Topo

Elânia Francisca

Como falar sobre saúde mental e apoio psicológico com crianças?

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

18/12/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Em junho deste ano, fui convidada a realizar uma atividade sobre saúde mental com um grupo de crianças com idade entre nove e 11 anos. Para mim, foi desafiador demais, pois eu precisava explicar o que é saúde mental, acolher os sentimentos vivenciados durante a pandemia, por meio de uma ferramenta online e tendo como público, crianças.

Eu já falei aqui sobre adultocentrismo e a ideia de que nós adultos somos mais escutados, acolhidos e validados em comparação às crianças e aos adolescentes. Também já falei que para combater uma sociedade adultocêntrica, precisamos construir comunidades vinculocentradas, que olhem para a infância como uma fase da vida que tem seus saberes e que merece escuta e acolhimento.

Vocês podem imaginar que eu dediquei muito tempo da minha semana para preparar a atividade que iria realizar. Afinal, eu tinha o sério e delicado desafio de deslocar minha linguagem adulta para uma linguagem respeitosa e acessível às crianças.

Passei um tempo quebrando a cabeça até que me lembrei de uma antiga paciente, que tinha sete anos de idade na época em que eu a atendia, e de uma metáfora que construímos para falar sobre saúde mental e a importância da psicoterapia.

Ela comparecia semanalmente à clínica acompanhada da mãe e do padrasto. Vinha sorridente e sempre trazia um aprendizado novo que teve na escola. Certo dia, a criança chegou com uma charada: "O que a minha cabeça e o meu guarda-roupa têm em comum?". Eu digo que não faço ideia e ela responde: "Os dois são uma bagunça!".

Ela riu e eu também, mas ambas levamos a comparação tão a sério que investimos energia na metáfora. Construímos outras ligações entre o guarda-roupa e a cabeça (que eu vou chamar de mente).

Dialogamos sobre a importância de periodicamente organizar o guarda-roupa e a mente. Limpar as gavetas e as memórias, descobrir uma blusinha ou lembrança que nem recordávamos que estava ali e refletir se queremos manter guardada ou não. Separar calcinhas de shorts, mágoas de medos e organizar tudo com muito cuidado.

Levei a metáfora criada com a paciente para a atividade com as crianças e foi muito produtivo. Cada uma delas pôde falar sobre como estava seu guarda-roupa e o que ele tinha em comum com suas emoções e mentes.

Percebemos que nesse trabalho de arrumação, a psicóloga não é aquela que vai decidir se mantém ou joga fora algum item, afinal o guarda-roupa/a vida não é dela. A psicóloga está ali para ajudar a pendurar as memórias no cabide ou para perguntar: "Em que ocasião você usa essa lembrança? Como se sente com essa roupa?".

O guarda-roupa ficará arrumado para sempre? Não! Haverá dias em que a gente vai querer usar aquele agasalho que está no fundo do armário e isso pode bagunçar toda a pilha de roupas. Assim como haverá um tempo em que a gente vai querer recordar algo antigo e isso pode desorganizar você um pouco —e está tudo bem se precisar buscar apoio psicológico de novo.

Se todo mundo usa roupas e se todo mundo constrói memórias, então todo mundo precisa de um lugar arejado e saudável para protegê-las.