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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Por que as variantes do vírus da covid-19 parecem surgir nos finais de ano?

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

29/11/2022 04h00

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Há pelo menos três, quatro semanas, as novas subvariantes de ômicron BA.5 e BQ.1 erguem uma onda de casos de covid-19 no Brasil que deve se estender, na mais otimista das projeções, até você ver 2023 raiar.

Se parar para pensar, no ano passado a própria ômicron foi uma convidada indesejável das festas de final de ano, tendo sido identificada pela primeira vez na última semana de novembro de 2021.

E, refrescando ainda mais a sua memória, em 2020, primeiro ano dessa pandemia sem fim, alfa — que a gente até então chamava de variante do Reino Unido — aterrissou no país na véspera do Réveillon para disputar uma queda de braço com o coronavírus de Manaus, ops, a variante gama.

A versão brasileira do Sars-CoV-2 tinha surgido no mês anterior, mas em dezembro daquele ano terrível ganhou fôlego com a abertura do comércio e o fim antecipado das medidas não farmacológicas no Amazonas, por razões que nenhuma cabeça com ciência poderia nos dar.

Sem isso, os casos provocados por ela talvez explodissem um pouco mais adiante, no início do ano seguinte, e não com tanta força.

O fato é que, olhando para o calendário e reparando que o coronavírus parece gostar do seu mês de aniversário, dezembro, é natural perguntar se tudo não passaria de coincidência ou se haveria algo mais.

Será que novas variantes do Sars-Cov-2 surgidas mais para o final do ano seriam um rescaldo do verão do Hemisfério Norte? Indicariam uma possível sazonalidade do vírus? Ou nada disso?

Não há tanto acordo, nem certezas nas respostas. "Essa percepção de que surgem variantes nas proximidades de dezembro é enviesada, porque as pessoas associam o fenômeno com as aglomerações das festas ", afirma o biólogo molecular e virologista José Eduardo Levi, que lidera a área de desenvolvimento e pesquisa da Dasa. "A variante delta, por exemplo, surgiu no meio do ano", ele lembra. Idem, beta, que deu as caras em maio de 2020 na África do Sul.

Já para o virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, essas perguntas são muito relevantes.

"Sei que cientistas não deveriam simplesmente achar qualquer coisa, mas arrisco dizer que há pistas de como se originariam variantes do Sars-CoV-2 mais bem sucedidas, que tornam o verão do Hemisfério Sul e o inverno do Hemisfério Norte mais difícil para todos."

Praga de verão

Variantes aparecem de montão com a quantidade de gente se infectando pelos continentes e o coronavírus tendo a oportunidade de trocar figurinhas, ou melhor, mutações em cada encontro com um novo organismo. Mas, ainda bem, nem todas são premiadas e a maioria dessas variantes não vai muito longe.

"Para que elas se disseminem, são necessários alguns elementos e, se os relacionarmos, quem sabe vamos entender o que tem acontecido nos finais de ano", pensa Spilki.

O primeiro dos elementos a favorecer uma nova variante do vírus é justamente um alto número de casos — ou mais troca de figurinhas. "No Hemisfério Norte, no meio do ano, os dias ensolarados proporcionam mais encontros e mais atividades sociais", observa.

Bem, por aqui seria a mesma coisa no verão, claro. A sutil diferença poderia ser a quantidade bem mais elevada de turistas circulando pelos países acima da linha do Equador.

"Nós não enxergamos surtos de casos de covid-19 por lá durante esses meses, ao menos depois da vacina", diz o virologista. "Mas com certeza acontecem bem mais conexões entre pessoas e todas as condições para as mutações."

Spilki comenta ainda a possibilidade de existirem, na alta estação da América do Norte e da Europa, eventos sociais que seriam pontuais, mas que impulsionariam a disseminação de uma variante recém-surgida nos meses subsequentes. "Aí, é uma questão de sorte ou azar", reconhece.

Parênteses: a Copa do Mundo pode ser um evento disseminador e tanto, até porque o Qatar não exigiu vacina de covid-19 de seleções, nem de torcedores.

Voltando ao verão do Hemisfério Norte, na opinião do virologista, se a disseminação poderia ser contida, isso não acontece quando o vírus encontra uma América Latina, em especial um Brasil, que tende a baixar a guarda nos meses de primavera, apostando em uma trégua da pandemia. "Isso aconteceu no ano passado e também neste ano", nota.

