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Elânia Francisca

Saberes ancestrais: quanta cura atravessou seu corpo nesse ano de 2020?

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

01/01/2021 04h00

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Passei toda a minha infância escutando histórias contadas por meus pais sobre os conhecimentos ancestrais de cura que minhas avós e bisavós tinham. Sou filha, neta e bisneta de benzedeiras e curandeiras, todas elas mulheres conhecedoras do poder das plantas.

E tudo o que sei foi aprendido com o olhar e a escuta atenta ao que minha mãe fazia quando eu mesma estava sendo curada por ela. Eu ia aprendendo sobre essa medicina ancestral com minha mãe sem ela se dar conta de que estava me ensinando. Era no cotidiano mesmo.

Se eu tinha febre, minha mãe preparava uma infusão e eu tomava. Se era dor de dente, ela macerava algumas folhas e punha a gente para fazer bochecho. Dor de ouvido, algodão embebido no óleo e alho. Mau-olhado, uma reza e arruda atrás da orelha...

Cada adoecimento era a oportunidade de vivenciar e aprender sobre processos de cura. Minha mãe me cuidava e aquilo era uma aula para mim. Obviamente, também íamos às consultas médicas, mas nesses momentos eu me sentia um corpo sem gente dentro. Não aprendia nada, só obedecia: "Abre a blusa, respira, olha pra cima, abre a boca, diga Aaaaaa, feche a blusa. Pronto! Passa ali na farmácia, pega esse medicamento e toma de 8 em 8 horas".

A receita tinha uma letra feita para a gente não ler, com nomes feitos para a gente não decorar.

"Para que serve isso, doutor?". Minha mãe até tentava entender, mas o médico era de poucas palavras e a fila era de muita gente.

Não rejeito o saber médico, mas o saber ancestral também merece respeito e visibilidade.

Foi a pedagogia do saber ancestral de minha mãe que me encantou e eu fiquei curiosa, quis aprender mais com ela e com minhas avós.

Foi numa visita à casa de minha avó materna no Espírito Santo, em 2015, que perguntei a ela sobre os saberes de cura. Então, vó Maria me contou que meu pai, quando criança, teve uma doença de pele que o deixou, segundo ela, "todo pipocado", e que minha avó paterna era muito nova e tinha medo de não saber cuidar da doença do filho. Então, ela o entregou para ser cuidado. Foi, por meio do conhecimento aprendido com sua bisavó, que minha vó Maria acolheu meu pai em sua casa, o banhou com algumas ervas durante um tempo e a doença de pele sumiu. Meu pai é muito ligado à família de minha mãe até hoje e minha avó paterna sempre toma a benção para minha avó materna em sinal de respeito e gratidão.

Conto tudo isso porque já faz um tempo que me sinto convocada a entender e aprender mais sobre processos ancestrais de cura e, numa reflexão sobre minhas matriarcas, percebi que temos pelo menos quatro gerações de mulheres em minha família que se dedicam ao trabalho de curandeira —ou seja, a promoção de cura. Minha bisa era benzedeira, minha avó e mãe, raizeiras e agora eu sou psicóloga (todas as minhas irmãs também exercem profissões relacionadas à cura e saúde).

Com a covid-19, o ano de 2020 me puxou ainda mais para pensar e atuar em processos de cura. Desde as ervas até a escuta e acolhimento das dores, a palavra cura foi ganhando força e forma na minha trajetória e, hoje, falar de cura é parte do cotidiano de muita gente também.

Cura é a palavra que resume o desejo para 2021!

Sei que em 2020 a maioria das pessoas, em todo o mundo, está conectada no mesmo desejo: a cura da covid-19 e é por isso que seguimos em isolamento social, nos cuidando coletivamente. Mas é importante termos ciência de que estamos tecendo pequenos processos de cura que talvez passem despercebidos, mas, pense aí:

Quantos chás te acalmaram nesse ano? Quantos exercícios te auxiliaram num momento de ansiedade? Quantas chamadas de vídeo te ajudaram a levantar da cama? Quantas sessões de apoio psicológico te fizeram ampliar a visão para sua potência? Quantas redes de apoio você mobilizou? Quantas redes se mobilizaram para te cuidar? Quanta cura atravessou seu corpo nesse ano de 2020?

Não quero com esse texto romantizar o momento que estamos vivendo, pois sei que tudo que você conseguiu fazer até aqui foi adotar estratégias de redução de danos diante da dor gerada pela covid-19, mas peço que olhe para tudo que doeu e valorize o quanto você, de alguma forma, também foi curandeira.

Sigamos em cuidado e que 2021 nos traga cura.

Atotô!