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'Não sei explicar, senti ligação': ela decidiu dar corda a indiano no Insta

Sindy e Hamza se casaram em 2015, na Índia; para ela, Ocidente tem visão preconceituosa sobre o Oriente Médio - Arquivo pessoal
Sindy e Hamza se casaram em 2015, na Índia; para ela, Ocidente tem visão preconceituosa sobre o Oriente Médio Imagem: Arquivo pessoal

Camila Corsini

Do UOL, em São Paulo

05/02/2023 04h00

Um completo desconhecido, de outro país, comenta sua foto no Instagram. Você dá corda ou apaga?

A goiana Sindy Guimarães, de 30 anos, decidiu não ignorar uma mensagem enviada pelo indiano Hamza Mohammed, com quem ela nunca havia conversado. Um ano depois, casou-se com o homem muçulmano e mudou-se para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Hoje, eles têm dois filhos.

A Universa, Sindy falou sobre como conheceu Hamza Mohammed e fez um alerta: apesar de seu caso ter tido um final feliz, ela não recomenda que sigam seus passos. "Tem muita gente perigosa."

Primeiro contato

"Era dia 15 de maio de 2014, eu estava ajudando minha mãe com a louça do jantar para ir dormir. Na época, devia ter uns 150 seguidores no Instagram entre família, pessoas do trabalho e faculdade, além de alguns amigos virtuais que fiz por meio de hashtags. Então, qualquer interação de fora deste círculo me chamava a atenção.

Quando o comentário do Hamza apareceu, pensei: 'Quem é esse fulano aqui?'. Ele comentou que me achou muito bonita, bem clichê. Mas, de cara, me chamou a atenção o fato de o perfil dele não ter 500 selfies. Quase não tinha foto dele — só pinturas, trabalhos de faculdade, projetos. Ele é apaixonado por fotografia. Gostei de ver que era alguém das artes.

Resolvi responder, não sei o motivo. Trocamos algumas mensagens e outras curtidas — em pouco tempo, a gente começou a conversar como se conhecesse há 10 anos. Tínhamos muitas coisas em comum, como gostar de Yu-Gi-Oh! e Sakura Card Captors (desenhos famosos dos anos 2000).

Juntos, eles têm dois filhos: um nasceu em 2018 e outro em 2021 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Juntos, eles têm dois filhos: um nasceu em 2018 e outro em 2021
Imagem: Arquivo Pessoal

Foi um sentimento de que você não precisa falar muito para entender. Sentimos uma ligação. Minha mãe sempre foi a minha melhor amiga e ela ficou muito impactada com tudo, porque ela participou de perto do nosso relacionamento e viu como aconteceu.

Minha mãe falou que, dos namorados que eu tive, ele era o que estava mais longe e o que mais se fazia presente. Não arrumava desculpas. Gostava de mim e fazia o possível para estar ali

Eles [Hamza e minha mãe] conversavam, combinavam surpresa para mim. Se eu estava em um dia ruim, ele pedia para ela me comprar chocolate. No Dia dos Namorados, me mandou flores.

Hamza nunca me pediu em namoro, nunca tivemos esse passo. Ele nunca me pediu em casamento também.

Nós tínhamos tanta certeza de que queríamos ficar juntos. Hoje, não sei se teria essa coragem. Não sei como a gente fez isso. Fizemos nossos pais passarem por tanto perrengue

É um sentimento que não consigo explicar. Mas não indico para ninguém e peço para que todos tenham muito cuidado. Tem muita gente perigosa. Um alerta que sempre tento deixar é que funcionou comigo porque sempre fomos muito transparentes.

Fazíamos chamada de vídeo com todo mundo, mostrávamos nossas famílias. Ficamos meses nisso, o que deixou meus pais mais seguros.

Tem de ser meio FBI, para nossa própria segurança. Digitei o nome dele no Google e achei coisas de 2005. Não queria entrar em uma furada. Na primeira oportunidade que eu descobrisse uma mentira, nada mais faria sentido

Encontro e casamento

Como a gente nunca teve isso de casar, a gente só pensava em ficar junto. Ele não teria problemas em vir para o Brasil, mas os negócios deles estavam em Dubai. No Brasil, em Goiânia, era professora de inglês e estava terminando a faculdade de jornalismo.

Para acelerar o processo, tomamos a decisão de eu pegar aulas de manhã e à tarde na faculdade, além de aos sábados. A ideia era concluir o curso em 2014. Só que, para isso, eu não conseguiria trabalhar. Ele passou a me enviar o dinheiro que eu precisava.

