Se a criança aprende brincando, o que nossas piadas têm ensinado?
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Há alguns anos tenho me dedicado aos estudos sobre sexualidade, infância e juventude. Tenho pensado e realizado atividades que envolvem escuta e fortalecimento da autoestima de crianças e adolescentes, como forma de garantia do direito ao desenvolvimento saudável. Falei um pouco disso no texto da semana passada.
Em minha dissertação de mestrado, defendida em 2018, busquei compreender o modo como adolescentes negras vivenciam (ou não) o apaixonamento. Meu interesse naquele momento era saber o que elas pensavam sobre amor, namoro e autoimagem.
Durante a realização dessa pesquisa eu me deparei com histórias de vida de meninas com idade entre 13 e 17 anos, moradoras de uma periferia da cidade de São Paulo, que, na maioria das vezes, diziam acreditar que não sabiam se eram merecedoras de vivenciar o amor, ou se isso um dia aconteceria com elas. O motivo: elas não se sentiam bonitas.
As meninas contavam sobre agressões físicas sofridas na escola desde a infância. Uma delas chegou a dizer que frequentemente os meninos puxavam seus cabelos ou batiam nela, alegando que aquilo só estava acontecendo porque ela era feia, logo, culpada por apanhar.
Isso te soa familiar?
Você pode estar pensando: criança é assim mesmo, puxa cabelo e chama de feia. Mas será que as crianças nascem sabendo o que é bonito e o que é feio? Se o conceito de beleza é aprendido no convívio e está inserido na cultura, quem ensinou para as crianças o que é belo e o que não é? E quem ensinou para as crianças que o feio merece apanhar ou ser hostilizado?
Não nos enganemos, as crianças aprendem no convívio conosco. Nossa postura vai ensinando regras para as crianças por meio de mil ludicidades. O racismo é lúdico, o machismo, a gordofobia, a transfobia, o capacitismo. Tudo é apresentado para as crianças de forma muito lúdica por meio de piadas, xingamentos, conversa entre adultos na presença delas etc. Sabe aquele slogan "A criança aprende brincando"? Pois é, a gente aprende e ensina muita coisa "brincando".
Proponho essa reflexão como forma de nos sensibilizarmos para um problema real: as crianças estão aprendendo a se odiar. Precisamos mudar nosso comportamento para que elas aprendam formas saudáveis de se relacionar consigo e com as outras pessoas.
Não se trata de apontar o dedo para você que está lendo e me isentar da responsabilidade, afinal eu também sou uma pessoa adulta, logo também faço parte dessa lógica que educa pela ludicidade da opressão.
As crianças não nascem se sentindo feias, inadequadas, elas aprendem isso e esse aprendizado não se dá na solidão, ele acontece no convívio familiar, escolar e comunitário. Todo mundo educa todo mundo, não é assim?
Precisamos que as crianças entendam que as belezas são múltiplas e ninguém merece ser agredido por não estar dentro de um padrão. Precisamos educar para o respeito à diversidade e só conseguiremos fazer isso se acreditarmos e praticarmos o que estamos dizendo.
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