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'Provei na Justiça que queria ser mãe': ela adotou adolescentes aos 27 anos

Luisa entrou na Justiça para explicar seu desejo de ser mãe de Ruan (19), Maria Clara (18) e Karina (19).  - Arquivo Pessoal
Luisa entrou na Justiça para explicar seu desejo de ser mãe de Ruan (19), Maria Clara (18) e Karina (19). Imagem: Arquivo Pessoal

Laís Seguin

Colaboração para Universa

01/06/2023 04h00

Para realizar o sonho de adotar três adolescentes, Luíza Araruna, de 29 anos, e Rafael Engel, de 46, precisaram entrar na Justiça. Isso porque, à época, Luiza tinha 27 anos e, segundo o ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), um dos requisitos necessários para a adoção é a diferença mínima de 16 anos de idade entre o adotante e o adotado. Apesar da barreira, Luiza provou à Justiça seu desejo de ser mãe de Ruan, de 19 anos, Maria Clara, de 18, e Karina de 19.

A Universa, ela conta sua história.

"Sempre soube que um dia seria mãe e, durante a pandemia da covid-19, este desejo pela maternidade ficou mais forte. Estávamos cada vez mais unidos, em família, no lar e eu não queria engravidar.

Não sei dizer o motivo de não querer engravidar. As pessoas me perguntam se tenho algum trauma, algo nesse sentido. Se tenho, ainda não me lembrei. O fato é que queria ser mãe e sabia que existiam pessoas querendo ser filhos.

Decidi adotar. Era maio de 2020 e estava casada há dois anos. Meu marido ficou alegre (ele já tinha dois filhos, um deles adotivo). Entramos em contato com o fórum da nossa cidade, em Teresópolis (RJ), e começamos o procedimento com a Vara de Infância e Juventude.

Havia dois passos importantes neste primeiro momento. O primeiro era reunir a documentação necessária, como certidão de casamento, antecedentes criminais, atestado de sanidade mental e comprovante de residência, para serem entregues ao fórum.

O segundo era passar por um curso obrigatório de 21 horas oferecido pela Vara, que nos prepararia para a realidade da adoção.

Fizemos o curso e entregamos a documentação em 17 de agosto de 2020. Em 8 de setembro de 2020, tivemos a primeira entrevista com a assistente social, na nossa casa. Pouco tempo depois, fomos entrevistados pela psicóloga da Vara.

Após esses passos, em 28 de setembro saiu a primeira resposta: habilitados! Feito isso, precisávamos decidir a escolha do perfil. É uma ficha na qual escolhemos, qual tipo de menor queremos adotar, com idade, gênero e etnia.

'Adotar adolescentes é o que fazia sentido para nós'

Neste formulário nos perguntavam inclusive a quantidade. Se queríamos um ou mais, se aceitaríamos irmãos, deficiências ou doenças crônicas. Preencher essa ficha foi um dos momentos mais difíceis do processo. Nos faz refletir sobre muitas coisas.

Afinal, não estamos em um supermercado escolhendo um produto. Mas, ao mesmo tempo, a escolha do perfil é o que nos ajuda a sermos realistas quanto ao que queremos e o que podemos dar conta.

A escolha, a princípio, era um menino ou menina, mas aceitávamos até dois irmãos, ambas as possibilidades em uma faixa etária dos 12 aos 18 anos. Crianças menores não faziam sentido na nossa rotina. Existem, claro, adaptações possíveis.

Eu poderia diminuir a carga horária de trabalho, poderia ter uma funcionária que me ajudasse nos serviços domésticos ou nos cuidados da criança, como uma babá. Mas não queríamos isso. Adoção não é um processo romantizado e é preciso escolher e ponderar.

Escolhemos adolescentes pela função que teríamos enquanto pais. Fazia sentido para nós acolhermos as crises existenciais, traumas e orientar sobre as possíveis convicções duvidosas que foram formadas por eles ao longo dos anos.

Porém, quando expliquei para a Vara sobre meu desejo de adotar um adolescente, me explicaram que eu não poderia.

'Frisaram em todas as páginas que eu não poderia adotar alguém com mais de 11 anos'

Eu tinha 27 anos na época e meu marido, 43. No Brasil, é necessário que se tenha 16 anos de diferença de idade entre o adotante e o adotado e não era o meu caso. Eu e meu marido dissemos que entendemos e que fazia todo o sentido.

Como psicóloga, fazima sentido para mim os mais diversos argumentos. Desde a minha suposta maturidade esperada para 27 anos (na época da adoção) até ao fato dos filhos talvez não conseguirem me ver como mãe ao saberem da minha idade.

Entretanto, com 24 anos já estava casada, tinha concluído meu mestrado, meu salário era estável e acima da média e também possuía carro próprio. Para além de uma estabilidade profissional e financeira de minha parte, meu marido é 16 anos mais velho que eu.

Ele é neuropediatra, trabalhava em hospitais públicos, privados e consultório. Quanto à estabilidade, cumpríamos os requisitos. Quanto à minha idade, questionei quantas pessoas teoricamente adequadas já tinham desistido no meio do caminho.

