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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Grampear a próstata: um novo jeito de tratar a hiperplasia benigna

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

06/08/2021 04h00

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Parece não ter escapatória, rapazes: a próstata, com o passar dos anos, tende a aumentar. Para uns menos, para outros mais. E para outros, ainda, bem mais. Isso não teria maiores consequências se a glândula masculina não fosse atravessada pela primeira porção da uretra, o canal por onde a urina escoa da bexiga para fora do corpo, capaz então de se ver esmagado por uma próstata crescendo por todos os lados.

Como esse aperto é comum — sete em cada dez sexagenários e oito em cada dez homens com mais de 70 anos sabem do que se trata —, dá para dimensionar os ganhos de um novo procedimento minimamente invasivo, realizado pela primeira vez no Brasil na semana passada, no Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), em São Paulo. Ali, o urologista Luís Rios não levou mais do que 15 ou, vá lá, 30 minutos para grampear uma próstata grandalhona, de tal jeito que tirou a uretra do sufoco.

No entanto, o melhor do método, conhecido por UroLift, nem tanto é a rapidez com que resolve a questão, embora seja espantoso ver que no máximo umas duas horas depois o sujeito já pode pegar o caminho de casa. O que chama a atenção pra valer é a novidade praticamente zerar o risco de complicações, as quais podem ser uma má surpresa em outros tratamentos.

Diretor do serviço de urologia do HSPE, além de estar à frente do Laboratório de Urodinâmica do Hospital Israelita Albert Einstein, Luís Rios é um médico discreto e, arrisco o palpite, apaixonado pelo ofício, o que noto pelo jeito como sempre se mostra entretido com algo novo no centro cirúrgico. Não parece gostar de aparecer, ele próprio. Por sorte, vi quando comentou o primeiro grampeamento realizado no país e fui atrás, pedindo para explicar esse e outros tratamentos para a tal hiperplasia prostática benigna, o nome certo do problema que, no final das contas, quase todo homem terá de encarar.

Por que a próstata cresce?

Enquanto tecidos e órgãos do nosso corpo têm vocação para atrofiar quando envelhecem, a próstata teima em se avolumar. Eu tinha a curiosidade de saber o motivo, mas não foi desta vez que a matei: "A causa desse crescimento é um tanto misteriosa", reconhece Luís Rios

Segundo ele, podem existir fatores genéticos, assim como parece ter algo a ver com a questão hormonal. "Mas nem sequer isso fica claro, já que há pacientes que apresentam essa condição e não têm níveis de testosterona assim tão elevados", diz. "Aliás, costuma ser até o contrário: com a idade, o hormônio masculino diminui, enquanto a glândula aumenta."

Dos seus 15, 20 gramas da juventude, ela pode ultrapassar os 100 — aliás, o grampeamento para resolver a hiperplasia só é indicado para próstatas que estejam no limite de 80 gramas, "mas 90% dos diagnósticos são feitos antes de ela chegar a tanto", informa o urologista.

A função dessa glândula é produzir um dos líquidos que irão compor o sêmen, para nutrir os espermatozoides e, ainda, favorecer os seus movimentos. A hiperplasia não interfere nisso. O grande problema está mesmo no fato de tornar o trajeto da urina cada vez mais estreito. Quando ela sai em conta-gotas, o homem vive indo ao banheiro. A bexiga logo compensa fazendo força, até terminar exaurida, sem dar mais conta de esvaziar seu conteúdo.

"A verdade é que os sintomas são muito variáveis. Pode surgir até dor", observa Luís Rios. E, claro, cada paciente é único. Tem homem que reclama sem ter a próstata tão aumentada quanto a de outro, que parece conviver melhor com a situação. Mas, especialmente quando a micção se torna difícil, o jeito é tratar.

Os tratamentos até agora

Há duas linhas na hora de cuidar da hiperplasia prostática benigna. A primeira delas é apelar para remédios. "Podemos usar medicamentos para bloquear a testosterona na próstata e, desse jeito, barrar o seu crescimento", ensina o doutor Rios. Outro caminho é prescrever um relaxante da musculatura lisa da próstata. "Ao aliviar o tônus da glândula, lógico que a uretra ficará menos comprimida", descreve.

No entanto, nem todo homem tolera bem as medicações. Alguns notam diferença na libido e na ereção. A saída clássica, então, passa a ser o que os urologistas conhecem pela sigla RTU, a ressecção transuretral.

Nela, um equipamento próprio é introduzido pela uretra até chegar à área dela que está quase se fechando. Daí, delicadamente, é como se o urologista fosse retirando fatias finíssimas da próstata, até formar um corredor para esse canal passar à vontade.

