Lúcia Helena

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Reportagem

IA para medir diferenças de tamanho entre as pernas e desvios articulares

Aquela dor nas costas nem sempre tem a ver com problemas nas vértebras da coluna. E a gente pode dizer o mesmo quando o incômodo é sentido nos joelhos ou nos tornozelos: as articulações podem ser mais vítimas do que causa do sofrimento. Muitas vezes, a verdadeira razão do tormento seria uma questão de tamanho — no caso, do tamanho das pernas.

Se uma é maior que a outra, a bacia é capaz de mudar de posição, em uma tentativa de compensar o desnível. E o preço de sair do lugar certo é eventualmente um desgaste. Sendo direta, o resultado pode ser uma dolorosa artrose do quadril.

"Também pode acontecer de a pessoa cair a toda hora por uma alteração na marcha, isto é, no jeito como ela caminha e isso, mais uma vez, talvez esteja ligado ao fato de ter uma perna um pouco mais curta que a outra", diz, acrescentando outro exemplo, o radiologista Marcos Roberto Queiroz, diretor de Medicina Diagnóstica do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

Foi ali, no Einstein, que, graças a uma parceria com a Philips, surgiu uma nova tecnologia que usa inteligência artificial para, em ínfimos segundos, medir os ossos dos membros inferiores e as angulações entre eles. Porém, a rapidez do Escano, como foi batizado esse sistema, não é a sua única vantagem.

Entenda o problema

"Essa condição de ter uma perna menor que outra se chama dismetria", ensina o doutor Queiroz. "Ela pode ser de nascimento ou consequência de doenças que acometem a cartilagem ou, ainda, pode ser a sequela de um trauma. Isso porque, às vezes, o indivíduo quebra a perna e, na hora de consolidar a fratura, o osso termina ficando com alguns milímetros de diferença em relação ao tamanho que tinha antes."

Existem casos em que fica visível que uma perna está encurtada. Mas, não raro, a pessoa bate na porta do consultório do ortopedista com uma queixa de dor ou de postura, sem se dar conta da tal dismetria. "Pernas com extensões diferentes são capazes de desencadear uma bagunça ortopédica", nota Gilberto Szarf, gerente médico do setor de exames de imagem do hospital, apontado por seu colega Queiroz como "o pai da criança" lá dentro, quer dizer, da tecnologia que usa inteligência artificial.

Escanometria, já ouviu falar?

Mesmo quando a pessoa ignora que a perna de um lado não está exatamente igual à do outro, o ortopedista suspeita da dismetria só pelo exame clínico, observando bem a coluna, as pernas e o jeito como o paciente anda pela sala quando ele lhe pede para dar alguns passos.

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No entanto, a confirmação do diagnóstico e a pista do que fazer com ele — se uma palmilha para nivelar os dois membros resolveria ou se seria necessário operar para aliviar a situação — é por meio de um exame chamado escanometria.

Escano...o quê?! Eu mesma, confesso, nunca tinha ouvido falar. "É basicamente uma radiografia da bacia para baixo para medir o tamanho das pernas", explica o doutor Gilberto Szarf. "Ao lado delas, há uma régua de um material que aparece na imagem. Pense que a cabeça do fêmur, que é a parte mais alta do osso da coxa, está na marcação de 'zero centímetro'. Eu, então, vejo em que altura da régua está pontinha oposta desse mesmo osso, perto do joelho, e assim consigo medir toda a sua extensão", descreve.

Mas o radiologista, ao fazer esse exame, não mede só o fêmur. Checa na régua o comprimento da tíbia e da fíbula, a dupla de ossos da perna. E mais: calcula uma série de ângulos entre pontos diversos de um osso e outro. Acabam sendo 16 medidas de cada lado e, depois, 16 contas comparando a perna esquerda com a direita.

"É um processo repetitivo, cansativo, quase braçal", opina o doutor Szarf que, como responsável por inovação na área de diagnóstico por imagem do Einstein, cogitou: por que não ensinar a máquina a fazer esses cálculos? Bem, depois de 18 meses de treinamento com 1.500 imagens de pacientes, ela até que aprendeu direitinho.

IA para medir os ossos

Gilberto Szarf comenta que, na área da saúde, alguns processos são mais favoráveis à automatização porque, de um lado, ela irá melhorar o ambiente de trabalho eliminando tarefas repetitivas e, de outro, levará a um resultado mais confiável — o que é ponto de vantagem para o paciente, no final das contas.

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"Minha tarefa é enxergar onde existe essa oportunidade e exames envolvendo medidas são sempre a fruta mais baixa no pé, a mais fácil de pegar", compara. "Entre eles, por sua vez, a escanometria parecia ideal. Isso porque, se fosse fazer algo parecido com uma tomografia, iria precisar de 200 ou 300 imagens de cada paciente para ensinar a máquina a interpretá-las."

De fato, na escanometria há um único raio X por paciente. Logo, para os pesquisadores do Einstein e da Philips, essa quantidade tornava mais viável o desenvolvimento de um algoritmo.

"Para criarmos esse novo sistema, não ensinamos à máquina apenas os pontos que deveriam ser medidos e comparados", conta o doutor Szarf. "Ela passou a entender qual é cada osso, onde ele está, quais são seus limites."

Quais as vantagens

"Além da rapidez, a inteligência artificial proporciona uma uniformidade maior dos resultados", nota o doutor Marcos Queiroz. "Isso porque, nos exames de imagem, há sempre um componente de interpretação, ainda mais quando eles envolvem pontos diferentes para o radiologista marcar. Se eu olhar para o raio X de um indivíduo hoje, farei a marcação de um jeito. Mas, se repetir isso amanhã, talvez irei marcar um ponto ligeiramente acima ou abaixo. E, se outro médico fizer o laudo do mesmo exame, provavelmente ele chegará a medidas com milímetro de diferença das minhas", exemplifica.

Com a inteligência artificial, isso não costuma acontecer. Ela tende cumprir a tarefa de medir ossos e ângulos do mesmíssimo jeito, dia após dia — e isso é bom. Para alguns pacientes, afinal, 1 ou 2 milímetros a mais ou a menos no resultado da escanometria talvez não interfiram em nada. "Mas, para quem tem perto de 2 centímetros de diferença entre o comprimento de uma perna e de outra, esses poucos milímetros talvez sejam determinantes para o ortopedista decidir se é caso de operar ou não", conta o doutor Gilberto Szarf.

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Em geral, o tratamento cirúrgico é indicado justamente a partir de 2 centímetros de diferença. Ele pode aumentar a perna mais curta ou, ao contrário, diminuir a perna mais longa ou, quem sabe ainda, inibir o seu crescimento.

Por falar no paciente, para ele aparentemente tudo continua como antes na hora da escanometria com IA, que já está sendo realizada de rotina no Einstein. O procedimento, em si, não mudou nadica. E importante deixar claro: o radiologista continua dando a última palavra, conferindo o trabalho da inteligência artificial. Trabalho que, diga-se, às vezes precisa ser refeito, embora isso seja raro. "Se a pessoa tem uma prótese de quadril, pode ser que a máquina se confunda e marque um ponto errado para medir porque não foi treinada para essa situação. O médico, porém, vai pegar o engano."

Sim, o ser humano de jaleco continua indispensável — agora com mais tempo e com a cabeça descansada dos cálculos para focar em casos complexos, aqueles que exigem mais a sua experiência clínica do que a sua habilidade com réguas e matemática.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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