Daí, a variante nascida em outro canto, que já estaria se aproveitando da diminuição das temperaturas nos países do Norte, cavaria o seu espaço entre nós na estação primaveril. O aumento de casos pelo mundo faria a vigilância epidemiológica flagrá-la e todo esse timing coincidiria mais com o final do ano. É, sim, uma boa especulação.

"Aliás, tem outro ponto: apesar do clima quente, ou talvez até mesmo por causa dele, os brasileiros andam ficando mais confinados em ambientes com ar-condicionado, que hoje está presente até no transporte público", observa Spilki.

Ora, uma das razões de as viroses respiratórias se espalharem em meses frios seria justamente pelo fato de as pessoas permanecerem mais tempo em locais fechados. Só que, em tempos de alterações climáticas e termômetros nas alturas, isso deixou de ser prerrogativa do inverno.

Ou você está com covid ou conhece alguém que está com covid

Com BA.5, que ainda domina o nosso pedaço, e BQ.1 crescendo, é bem isso o que estamos vendo.

Segundo José Eduardo Levi, pelas projeções feitas na Dasa a partir do número e das taxas de positividade dos testes, a onda recente de covid-19 começará a cair antes do Natal, quando boa parte dos brasileiros já terá sido contaminada, criando uma barreira de proteção.

Isso significaria um novo período de calmaria entre nós e o infernal do coronavírus. Isto é, se nada prolongar a duração dessa onda, o que infelizmente não é tão improvável.

"Tivemos eventos catalisadores, como as eleições, com as pessoas se manifestando nas ruas", aponta Levi. "E agora temos os encontros para torcer pelo Brasil na Copa". Depois, virão as festas de final de ano...

"Grandes aglomerações no Ano Novo com todo mundo sem máscara devem dar uma sobrevida a essa onda, mas não um novo impulso", esclarece Levi. Ou seja, não veremos uma onda atrás de outra, mas a estabilidade de uma onda mais baixa e, cá entre nós, pouco confortável, com muita gente pegando o vírus e alguns adoecendo pra valer.

A gente sabe o que precisa ser feito

Por trás do risco de prolongamento da onda atual estão as reinfecções, especialmente entre indivíduos que não se vacinaram ou que não completaram o seu esquema vacinal.

"Como há poucas crianças vacinadas, elas continuarão sendo disseminadoras", alerta Levi. "E, mesmo entre adultos, a minoria completou todas as doses de reforço."

O adoecimento de quem não está em dia com a carteirinha de vacinação já está causando uma sobrecarga nos serviços de saúde que, além de tudo, terão menos condições para cuidar das intercorrências comuns no final de ano. Programar-se para férias é também tomar vacina.

Previsões para 2023?

"Daqui para frente, será sempre assim: uma onda a cada três ou quatro meses", prevê Levi. Ele espera — e a gente torce — que sejam ondas mais leves, como as de ômicron, tipinho que tem uma incrível habilidade para fazer o nariz escorrer e a garganta doer, mas sem tanta competência para entrar nas células dos pulmões.

"A ômicron se especializou em infectar as vias áreas superiores. Por isso, ela é tão transmissível", conta Levi. " A nossa preocupação é que apareçam variantes que recuperam a facilidade entrar pela porta das células pulmonares, que é diferente."

Por isso, o monitoramento é crucial. "Inclusive, vigiando os casos graves, para entender melhor o problema do escape vacinal, e ficando de olho em lugares onde há um maior risco de surgir algo complemente diferente. Seriam aqueles onde ômicron não foi tão arrasadora, como a China", explica Levi.

Fernando Spilki acrescenta a necessidade de políticas públicas para buscar ativamente as pessoas que ainda não estão vacinadas. E enfatiza que não existe variante do Sars-CoV-2 que seja legal feito um presente de Papai Noel: "Quem se formou em virologia e estudou os antecessores do que está por aí, o Sars-CoV-1 e o Mers, sabe que nunca é uma boa pegar um vírus desses", justifica.

Nunca mesmo? "Há até casos de coronavírus humanos, como o OC43, que hoje realmente só causam um resfriado", conta Spilki. "Mas, quando herdamos o OC43 dos bovinos em meados dos anos 1800, ele matou milhares de europeus". Ou seja, para ficar manso, levou mais de século, muitos finais de ano. Logo, um Sars-CoV-2 fofo, que deixe a gente desdenhar uma vacina, não é promessa para 2023.