Mas, mesmo assim, embora muito delicada, a equipe técnica colocou a minha idade em todas as páginas, de todos os relatórios, frisando o fato de que eu não poderia mesmo adotar alguém com mais de 11 anos de idade.

a - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A resposta dos dois processos de adoção saiu no dia 9 de dezembro de 2020.
Imagem: Arquivo Pessoal

'O nosso caso foi bem diferente do comum'

Encontramos o nosso filho por meio de uma "Busca Ativa". É uma ferramenta com veiculação de fotos, vídeos e textos escritos pelo próprio menor, sobre o seu desejo de ter uma família. Ela também concede visibilidade aos adolescentes, irmãos e deficientes.

Por causa da pandemia, iniciamos o processo de aproximação por videochamada, ainda para conhecê-lo. Ficamos três meses conversando com ele dessa forma, duas vezes por semana, uma hora ao dia.

Em meio a esse processo, fomos ao abrigo da nossa cidade para levar presentes no dia das crianças. Lá, fomos recebidos pelas meninas que também viriam a ser as nossas filhas, elas abriram o portão.

Estávamos no processo de adoção do nosso filho de 16 anos, o que já era bastante diferente. Imagina iniciar outro processo de adoção simultâneo, de mais duas adolescentes de 15 e 17 anos? Foi o que fizemos.

'Enquanto tentávamos adotar um, decidimos ser pais de mais duas'

O diretor do abrigo delas nos telefonou dizendo: "Temos um programa de apadrinhamento para os feriados e o Natal está chegando. Todas as crianças encontraram famílias, menos as duas irmãs. Vocês aceitam levar elas para passar a data?".

Respondemos que sim, mas não seria apadrinhamento. As adotaríamos, gostamos muito delas. Mais algumas entrevistas foram marcadas, assim como outro processo de aproximação, onde tivemos diversos diálogos com ambas.

Deixamos a decisão para o fórum municipal, que me permitiu concluir a adoção após audiência.

Não sei dizer o que se passou pela cabeça da juíza, mas ousaria dizer: "Esses adolescentes estão prestes a completar 18 anos. O que é melhor? Uma segunda chance ou a certeza da rua?".

Dois processos de adoção diferentes foram iniciados em meses diferentes e a resposta saiu no mesmo dia, 9 de dezembro de 2020. Foi quando recebemos a ligação dos dois abrigos com a autorização para os buscarmos.

Estamos com nossos filhos em casa há dois anos e meio e acredito que tem sido os anos mais intensos da minha vida.

'A adaptação não é fácil. Nem para nós, nem para nossos filhos'

Certa vez meu marido disse de maneira incisiva a um dos três: "Isso é jeito de falar com a sua mãe?!" e a resposta foi bem óbvia: "Eu não sei, nunca tive mãe". Ninguém nasce sabendo ser mãe e ninguém nasce sabendo ser filho.

Toda essa relação entre mãe e filho se constrói quando existe alguém acolhendo, amando e educando. Então, a adaptação não é apenas no sentido da convivência, mas no sentido de aprender uma função que até então, ainda não se tinha.

Já ouvi algumas vezes de alguns deles, falas como: "Você nunca vai ser minha mãe. Você tem a idade dos meus irmãos". Isso porque todos eles vêm de grupos de irmãos, que foram adotados separadamente ao longo dos anos.

Eu dizia a eles coisas como: "De fato, tenho idade para ser sua irmã. Mas não sou. E irmãos não fazem o que eu estou fazendo. Ser mãe é uma função. A função que eu exerço com vocês é a de maternidade".

A idade era só uma desculpa para os momentos de raiva. As dificuldades de fato são muito mais profundas. A cada vez que chamávamos a atenção deles, como por deixar a cama desarrumada, eles arrumavam as mochilas pensando que perderiam mais uma família.

Hoje, eles entendem que a minha idade não era o ponto. Não era nela que eles encontrariam segurança, mas sim na minha insistência em permanecer e em amar, apesar de qualquer cenário.

Diferença mínima entre o adotante e adotado

A lei que determina como exigência para adoção uma diferença de 16 anos entre o adotante e o adotado é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especificamente em seu artigo 42, §3º.

De acordo com a advogada Laísa Santos, especializada em direito de família, a proposta tem o intuito de evitar motivos ocultos, nos quais a demonstração de amor parental para com o adotando tenha um eventual interesse impróprio.

Porém, há exceções para essa regra. Segundo Laísa, há uma flexibilização deste critério de 16 anos de diferença de idade pelo Poder Judiciário quando é comprovado que o melhor interesse da criança ou do adolescente está preservado.

"Dependerá das peculiaridades do caso e dos elementos que forem demonstrados durante o processo. Ou seja, o juiz irá fazer uma análise do que foi apresentado, vai ponderar as eventuais vantagens e os motivos do interesse pela adoção", Laísa Santos

Todo o processo de adoção costuma levar 120 dias, podendo ser prorrogado em igual período. Porém, quando um caso exige maior aprofundamento e cuidado por parte dos profissionais envolvidos, existe a possibilidade do prazo ser ainda maior.

Dessa forma, não é possível estipular quanto tempo casos como o de Luísa, onde a pessoa tem uma diferença de idade inferior a 16 anos em relação ao adotando, levariam para serem analisados e concluídos.

"Seja em razão da quantidade insuficiente de magistrados e servidores e do excesso de demanda e atribuições de cada profissional", pontua Laísa. Caso o juiz indefira a adoção, por quaisquer razões, o postulante à adoção pode interpor recurso contra a decisão.