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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Esclerose múltipla: 7 coisas que fazem diferença e que muita gente não sabe

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

03/05/2022 04h00

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Para uns, o nome soa a doença de gente mais velha — ora, esclerose múltipla. Mas está aí um engano: a idade média do diagnóstico é de apenas 34 anos no Brasil.

E bem que a descoberta do problema poderia acontecer ainda mais cedo, por volta dos 30 como em muitos lugares do mundo, se por aqui as pessoas não demorassem quatro, cinco anos entre os primeiros sintomas e a revelação de estragos nos neurônios, confirmados por exames como o da ressonância magnética.

Aliás, o termo esclerose se refere à cicatriz que surge no lugar dessas células quando elas perdem o seu revestimento esbranquiçado de mielina, ficando feito fios desencapados, mal e mal conduzindo seus sinais nervosos.

E essa esclerose é "múltipla" porque as tais cicatrizes se espalham por diversos pontos do cérebro, do tronco cerebral logo abaixo dele e da medula — enfim, por todo o sistema nervoso central. São lembranças de um ataque injusto disparado pelas defesas do próprio organismo.

Perdendo somente para traumas no crânio provocados por acidentes, a esclerose múltipla é a segunda maior causa de incapacidade neurológica em adultos jovens. Quando avança sem o freio de um tratamento certeiro, ela pode impedi-los de falar, de se movimentar e até mesmo de pensar direito. Quase metade é obrigada a se aposentar precocemente.

Esse, porém, não precisa ser o destino de quem tem a doença autoimune. "Os avanços em opções terapêuticas nas últimas décadas talvez só sejam comparáveis com os do câncer", nota o neurologista Guilherme Olival, que é diretor médico da ABEM (Associação Brasileira de Esclerose Múltipla).

A questão é fazer com que as novas armas da Medicina sejam acessíveis na rede pública e empregadas cedo. Uma série de confusões e o desconhecimento sobre a doença não ajudam em nada nesse sentido. A seguir, sete pontos para você ficar por dentro.

1. Quem tem casos de doença autoimune na família deve ficar esperto

Se há uma inclinação familiar para produzir anticorpos capazes de se voltar contra os tecidos do próprio organismo — mesmo que a doença autoimune de um parente não seja a esclerose múltipla —, então há um um risco aumentado de os neurônios virarem alvo.

"Esse seria um motivo extra para a pessoa não desprezar qualquer sintoma neurológico que persista por mais de 24 horas", diz o doutor Olival. Mas, cá entre nós, a esclerose múltipla também pode surgir em famílias que nunca tiveram nada parecido, embora aí a probabilidade seja menor.

"É que não se trata de uma doença hereditária", esclarece o neurologista. "A bagagem genética que veio do pai e da mãe não determina que você terá a doença. Na verdade, há mais de 200 genes associados à esclerose múltipla, uns aumentando e outros diminuindo o seu risco. O conjunto deles é que forma uma tendência maior ou menor de o problema se desenvolver."

2. O que levanta a suspeita

Guilherme Olival ressalta quatro sintomas que costumam ser os primeiros a aparecer e que, às vezes, não recebem a devida atenção.

Um deles é a fraqueza de um dos membros. De repente, um dos braços sente a bolsa de todo dia virar um fardo. Ah, sim, aproveitando: dois em cada três pacientes são mulheres.

Também pode acontecer de a pessoa sentir bem mais a perna esquerda do que a direita, ou vice-versa, na hora de subir uma escada. Tem gente que chega a arrastar o pé do lado enfraquecido, como se mancasse.

O formigamento em uma região específica do corpo — a qual vai depender da localização dos neurônios atacados — é outro sintoma. "Mas alguns indivíduos, em vez de se queixarem desse formigar, têm a sensação de uma anestesia local", conta o médico.

A perda de equilíbrio ao caminhar é outro sinal que não deveria passar em branco. E, finalmente, a dificuldade para enxergar, com as imagens tornando-se duplas ou tremendamente embaçadas. É que os nervos envolvidos com a visão têm um bocado de mielina e se ressentem quando ela vai para o espaço.

Mas nada é tão simples. "Embora a gente fale nesses sintomas principais, há perto de uma centena de outros", diz o neurologista. "Alguns são raríssimos, como a convulsão ou a dor facial provocada pelo nervo trigêmeo. E outros são até que relativamente comuns, como a fadiga e a incontinência urinária."

Para embaralhar tudo, até mesmo quando se tratam daqueles sintomas considerados os principais, eles não necessariamente aparecem juntos e ao mesmo tempo.

