Topo

Goleira da seleção: 'Gosto de fazer grandes defesas e ver a torcida vibrar'

Lorena Silva, goleira da Seleção Brasileira de futebol, não tomou nenhum gol durante a Copa América  - Morgana Schuh | Grêmio FBPA
Lorena Silva, goleira da Seleção Brasileira de futebol, não tomou nenhum gol durante a Copa América Imagem: Morgana Schuh | Grêmio FBPA

De Universa, São Paulo

28/08/2022 04h00

O nome é Lorena da Silva, mas pode chamá-la de baliza zero na Copa América de futebol feminino. Titular da Seleção Feminina Brasileira de futebol, ela foi a primeira goleira a terminar a competição sem sofrer nenhum gol. "Para mim, foi a realização de um sonho. É o primeiro campeonato que eu não levo nenhum gol. É inimaginável viver isso, ainda mais representando meu país", disse em entrevista a Universa.

Apesar do sucesso e bom rendimento, sua vida não começou abaixo da trave. "Gostava de jogar bola na rua desde criança com meus amigos de infância. Todos os sábados, fazíamos partidas que valiam um refrigerante de prêmio", conta. Antes do jogo, era feita uma vaquinha para comprar garrafas de dois litros de Coca-Cola. Nessa época, ela jogava na linha. Seu lugar no gol veio depois da mãe de um desses amigos não deixar o filho jogar a final.

"Um sábado, a mãe do goleiro não quis deixar ele jogar a final do campeonato. Então eu disse: 'galera, eu vou para o gol e vocês lá na frente vão ganhar a partida. Eu tinha uns 10 ou 11 anos. Nesse dia, fiz grandes defesas e meu time foi campeão", diz. Desde então, ninguém mais deixava ela jogar na linha. "No outro jogo, me falaram que eu tinha que ficar no gol. Peguei meu primeiro pênalti e gostei da vibração dos meninos", conta a atleta.

Movida pela vibração

Quem percebeu o talento da menina que jogava com os meninos na rua foi um processo de uma escolinha de futebol de sua cidade natal, Ituverava. "Ele me levou para fazer uma peneira no Santos. Fiz como zagueira, mas não passei. Percebi que correr não era minha praia. Meu negócio é fazer grandes defesas e ver as pessoas vibrarem", conta.

O sonho de ser jogadora sempre existiu. Segundo Lorena, ela dizia para sua avó desde jovem, quando passavam os jogos da seleção na TV, que um dia seria ela ali. Aos 14 anos, ela já tinha 1,79 m de altura e mesmo com porte físico ideal para outros esportes, nunca perdeu o foco da bola. "Eu gostava de praticar outros esportes, mas o que amava mesmo era jogar futebol", conta.

Carreira profissional

O primeiro time profissional em que Lorena jogou foi o Bangu, que tinha sua sede no Guarujá, litoral de São Paulo. Lá, ela chamou a atenção de Ricardo Navarro, preparador de goleiros da Seleção Olímpica que ficou com a medalha de prata nas Olimpíadas de Pequim em 2018. "Ele gostou muito do meu trabalho e me levou para treinar na base do futebol feminino do centro olímpico quando eu tinha 15 anos. Ele foi meu primeiro treinador de goleiros", conta Lorena.

Passada uma década, hoje Lorena tem 25 anos, muito mudou no futebol feminino. A categoria está mais valorizada e há um interesse maior do público pelos jogos. Mas ainda está longe de atingir os mesmos patamares financeiros do futebol masculino. Enquanto o Corinthians, time campeão do Campeonato Brasileiros de Futebol Feminino em 2021 ganhou R$ 290 mil reais, o Atlético Mineiro, que venceu o campeonato masculino, embolsou R$ 33 milhões.

"Acho importante os clubes estarem abraçando a ideia de que o futebol feminino é uma realidade e que as atletas precisam começar na modalidade desde cedo, como acontece no masculino. Mas o esporte está cada vez melhor e com torneios competitivos", Lorena. Para ela, o que mudou desde sua época é exatamente isso: o incentivo às mulheres no esporte.

E em um ano que já vimos diversas cenas de violência em campo, inclusive com agressão a uma árbitra assistente por um membro da comissão técnica do time da Ferroviária, a goleira diz que já ficou muito triste com ataques machistas e preconceituosos que ouviu no campo.

"Não lembro de situações específicas, mas, às vezes, a torcida grita: 'que jogo chato' ou 'mulher não sabe jogar bola'. No começo eu ficava triste, porque era muito novinha, mas aprendi que quem faz isso é uma minoria e que muitas pessoas apoiam o futebol feminino. Quando mais eles falavam, mais eu treinava para mostrar que o nosso futebol é tão bom quanto o dos homens", conta.

Vestindo a amarelinha

Lorena é a primeira atleta do time do Grêmio, que hoje está em oitavo na tabela do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, a ser convocada para a seleção. "Foi uma grande surpresa. Me lembro que eu estava no meio do treino e colocaram uma caixa de som para ouvirmos a convocação. As meninas gritaram e eu fiquei emocionada. Foi uma alegria que não coube no peito", conta Lorena.

Lorena foi homenageada por seu desempenho na Copa América com a seleção no estádio do Grêmio -  Lucas Uebel | Grêmio FBPA -  Lucas Uebel | Grêmio FBPA
Lorena foi homenageada por seu desempenho na Copa América com a seleção no estádio do Grêmio
Imagem: Lucas Uebel | Grêmio FBPA

Ela fez sua estreia no gol da seleção durante um jogo do Torneio de Manaus entre Brasil e Venezuela. A vitória veio fácil: Brasil fez 4x1 no time do país vizinho, e Lorena conta que nunca mais vai esquecer esse momento. "A primeira vez a gente nunca esquece. Foi uma mistura de sentimentos e um frio na barriga muito grande por estar representando meu país. É algo indescritível", conta.

Perguntada se já está sonhando com as Olimpíadas em Paris de 2024, a goleira se mostrou muito pé no chão. Esse caminho será traçado uma defesa por vez. "O sonho de qualquer atleta é trabalhar para chegar à Seleção Brasileira. Mas tenho que trabalhar bastante no meu para, primeiro, defender bem meu time para continuar tendo oportunidades.

Com o sonho de ser a melhor goleira do mundo, Lorena contou que sua participação na seleção fez com que ela se tornasse um exemplo para várias meninas que estão começando no esporte. "Antes eu recebia poucas mensagens, agora recebo várias. Me emociona demais. Quero ser esse exemplo. Quero que pensem 'meu sonho é ser como a Lorena'", conta a goleira. Pelo jeito, temos muito o que agradecer a mãe daquele colega que não o deixou jogar a final do torneio do refrigerante.

E, ah, antes que a gente esqueça. Ela tem um segredo para ter saído da Copa América sem tomar nenhum gol. É acreditar que nenhuma bola está perdida. "Sempre penso que vou pegar todas", finaliza.