se trata de afirmar que alguém se infectou por ser gay, mas chamar a atenção dos homens gays para o fato de que eles estão mais vulneráveis a esse vírus. Se eles não se interessarem pela sua própria saúde, quem mais vai se interessar?