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'Sem tabu, elas também gozam': as filhas que dão sex toys no Dia das Mães

Karymy, 28, (esq.) e Thera, 27, (dir.) ao lado das respectivas mães - Arquivo pessoal
Karymy, 28, (esq.) e Thera, 27, (dir.) ao lado das respectivas mães Imagem: Arquivo pessoal

De Universa, em São Paulo

12/05/2023 12h13Atualizada em 12/05/2023 17h00

Foi em uma conversa durante uma viagem com a mãe que a ilustradora Karymy Gonçalves, 28, decidiu inovar no presente de Dia das Mães. Depois de celebrar a data comemorativa no ano passado com uma Alexa, ela deve presentear a mãe neste domingo (14) com um sugador de clítoris, brinquedo sexual que promete orgasmos em poucos minutos.

"Estou buscando que ela tenha algum tipo de autonomia. A ideia do presente em si foi para trazer ela também para essa descoberta, para ela aproveitar momentos com ela mesma e coisas que ela não tinha vivido antes", contou ela, ao UOL.

A sexualidade de mães ganhou destaque nas redes sociais na última semana após uma publicação da apresentadora Angélica, que sugeria vibradores como presente de Dia das Mães, em uma ação publicitária de uma marca de que é sócia. O post causou uma enxurrada de críticas.

Para algumas filhas, no entanto, não há vergonha em abordar o assunto. Karymy, por exemplo, diz que conversas sobre intimidades começaram a ser mais francas e frequentes com a mãe, que é divorciada, desde que a ilustradora entrou na vida adulta.

Ela era quem sempre começava com os assuntos. Não queria parecer careta e comecei a lidar bem com o fato de a minha mãe também transar, porque às vezes a gente esquece disso. Tinha um pouco de insegurança no começo, mas guardei pra mim, até evoluir. Com um tempo, isso foi ficando natural. Nesses últimos anos, até depois da pandemia, que a gente ficou muito tempo junta, a relação evoluiu bastante.
Karymy Gonçalves

A ilustradora foi até a responsável por ajudar a mãe a baixar aplicativo de paquera e criar um perfil online após a separação de um relacionamento de mais de 30 anos.

"Ela sempre foi muito aberta sobre os desejos, sobre as coisas que ela tinha vontade e o que ela gostaria de experimentar. No começo, ficava preocupada com quem ela estava saindo, então sempre tinha isso de compartilhar localização e me contar como foi. Ela se sentia muito animada para falar disso."

Para a filha, falar sobre a sexualidade da mãe é algo natural e saudável — indo no oposto dos comentários no post da página de Angélica, que falavam em "desvirtuamento" da data e até de "inversão de valores". "Sexualidade da mãe diz respeito a um filho?", questionou uma crítica da sugestão da marca da apresentadora.

A gente tenta colocar a mãe muitas vezes nesse lugar de imaculada, como se o único papel na vida dela fosse ser mãe. As pessoas ainda têm essa doutrina que a partir do momento que a pessoa é mãe, algo morre dentro dela que ela deixa de ser mulher. Acho que isso é um problema, um grande tabu.
KarymyGonçalves

Papo reto

Karymy não é a única filha que não vê problemas em presentear a mãe com brinquedos sexuais. A publicitária Beatriz*, 27, resolveu dar uma mãozinha para a mãe na data comemorativa do ano passado. Desde a adolescência, ela diz ter conversas sobre sexualidade com a mãe, que, segundo ela, a instruía a respeitar desejos e limites.

"Certa vez, estávamos conversando sobre sexo e ela comentou que 'os tempos áureos' dela tinham passado e que agora ela fugia de sexo, porque doía muito, devido a um ressecamento vaginal originado pela menopausa. Perguntei então se lubrificante não ajudava e ela me respondeu que nunca tinha usado. Foi aí que surgiu a ideia de presenteá-la com o gel para que ela pudesse ao menos fazer uma tentativa", conta a publicitária.

O produto utilizado, que também serve como massageador, gerou um desconforto inicial no dia da celebração. No entanto, tudo mudou quando ele foi testado. "Ela ficou um pouco sem graça, mas, dias depois, veio me contar a experiência toda feliz."

