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Após anos excluído do futebol, ele voltou a jogar em time de pessoas trans

Pedro Eduardo Vieira dos Passos, de 27 anos, joga no Meninos Bons de Bola há seis anos - Arquivo pessoal
Pedro Eduardo Vieira dos Passos, de 27 anos, joga no Meninos Bons de Bola há seis anos Imagem: Arquivo pessoal

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

20/07/2022 04h00

Quando Pedro Eduardo Vieira dos Passos era criança, em Barueri (SP), "tudo girava em torno do futebol": "Tinha uma paixão enorme, quase doente" pelo esporte, lembra. Mas, embora se destacasse bastante nas escolinhas, dois fatores impediram que ele seguisse carreira como jogador: a falta de estrutura financeira da família —é filho de mãe solo, que trabalhava como empregada doméstica e não podia pagar por chuteiras e pela inscrição nas peneiras, por exemplo— e o fato de não ser aceito nem em times masculinos e nem em times femininos.

Só depois dos 20, quando já tinha desistido do esporte, mesmo como lazer, Pedro se reencontrou com o futebol enquanto passava por um processo de transição de gênero e, em 2016, conheceu o Meninos Bons de Bola, um dos primeiros times de futebol para homens trans do país.

"Eu estava muito focado na minha transição de gênero quando o futebol surgiu de novo na minha vida. Achei que não ia mais acontecer, já tinha desistido", lembra. "Juntou o útil ao agradável: o futebol, que eu sempre amei, e a troca de experiência com outros caras trans —no começo da transição, achava que era só eu, que era único passando por aquilo, sentia falta de representatividade. Foi uma explosão de êxtase, não tenho nem como definir."

O MBB —sigla para Meninos Bons de Bola— nasceu há seis anos e, com o tempo, passou a aceitar também mulheres trans e pessoas não binárias. Hoje, cerca de 35 atletas se reúnem todos os domingos em uma escola no centro da cidade, que empresta a quadra para o time treinar, com a ajuda de uma treinadora e um técnico voluntários.

Meninos Bons de Bola - Divulgação/Brskphoto - Divulgação/Brskphoto
Imagem: Divulgação/Brskphoto

Representatividade

"Até uns 12, 13 anos, eu participava das escolinhas de futebol de bairro, mas, quando tinha campeonato, eu era excluído. Mesmo me destacando nos treinos, não podia jogar com os meninos e não tinha time de meninas. Eu ficava extremamente frustrado", conta Pedro, que hoje trabalha como bartender. "E, por não entender muito bem minha identidade, tinha problemas comportamentais, como transtorno de humor."

A história de Pedro é bem semelhante à dos outros meninos que jogam no MBB: como ele, os outros atletas —a maioria homens trans e transmasculinos— se reencontraram com o esporte dentro do time. "Muitos deles participavam de times femininos antes da transição, mas não se identificavam ou tinham que mudar a postura porque não podiam 'parecer homem' ou 'parecer sapatão'."

"Nós, pessoas trans, sofremos uma violência muito grande ao tentar acessar o esporte, principalmente na infância. Não nos encaixamos no futebol feminino, mas também não somos lidos como homens para entrar no masculino. Isso impede a gente de jogar futebol, seja de forma amadora ou profissional."

Aqui, a gente pode se realizar, ser os jogadores que um dia sonhamos ser, do nosso jeito, com os nossos corpos.

O Meninos Bons de Bola tem recebido nos treinos, aos domingos, um menino trans de 13 anos que passa pela transição com o apoio da família.

"É uma experiência incrível, porque a gente volta no tempo e se vê nele. Se, aos 13 anos, minha família tivesse entendido que eu precisava de apoio psicológico e que o esporte tinha um papel tão importante nesse processo, minha vida teria sido outra. Ao mesmo tempo, é muito bom ver que a nossa luta não foi em vão e que essas crianças têm espaços para praticar esporte", diz Pedro.

Meninos bons de bola - Divulgação/Mavo e Gustavo Dantas - Divulgação/Mavo e Gustavo Dantas
Imagem: Divulgação/Mavo e Gustavo Dantas

Transfobia

O time atualmente tem parceria com algumas marcas que apoiam a presença de pessoas LGBTQIA+ no esporte —entre elas a Nike. Isso ajuda os atletas a pagar pelo material e ter local para treinar, por exemplo, mas, no começo, "foram muitos domingos andando sem rumo para achar uma quadra pública", lembra Pedro, que foi um dos primeiros atletas do MBB.

Ele conta que, durante o período em que treinaram no Parque da Juventude (zona norte de São Paulo), por exemplo, foram vítimas de transfobia de forma bastante escancarada —a violência chegava a ser física. "Tinham outros caras que treinavam lá e forçavam a entrada na quadra ou pediam para jogar junto com a gente, mas eram muito agressivos e entravam para machucar mesmo, proferiam xingamentos, chamavam os meninos de 'ela'."

Nas redes sociais, o MBB também sofre ataques, desde comentários preconceituosos até denúncias de conteúdo —o que, recentemente, derrubou a conta do time no Instagram e fez com que os atletas ficassem sem acesso por quase três semanas.

"As coisas estão mudando, melhorando, mas a passos lentos. A julgar pela importância que o futebol tem para o país, a gente deveria ter progredido mais", lamenta.

Por outro lado, o crescimento do Meninos Bons de Bola inspirou outros times de futebol com atletas trans pelo Brasil: "Há pelo menos cinco ou seis times que nasceram inspirados na gente. Isso prova que estamos no caminho certo".