3. Os sintomas podem ir e voltar

A esclerose múltipla tem uma forma menos comum conhecida como progressiva. "Nela, desde o princípio, os sintomas vão se agravando lentamente e sem parar", explica Olival.

No entanto, cerca de 85% dos casos são o que os médicos chamam de remitentes recorrentes. "O paciente tem surtos que podem durar umas duas semanas, nas quais os anticorpos destroem a mielina dos neurônios. Mas, na sequência, a gente vê uma melhora parcial ou até um período assintomático capaz de se prolongar por meses ou anos em algumas pessoas."

Parece bom, mas há alguns perigos nisso. O primeiro é acentuar a tendência de alguém empurrar com a barriga a busca por um diagnóstico, já que o incômodo some depois de um tempo.

O segundo é que, no campo da esclerose múltipla, não falta gente oportunista oferecendo picaretagem e cura. Cura — alto lá! — não existe. O que existe é controle. E os tratamentos falsos, que vão de dietas restritivas a cirurgias, iludem fazer efeito porque existem essas tréguas na forma remitente recorrente.

O problema é que, passado um período, sem os medicamentos corretos para conter a fúria dos anticorpos, esse tipo passa a se comportar como a forma progressiva. Aí fica mais difícil segurar.

4. E se as pessoas parassem de fumar?

Se não é a genética sozinha que determina o aparecimento da esclerose múltipla, fácil deduzir que fatores ambientais têm um papel de valor. Certas viroses, por exemplo. O vírus Epstein-Barr, causador da mononucleose, a popular doença do beijo, é crucial. Ele não causa a esclerose múltipla, mas dá um empurrãozinho.

Outro fator é o cigarro. "Um estudo aponta que, se todas as pessoas parassem de tragá-lo, haveria uma redução de 30% dos casos de esclerose múltipla em todo o mundo", diz o doutor Olival.

A hipótese é de que as toxinas do tabaco contribuam para confundir o sistema imune, que por engano atacaria a mielina em vez de se ocupar com vírus, bactérias e afins. Em tempo, fica o recado: a fumaça deve passar longe de quem tem a doença para evitar o seu avanço acelerado.

5. A obesidade tem o seu peso

Além de parar de fumar, quem tem esclerose múltipla precisa fazer atividade física orientada, que sabidamente tem um impacto no bom funcionamento dos neurônios.

A sempre sonhada dieta equilibrada cai bem, evitando alimentos cheios de sódio e conservantes, como os embutidos e os enlatados. Alguns trabalhos sugerem que seu consumo regular ou exagerado pioraria a situação.

A gente tampouco deve se esquecer que a dobradinha exercício e boa alimentação ajuda a eliminar o excesso de gordura. "E a obesidade está relacionada ao agravamento do quadro", complementa Guilherme Olival. "Provavelmente porque o estado inflamatório desencadeado por ela cria brechas na barreira hematoencefálica, que envolve o cérebro." Isso facilitaria a entrada dos anticorpos que arruínam a mielina.

6. Banhos de sol

A esclerose múltipla é bem mais prevalente em regiões de clima frio. Nos países escandinavos, por exemplo, são entre 80 e 100 casos a cada 100 mil habitantes, enquanto no ensolarado Brasil a doença soma 15 casos em cada 100 mil pessoas.

A aposta está na vitamina D produzida pela pele sob a radiação solar. Ela ajudaria a regular o sistema imunológico. Até mesmo o sol que a mulher toma durante gravidez contaria para diminuir o risco do filho. Mas não caia na tentação de engolir suplementação à toa: "Ela tem efeitos adversos e só faz sentido se existe uma carência de vitamina D comprovada", garante o neurologista.

7. Quem se trata cedo pode levar uma vida normal

Antes, os portadores de esclerose múltipla precisavam lançar mão de imunossupressores que calavam o ataque à mielina na mesma proporção com que inibiam as defesas para agir contra infecções diversas.

"De uns dez anos para cá, porém, eles passaram a contar com imunomoduladores e anticorpos monoclonais que barram especificamente o ataque à mielina, mas sem aumentar o risco de complicações da covid-19, por exemplo", diz Olival.

Um desses remédios potentes, a cladribina, está neste momento em consulta pública para ser incorporado pelo SUS. Se for, fará uma diferença danada. "Ela age como se reiniciasse o sistema imunológico", conta o neurologista.

O detalhe é que, embora seja dada por um período muito curto, o que a torna mais segura, o seu efeito é dos mais duradouros. Estudos realizados na Itália, onde a medicação está disponível há mais tempo, registram que alguns pacientes estão há uma década sem sentir nada. Suas defesas, reiniciadas, pelo menos até agora não repetiram o erro de atacar a mielina.