Contava certinho o dinheiro do ônibus, dos xerox e da minha alimentação — não queria que ele me mandasse nada a mais ou pensasse que estávamos juntos por interesse

Hamza optou por não contar isso aos pais dele, mas deixou ao meu critério falar para os meus. Meu pai ficou preocupado de eu abandonar minha independência financeira para terminar a faculdade, mas percebeu que a atitude dele mostrava que Hamza se importava comigo e com o meu futuro.

Ele se preocupava que eu terminasse a faculdade antes de me mudar

Fui para Dubai pela primeira vez no dia 6 de outubro de 2014, quase cinco meses depois que começamos a conversar. Precisava terminar o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) e resolvi falar sobre o Oriente Médio. Foi a justificativa que usei para explicar aos meus professores que passaria 20 dias fora, perdendo provas e trabalhos.

Quando ele foi me buscar no aeroporto, disse que não acreditou quando me viu e se escondeu atrás de uma pilastra. Ele chegou lá com 6 horas de antecedência, estava muito ansioso e não queria me deixar esperando.

Imagino como foi para a família do Hamza me receber. Eles sempre foram muito cordiais e respeitosos comigo, mas imagina para eles: tradicionais, muçulmanos, e o filho traz uma mulher branca, do Ocidente, falando que ia se casar. Imagino o pé atrás que eles tiveram

Voltei ao Brasil dia 26 de outubro, deixei Hamza chorando e com a promessa de que ele iria me visitar em dezembro e eu voltaria em definitivo em janeiro.

Ele não quis esperar e, assim que o visto dele foi aceito, foi o tempo de achar a passagem e comprar. Em novembro ele já estava comigo de novo, no meu país, e ficamos juntos por mais três meses.

Coloquei uma vida em duas malas, doei muitas coisas do meu trabalho como professora e minhas roupas, e fomos para Dubai. Eu não sabia como explicar, mas sabia que daria certo

Um dia, meu sogro me chamou na sacada depois do jantar e me mostrou uma estrela. Pediu para eu fazer um pedido em silêncio. Eu só queria meus pais presentes na cerimônia do meu casamento.

Eu estava feliz, com a pessoa que eu amava, mas não tinha eles. E meu sogro anunciou que levaria meus pais para a Índia [onde seria o casamento]

Deu passagem, hotel e toda a estrutura para eu ter meus pais naquele dia. Eu o abracei, ele ficou todo desconcertado porque muçulmanos não têm o costume de abraçar pessoas do sexo oposto. Choramos muito.

Desde 2015, o casal mora em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Desde 2015, o casal mora em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos
Imagem: Arquivo Pessoal

A partir daquele momento meus pais relaxaram, porque viram que eu estava sendo bem acolhida pela família do meu marido. Quando saí do Brasil, senti muita culpa.

Nossa festa de casamento foi na Índia, no dia 10 de maio de 2015, um ano depois da primeira mensagem. Engravidei no final de 2017 e, em 2018, nasceu nosso primeiro filho. Em 2021, nasceu nossa filha.

Não é muçulmano 'de verdade'

Mesmo com todas as diferenças culturais, o que mais me impactou foi perceber que o Ocidente tem uma visão muito preconceituosa e estereotipada sobre o Oriente Médio. Eu vi o mundo de uma outra maneira.

Sempre recebo muitas mensagens racistas, falando que meu marido vai me bater e me fazer uma máquina de fazer filhos. Isso me impactou mais do que qualquer conflito em um relacionamento interreligioso e intercultural

Eu sabia poucas coisas da cultura, nem Dubai era tão famosa naquela época. Tudo o que eu sabia sobre o islamismo era por notícias de ataques terroristas e grupos extremistas. Não paramos para pensar que existem pessoas comuns que praticam a religião sem incomodar ninguém.

Tenho uma sogra religiosa, que reza cinco vezes ao dia, e que vai a Meca [cidade sagrada do islamismo na Arábia Saudita] duas vezes por ano. Eu sou tatuada, tenho cabelo colorido e sou cheia de piercings. Eles não me julgam

Gosto de mostrar a cultura do Oriente Médio. Nas minhas redes sociais, mostro o Hamza trocando fralda da nossa filha, lavando louça, sendo romântico. E recebo mensagens falando que, por isso, ele não é muçulmano de verdade. Que, se fosse, não me deixaria ser assim. Isso me machuca mais do que qualquer outro choque cultural.

Ele me respeita como eu sou. No Natal, veste roupa de elfo e me ajuda com as surpresas das crianças. Na Páscoa, usa orelha de coelho e traz ovo de chocolate para nossos filhos. Nada disso diminui a religiosidade dele.