Topo

Elânia Francisca

O que é saudável na relação entre adultos, crianças e adolescentes

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

28/08/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Na semana passada escrevi um conto sobre um reino não muito distante chamado Adultocentrismo, no qual vivia um povo que acreditava que somente adulto sabia das coisas. Esse texto teve uma repercussão que eu, particularmente, achei muito valiosa, pois abriu caminhos para refletirmos sobre relação de poder que exercemos diante de crianças e adolescentes cotidianamente.

Depois de ler o conto, muitas pessoas me abordaram perguntando qual seria a sugestão de cuidados com crianças e adolescentes —já que eu estava criticando tanto a sociedade adultocêntrica? Eu estaria propondo a existência de uma sociedade criançacêntrica ou infantocêntrica? Houve gente que perguntou se meu desejo seria viver numa sociedade em que as crianças e adolescentes teriam poder sobre os adultos. Achei criativo, mas muito irreal!

Eu não desejo uma sociedade em que crianças oprimam adultos (isso nem é possível). O que eu desejo é um mundo livre de opressão, livre de todas as opressões! E para alcançar esse mundo, será preciso gerar reflexões que nos colocarão diante de um espelho, no qual enxergaremos nossos privilégios. Nesse momento, é comum que fiquemos bravos e façamos o movimento de negar o que está em nós, afinal é raro alguém aceitar tranquilamente o apontamento de algo que contribui para que as opressões sigam acontecendo no mundo.

Não é fácil assumir privilégios, mas é urgente reconhecê-los. Alguns dirão: "Eu não sou adultocêntrico!" Essa negação é exatamente o que estou dizendo: leva um tempo para assumirmos que sim, temos muito privilégio por sermos adultos, mesmo que a gente seja um adulto super legal.

É importante ressaltar que refletir sobre privilégio adultocêntrico não significa deixar as crianças e adolescentes soltos à própria sorte, sem cuidados ou sem proteção —aliás, se analisarmos os dados, o Brasil já faz isso com crianças e adolescentes, sobretudo se forem pobres, mais ainda se forem negros.

O contrário de sociedade adultocêntrica é comunidade vinculocentrada, que traz como proposta a criação e fortalecimento de vínculos, onde adultos, crianças e adolescentes se educam mutuamente, sem hierarquização dos saberes.

Obviamente, nós adultos estamos há mais tempo no mundo e já passamos por fases que nos ajudaram a ter mais experiência para saber o que fazer diante de determinadas situações. Por isso, crianças e adolescentes precisam de nós para mediar sua relação com o mundo, ao mesmo tempo em que nós precisamos deles para aprender com as inteligências produzidas nas vivências infantojuvenis.

Numa comunidade vinculocentrada, nós também podemos apontar os limites, dizer "não" para algo que for danoso às crianças e adolescentes, mas acima de tudo, podemos abandonar o peso de ter que sempre parecer fortes e perfeitos diante dos filhos, sobrinhos, netos e vizinhos pequenos. Construir uma comunidade vinculocentrada é investir energia na coexistência. Dessa forma, o centro da relação entre adultos, crianças e adolescentes torna-se o vínculo saudável, protetor e comunitário.