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Mariana Varella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Má comunicação dos governos impede o controle da covid

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

22/06/2022 04h00

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Quem estuda saúde pública sabe da importância de uma boa estratégia de comunicação para enfrentar surtos e epidemias. Sem compreender com clareza quais medidas deve adotar para reduzir os riscos individuais e coletivos em uma emergência sanitária, a população fica confusa e, muitas vezes, expõe a si e a comunidade a riscos evitáveis.

Além disso, quando as pessoas recebem informações atrapalhadas e contraditórias de autoridades sanitárias e políticas, tendem a perder algo fundamental em situações de emergência: a confiança.

A partir daí, é cada um por si. Em um país grande e desigual como o Brasil, isso significa que quem tem mais acesso a informações qualificadas e a recursos para reduzir seu risco individual terá mais chances de se proteger. Do ponto de vista coletivo, no entanto, a situação fica caótica.

O cenário também se torna propício à difusão de desinformação, que encontra terreno propício para propagar-se em meio à confusão e à falta de confiança nas autoridades.

Na semana passada, a revista Scientific American publicou um artigo do epidemiologista Thoai Ngo, que atualmente trabalha nos Estados Unidos. Nele, o autor critica a má comunicação feita por órgãos públicos de saúde e políticos no país norte-americano. A semelhança com o Brasil impressiona.

Para começar, o especialista afirma que hoje temos as ferramentas para mitigar, tratar e prevenir a covid-19, mas que o país norte-americano tropeçou ao implementá-las, muito devido à falta de clareza com que os responsáveis pela comunicação em saúde pública informaram a respeito do uso de máscaras, vacinas, testes e restrições de atividades.

No caso do Brasil, houve mais que "tropeços", sabemos. O atraso em adquirir as vacinas disponíveis, a insistência na imunidade coletiva, a relutância em aderir às medidas de restrição de circulação e até em recomendar medidas simples, como uso de máscara, prejudicaram o enfrentamento do país à pandemia e nos custaram milhares de vidas.

Assim, a população dos dois países não soube e ainda não entende bem como responder à pandemia, que agora entra em um novo estágio, com novas variantes e sublinhagens mais transmissíveis. O epidemiologista afirma que os Estados Unidos não estão preparados para enfrentar o risco de mutações mais letais e altamente contagiosas, caso surjam. Afirmo que o Brasil tampouco.

Exatamente porque esse risco existe, não podemos considerar que a pandemia acabou. Ainda há tempo e necessidade de organizarmos uma boa campanha de comunicação acerca dos riscos e das ferramentas disponíveis para enfrentá-los sem gerar pânico infundado.

Uma das causas para o resultado negativo no enfrentamento da pandemia foi, segundo o epidemiologista, a aposta apenas na vacinação. No Brasil, a situação foi ainda mais grave, pois além da demora em adquirir as vacinas já disponíveis em outros países, a campanha de vacinação foi muito mal comunicada.

Os brasileiros seguem confusos quanto ao número de doses necessárias para cada faixa etária, e estados e municípios tocam suas campanhas de forma pouco coordenada com o governo federal. Muitos também têm dúvida quanto aos benefícios da vacinação, embora eles sejam conhecidos.

Assim como nos EUA, houve disputas entre governos federal e estaduais e municipais quanto as restrições de circulação e o uso de máscaras. Essa discordância gerou desacertos: as pessoas ficaram sem saber quem, quando e onde era preciso utilizar a máscara.

Aqui como lá, autoridades deixaram de recomendar o uso de máscara em locais com número de hospitalizações baixo, mesmo diante do aumento recente de casos novos, que certamente está subestimado por conta da subnotificação e dos autotestes.

Aliás, os testes, ferramentas que podem ser importantes para orientar o isolamento de pessoas com o vírus, só passaram a ser mais acessíveis recentemente, e poucos sabem a diferença entre eles, quando utilizá-los e como interpretar os resultados.

Além disso, ninguém mais entende quando é preciso isolar-se após contrair o vírus, e por quanto tempo. Cinco dias? Uma semana? Dez dias? A contagem começa quando o teste dá positivo ou quando se iniciam os sintomas? É preciso testar-se antes de voltar às atividades diárias?

Para Ngo, é preciso traduzir o conhecimento acerca da covid em mensagens claras que mobilizem as pessoas a agirem coletivamente em direção ao "novo normal". Sem uma estratégia nacional de comunicação voltada para a saúde pública isso dificilmente será alcançado.

Uma boa comunicação precisa, também, incluir especialistas em saúde pública para traçar metas, estabelecer quais números são aceitáveis, entender quando suspender e quando retroceder às medidas de restrição, que sem dúvida são penosas para a população, e exatamente por isso precisam ser bem comunicadas, para que as pessoas compreendam os motivos para aderir a elas.

Pandemia é algo que atinge toda a sociedade, portanto deve ser enfrentada coletivamente. Contudo, isso é quase impossível sem medidas coordenadas e uma boa comunicação.