Laís - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A educadora sexual Laís deu de um vibrador para a mãe no feriado do ano passado
Imagem: Arquivo pessoal

Já a escritora e educadora sexual Laís Conter, 34, optou por presentear a mãe com um bullet, vibrador pequeno que massageia o clítoris e a vulva, durante um Dia das Mães de isolamento social. "E foi com um lubrificante excitante. Essa ideia surgiu quando a gente começou a conversar um pouco mais sobre sexualidade e ela começou a se mostrar mais interessada nesse universo."

No caso dela, as conversas sobre sexualidade com a mãe começaram só depois da fase adulta.

Na adolescência, ela era mais fechada, mais conservadora. Com o tempo, ela foi se abrindo. Não sinto mais vergonha de falar, porque estou falando como uma mulher adulta, divorciada, como ela. A gente tem muitas coisas em comum. É interessante saber como ela lidava com algumas questões antigamente. E como é para ela hoje em dia também. Depois de adulta, minha mãe virou minha amiga. Ela é ainda minha mãe, mas também minha amiga.
Laís Conter

Laís acredita que ainda há uma censura ao falar sobre a sexualidade das próprias mães. "Demorei também para entender isso. Tem muito essa coisa de 'ai, não quero saber se meus pais transam'. Óbvio que eles têm uma vida sexual também. Pelo menos se espera que eles tenham. A sexualidade é para a vida toda, não é só da juventude."

Não é só pras solteiras

Um vibrador também foi o presente que a publicitária Thera Suhett, 27, escolheu para a mãe no ano passado. Na ocasião, a mãe dela havia terminado um casamento de sete anos e a ela pensou que poderia ser um bom momento para presenteá-la com um brinquedo sexual.

"Mesmo se ela estivesse casada, eu daria o vibrador, porque não acho que é um presente só de solteiras", defende. "Mas ela não esperava, foi muito uma surpresa. Foi super descontraído. Ela ficou brincando, me chamando de safada. Ela até gravou um vídeo da reação e mandou no grupo de amigas."

Falar sobre sexualidade nunca foi um tabu na casa de Thera — a mãe, por sua vez, é a pessoa com quem mais sente liberdade de falar sobre intimidades.

A gente sempre conversou muito. Minha mãe foi a primeira pessoa na pré-adolescência a abordar esses assuntos de uma maneira mais séria. Em casa, nunca foi um tabu. Ela me educou sobre o que acontecia, como funcionava e como eu poderia me proteger. Na época, tinha gente que acreditava de forma errada que se sentasse em uma cadeira quente que um homem acabou de levantar, você engravidava. E ela sempre explicou essas coisas para que eu de fato tivesse informação
Thera Suhett

Para ela, as mulheres — mães e filhas — são condicionadas a ter uma sexualidade muito reprimida. "É como se fosse um pecado super grave. E as pessoas sentem um peso ainda maior porque as mães são colocadas em um pedestal, porque é um ser sagrado imaculado que não deve fazer nada a não ser exercer a maternidade. Acho que o acesso à informação, com as redes sociais, tá ajudando a quebrar isso", diz.

Beatriz também acredita que há uma disparidade de tratamento sobre o assunto quando a maternidade é envolvida.

Somos educados a acreditar que o sexo e sensualidade estão atrelados a jovialidade, a vida de solteiro e que, depois que casamos e criamos família, o fogo se apaga e as obrigações do dia a dia te consomem por inteiro. É como se tivéssemos que escolher entre ser mãe ou mulher, pois a sociedade e até mesmo nós mesmas temos dificuldade em entender que podemos ser os dois.
Beatriz

Apesar de as filhas ouvidas pela reportagem se sentirem confortáveis de falar sobre o tema e presentar as mães com brinquedos sexuais, Laís ressalta que é importante respeitar o tempo de cada relação familiar.

Entendo que para muitas pessoas pode ser esquisito dar um vibrador de presente para a mãe, porque não é comum termos esse tipo de abertura com elas. Infelizmente, a sociedade criou todo um estigma em torno da sexualidade e do sexo e são poucas as famílias que têm essa abertura. Mas, para quem está disposto, acho válido. Mães também gozam e sentem prazer. Ninguém é mais evoluído por dar um vibrador de presente. São apenas relações diferentes e todas merecem respeito.
LaísConter

* Sobrenome ocultado a pedido da entrevistada.

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