"Mas, se a glândula está muito grande, com mais de 100 gramas, fica impossível fazer isso pela uretra", conta Luís Rios. "Aí, pode ser realizada uma operação com a mesma finalidade por laparoscopia ou por meio de um corte pequeno, que lembra o da cesárea nas mulheres."

As possíveis complicações

RTU ou cirurgia convencional, cerca de 5% dos homens operados reclamam de disfunção erétil depois. "Claro, a gente nunca tem certeza se o problema já não teria começado antes até do procedimento", pondera o doutor.

Pergunto se não haveria um quê de psicológico nisso. "Pode ser que sim. Mas também existe a suspeita de que a corrente elétrica, usada para cortarmos aquelas fatias, poderia lesionar nervos que passam perto da próstata e que seguem para o tecido cavernoso do pênis", diz o urologista. O tecido cavernoso é aquele que, ao ser preenchido por um volume extra de sangue, enrijece e ergue esse órgão na hora agá.

Outro risco é o da chamada ejaculação retrógrada. O doutor Rios explica: "No instante da ejaculação, alguns músculos se contraem, bloqueando o colo da bexiga. Com isso, o esperma é obrigado a seguir no sentido do pênis".

Se esse mecanismo termina afetado, porém, parte do líquido seminal, ou até todo ele, pega o caminho de volta. "Dois terços dos pacientes submetidos à RTU apresentam algum grau dessa complicação", calcula o médico.

Nesse caso, a fertilidade pode ficar comprometida. Mas isso, lembra o doutor Rios, raramente preocupa pacientes na faixa dos 60, 70 anos. Eles, em geral, já tiveram filhos e não têm intenção de repetir a dose de paternidade.

No entanto, há homens que se incomodam com o pequeno volume de esperma ou até mesmo com a falta dele, quando experimentam um orgasmo seco. Para alguns, a plenitude do clímax sexual só ocorre com a sensação de eliminar esse líquido. Isso, óbvio, deve ser respeitado.

Finalmente, como a próstata é altamente vascularizada, a RTU ainda leva a sangramentos, que podem durar horas ou dias. Tanto que os pacientes são avisados antes de que, talvez, precisem receber sangue.

O grampeamento da glândula

Desenvolvido na Austrália e realizado nos Estados Unidos há pelo menos sete anos, o UroLift é diferente. Depois da anestesia local — o paciente pode estar sedado ou não —, o médico introduz esse aparelho pela uretra, visualizando o percurso pelo endoscópio.

"Só que, ao passar pela área estreitada da uretra, em vez de remover uma parte da glândula, eu aciono um gatilho", conta Luís Rios. O disparo faz o equipamento, primeiro, comprimir um dos lados da glândula. É como se lhe desse um chega-pra-lá, criando espaço para a uretra.

Na sequência, feito um grampeador, solta uma espécie de fio que atravessa aquele lado da próstata até a cápsula, que seria o seu invólucro. "Ele tem duas pontas metálicas", descreve Luís Rios. "Uma delas, a interna, vai manter a glândula comprimida. E a outra, no lado da cápsula, vai segurar esse implante."

O grampeamento é repetido do outro lado. No total, são de quatro a seis grampos. A probabilidade de causarem disfunção erétil e ejaculação retrógrada é quase nula. E os sangramentos são bem menos frequentes. O paciente tampouco precisa de sonda. "Quando tudo termina, pedimos para ele beber um pouco de líquido e, ao urinar normalmente, já recebe alta", diz Luís Rios.

O que vem por aí

No mundo inteiro já foram realizados mais de 250 mil grampeamentos desse tipo. Os bons resultados se sustentam por pelo menos cinco anos.

Para o doutor Rios, a RTU ainda é ligeiramente mais efetiva para resolver a hiperplasia, mas o fato de o UroLift ser menos traumático conta pontos. Ainda comparando os dois métodos, de 6% a 7% dos homens que fazem a ressecção precisam repeti-la. "No grampeamento, a taxa de retratamento não é muito maior. Fica em 12%", diz o médico.

O importante é existirem alternativas menos agressivas. O laser já foi apontado como uma delas. "Ele, de fato, diminui os sangramentos, mas é mais caro e as outras complicações persistem", comenta Luís Rios. "Daí que só é indicado para pacientes bem idosos ou com risco de hemorragias."

Ele lembra que há outras novidades sendo testadas pelo mundo, como o uso de vapor ou até mesmo só de água em altíssima pressão para retirar parte da próstata. Sendo a hiperplasia tão comum e com a população cada vez mais madura, é bom mesmo ampliar o leque de possibilidades.