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Futuro da pílula: pesquisas focam em menos hormônio e em remédio unissex

Getty Images/EyeEm
Imagem: Getty Images/EyeEm

De Universa, em São Paulo

08/09/2022 04h00Atualizada em 03/03/2023 15h12

Há 60 anos, a pílula anticoncepcional chegou ao mercado brasileiro alterando comportamentos. Ela foi considerada uma "revolução sexual" para as mulheres mas, seis décadas depois, perdeu espaço em um movimento de usuárias que se queixavam de seus efeitos colaterais e receios de riscos a longo prazo, como a trombose.

Universa entrou em contato com pesquisadores de uma farmacêutica que lidera o mercado de pílulas no Brasil e de um instituto de pesquisa para entender quais são as apostas para modernização.

A Libbs, fabricante do Iumi, aposta no contraceptivo Nextela, que aguarda aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para ser vendido. O produto, segundo a empresa, tem menor impacto no organismo porque é melhor assimilado pelo fígado. A substância usada é o estetrol, sintética, de origem vegetal e idêntica molecularmente ao estrogênio produzido no corpo, associada à drospirenona, que também tem propriedades farmacológicas próximas às da progesterona natural.

Além disso, estudo publicado na Revista Internacional de Ginecologia e Obstetrícia demonstra que o medicamento, quando comparado aos efeitos de outros hormônios do mesmo tipo usados em anticoncepção oral tem risco menor de trombose, explica o ginecologista Achilles Cruz, médico consultor da linha de saúde feminina da empresa. A expectativa é que o Nextela chegue ao mercado em 2023.

Com hormônio descoberto em 1960, remédio será menos nocivo

O estetrol foi descoberto na década 1960, identificado pela primeira vez na pela urina de uma mulher grávida. As pesquisas levaram ao reconhecimento de que esse hormônio é produzido pelo fígado do feto e focaram em estudos para avaliação do bem estar fetal. Apenas nos anos 2000, as pesquisas com a finalidade de anticoncepção e outros tratamentos foram retomadas.

"Ele é bastante peculiar porque seu efeito hepático é mínimo. De todos os estrogênicos reconhecidos é o que menos impacta no metabolismo das gorduras, dos carboidratos. Existe uma grande expectativa de que chegamos numa combinação muito próxima do que seria ideal, de uma pílula com eficácia elevada muito alta e melhora do perfil de seguranças, com melhor impacto no organismo", diz Cruz.

Os últimos estudos da pílula com estretol foram finalizados em 2019. Em 2021, o FDA (Food and Drug Administration, agência reguladora dos Estados Unidos) e a EMA (European Medicines Agency, órgão regulador de medicamentos da Europa) aprovaram o registro e sua comercialização.

E a pílula masculina?

Pílula masculina tem sido estudada desde a década de 1960 - Peter Dazeley/Getty Images - Peter Dazeley/Getty Images
Pílula masculina tem sido estudada desde a década de 1960
Imagem: Peter Dazeley/Getty Images

"Existe uma brincadeira no meio de quem estuda contracepção masculina: há 50 anos estamos a dez anos de um contraceptivo masculino", brinca o pesquisador Erick José Ramos da Silva, professor do Departamento de Farmacologia do Instituto de Biociências de Botucatu, da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Ele estuda contracepção masculina desde o seu doutorado, em 2009, e coordena uma pesquisa que estuda uma proteína capaz de impedir a mobilidade do espermatozoide em nadar até o óvulo, o que pode ser central para o desenvolvimento de anticoncepcionais masculinos.

"Estamos produzindo conhecimento, identificando alvos e estratégias que possam ser utilizadas para o eventual desenvolvimento de um medicamento. Fazemos ensaios utilizando modelos animais, uma fase pré-clínica de descoberta."

Segundo ele, fatores biológicos e econômicos impediram, até hoje, a chegada do remédio no mercado.

"Estratégias farmacológicas existem [para produzir o contraceptivo masculino]. Mas o próprio sucesso da pílula feminina foi crucial para que a masculina ficasse em segundo plano". Erick José Ramos da Silva, pesquisador

"A preparação feminina inibe a ovulação de um óvulo por mês por ciclo. Um contraceptivo masculino teria que impedir a produção de milhões de espermatozoides por dia do homem ou inativar outros milhões que estão no sêmen", explica. "Mas a pílula masculina é perfeitamente viável e é uma estratégia que já vem sendo testada em humanos, em testes clínicos, há mais ou menos 40 anos."

Para o professor, a pílula masculina representaria uma segunda revolução na área da contracepção. "Colocaria um homem numa posição de dividir, com a mulher, o fardo e as tarefas associadas à contracepção. Sabemos que hoje, basicamente, tudo é concentrado na mulher: desde o fato de ir à farmácia, lembrar de usar, passar pelos efeitos colaterais, se preocupar com interações medicamentosas e assim por diante", afirma o pesquisador.

"É inadmissível que a nossa sociedade, com todo o avanço científico e tecnológico, tenha chegado 60 anos depois que a pílula feminina e a gente ainda não têm uma pílula masculina. A ciência trabalha diariamente para que isso aconteça."

Contracepção unissex

Outra perspectiva importante para o futuro das pílulas, aponta o pesquisador, é a "dual contraception", que em português pode ser traduzido para contracepção unissex, com métodos voltados tanto para mulheres quanto para homens. Mas o pesquisador aponta que, apesar de bastante promissora, as pesquisas ainda estão em fase inicial, ou seja, com estudos em animais ou in-vitro.

"Essas preparações focam na inativação do espermatozoide: o homem poderia tomar porque teria esse princípio ativo chegando no local em que o espermatozoide é armazenado no testículo, o que bloquearia sua mobilidade quando ele fosse ejaculado; mas a mulher também poderia usar porque, no fluido uterino, essa droga também poderia bloquear o espermatozoide quando ele chegasse no corpo da mulher."

O que pode dificultar o desenvolvimento de ambos os medicamentos, diz o pesquisador, é a falta de interesse da indústria farmacêutica. "Nos últimos 25 anos, a indústria, que poderia trazer seu poderio de recurso financeiro e de capacidade de pesquisa para criar um produto, fechou praticamente todas as suas divisões de pesquisa em contracepção masculina. Hoje, basicamente, está tudo na base de universidades ou startups farmacêuticas", diz.