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'Sou mãe há 3 anos, de garota de 13': ela ganhou guarda após morte da prima

Tamaia e Manu, uma relação de mãe e filha que começou mais tarde - Arquivo pessoal
Tamaia e Manu, uma relação de mãe e filha que começou mais tarde Imagem: Arquivo pessoal

Tamaia Carnelosso, em depoimento a Glau Gasparetto

Colaboração para Universa

17/01/2023 04h00

Antes até de Manuela nascer, há 13 anos, Tamaia Carnelosso, hoje com 36, era encantada pela garotinha que estava a caminho. A gravidez tardia da prima de Tamaia, Miriam, foi festejada pela família. O que ninguém poderia imaginar é que Miriam morreria uma década depois do nascimento da menina, vítima de um câncer de pulmão. Tamaia não teve dúvidas: assumiu a maternidade de Manu. A Universa, ela conta sua história.

"Dava os melhores presentes"

"Quando a Manu nasceu, eu dava os melhores presentes, levava para passear, ao pediatra. Até em reunião de escola e como representante no Dia das Mães eu fui.

Miriam se separou quando Manu tinha 5 anos e levou a maternidade solo a partir daí. Quando foi descoberto o câncer e logo na sequência ocorreu a morte de Miriam foi um baque.

Havia uma criança de 10 anos para ser criada. Os avós são velhinhos com restrições de saúde que impediam que assumissem a responsabilidade.

No dia do velório, o pai da Manu veio conversar. Disse que tinha vontade que ela ficasse comigo, por causa da nossa ligação e da minha estrutura familiar e financeira.

Tamaia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Tamaia sempre participou da vida de Manu, desde a infância
Imagem: Arquivo pessoal

Confesso que já havia pensado em abordar essa possibilidade quando minha prima estava no hospital porque sempre amei muito a Manu. Além do mais, sempre quis ser mãe, mas, por algum problema que ainda não descobri, não conseguia.

No fundo, eu queria ser a mãe da Manu. Sentia um amor diferente. Até brincava que era para ela ter nascido de mim, pois nunca consegui explicar a ligação que a gente tem.

"Casa não era preparada para criança"

O período de internação da Miriam foi muito curto e ela faleceu no dia 26 de dezembro [de 2019]. Refleti bem e decidi falar com meus tios — os avós — sobre ela viver comigo. Disse também que estaria ali para ajudá-los, de qualquer forma.

Olhei para a minha casa, que tem dois quartos e um deles era o da bagunça com um guarda-roupa cheio de caixas.

Miriam e Manu - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Miriam engravidou aos 44 anos de Manu; morte da mãe biológica ocorreu quando a menina tinha 10 anos
Imagem: Arquivo Pessoal

Naquele momento me ocorreu também que o ano letivo começaria em uma semana e eu precisava receber uma criança e encontrar uma escola.

Era casada e minha vida era a de um casal sem filhos, que ficava o dia fora e ainda trabalhava à noite — tenho uma 'tap house', um bar que produz a própria cerveja. Nem minha casa nem minha rotina eram preparadas para uma criança.

"Sonho parecia estar se realizando"

Tamaia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Tamaia mudou rotina para receber Manu; hoje tem guarda da menina
Imagem: Arquivo pessoal

Não queria recebê-la de qualquer jeito. Na casa em que ela morava com a mãe, havia apenas um cômodo e elas dividiam a cama. O sonho da minha prima era dar um quarto para a Manu. E ela sonhava com um quarto rosa.

Enquanto meu pai pintava o cômodo, eu e minha mãe adaptamos o restante da casa e corríamos atrás de escola. Fui atrás de bolsas de estudo em particulares. Estava em um momento delicado da empresa e não tinha muita grana disponível.

Meu casamento, naquela época, não ia bem. Estávamos em processo de separação. Mas, com a vinda da Manu, conversamos e resolvemos retomá-lo, para tentar formar a nossa família.

Meu sonho parecia que estava se realizando: tinha uma casa adequada, um marido que estava disposto a tentar fazer dar certo, uma filha, uma nova rotina.

Mas as coisas não acontecem do jeito que a gente quer. A rotina alterada foi pesando. Também não deu certo retomar meu casamento. Veio a pandemia e eu me vi separada, com uma criança de dez anos em casa e tendo de dar conta do bar que estava fechado, funcionando apenas no delivery.

"Deixei empresa e casamento de lado"

Minha rotina antes da Manu era trabalhar o dia inteiro, dormir e acordar tarde. Mal cozinhava nem ficava em casa. Era focada só no bar e no meu ex-marido.

Quando ela chegou, minha atenção se voltou 100% para ela, porque tudo era novo. Tive de lidar com aquela fragilidade da menina que acabou de perder a mãe.

Para quem sempre trabalhou à noite — primeiro como enfermeira, nas madrugadas, e depois na 'tap house' —, me vi acordando às 6 horas para levá-la à escola. Deixei a empresa e o casamento de lado.

"Sou a tutora legal"

Manu - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Manu em festa de 13 anos; hoje é Tamaia quem participa de festinhas e reuniões na escola
Imagem: Arquivo pessoal

Em abril de 2020 começou o processo de guarda da Manu. Enviamos fotos nossas, do quarto novo dela, da minha casa, de todos os anos anteriores em que vivemos juntas, além do comprovante de que estava estudando em colégio particular.

No dia 18 de agosto de 2020 chegou a documentação da guarda e, para nossa surpresa, veio como definitiva. Acreditamos que isso aconteceu porque viram que era um lar que dava toda a segurança e bem-estar para Manuela.

Hoje sou a tutora legal da Manu. Não tenho o processo de adoção porque o pai dela ainda quer ser representante legal — ele disse que não quer perder essa parte parental. Independentemente de papel ou não, ela é minha filha e sou responsável por ela.

"Perdemos muito, e ela me ajuda"

No meio desse processo todo, perdi meu pai para a covid. A Manu foi o meu alicerce.

Ela me conta que, quando a mãe biológica morreu, não tinha mais vontade de viver, pois achava que tinha perdido tudo. Ao vir morar comigo, descobriu uma nova razão. Sempre falamos da Miriam em casa, fazemos uma oração. A Manu entende que aquilo tinha de acontecer e a nossa vida, ser do jeito que é hoje.

Vi que não posso ficar chorando, pois tenho uma vida, uma filha, uma casa, uma empresa. Minha postura precisou mudar.

"Não foi como sonhava, mas é ainda melhor"

É claro que, às vezes, sinto dúvidas porque sou mãe há só três anos de uma garota de 13 anos.

Sinto falta de um companheiro para dividir algumas situações. É difícil até participar de reuniões, tanto na escola como dos amigos da Manu, que agora é uma adolescente e está sempre querendo encontrá-los, ir a festinhas, ao shopping.

Sei que ainda estou apenas no começo disso, mas é maravilhoso ter ela por perto.

Trouxe muita bagunça, cor e força para meu dia a dia. A gente tem uma vida muito legal e bem diferente das demais famílias. Não foi como eu sonhava, mas é ainda melhor, porque eu tenho Manu comigo e hoje ela me chama de mãe.