Topo

JN ignorou mulheres em entrevista com Bolsonaro: o que faltou perguntar?

Jair Bolsonaro (PL) em entrevista ao Jornal Nacional - Reprodução/TV Globo
Jair Bolsonaro (PL) em entrevista ao Jornal Nacional Imagem: Reprodução/TV Globo

De Universa, em São Paulo

23/08/2022 11h55

O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, foi o primeiro sabatinado neste ano pelo Jornal Nacional na noite de ontem, segunda-feira (22). Em entrevista a William Bonner e Renata Vasconcellos, Bolsonaro mencionou o termo "mulheres" uma única vez, ao dizer que "pacificou o MST, titulando terras pelo Brasil" e que "90% dessa titulação foram para as mulheres". Em nota enviada a Universa, o grupo "Nós, Mulheres Sem Terra" em conjunto com o Setor de Gênero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra declarou "repúdio ao pronunciamento feito por Jair Bolsonaro" e ainda afirmou que "o governo Bolsonaro paralisou as políticas de Reforma Agrária, não assentando nenhuma família e, ainda, potencializando os conflitos e a violência no campo".

Nesta semana, Universa vai analisar as questões de gênero -como violência doméstica, insegurança alimentar e saúde sexual e reprodutiva- as sabatinas do Jornal Nacional aos quatro pré-candidatos melhor avaliados nas pesquisas: Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Lula (PT) e Simone Tebet (MDB). Acompanhe.

O que Bolsonaro disse

Jair Bolsonaro não foi questionado diretamente sobre políticas de gênero e mencionou mulheres uma única vez em 40 minutos de sabatina.

Nas considerações finais, quando pôde falar livremente durante um minuto, ele disse que seu governo "pacificou o MST, titulando terras pelo Brasil" e que "90% dessa intitulação foram para as mulheres" —Universa procurou a direção do MST para checar a informação, mas ainda não teve resposta.

Jair Bolsonaro é entrevistado por William Bonner e Renata Vasconcellos no Jornal Nacional  - G1/ Marcos Serra Lima - G1/ Marcos Serra Lima
Jair Bolsonaro é entrevistado por William Bonner e Renata Vasconcellos no Jornal Nacional
Imagem: G1/ Marcos Serra Lima

O que gostaríamos de questionar

William Bonner e Renata Vasconcellos não fizeram perguntas direcionadas a questões de gênero ou políticas para as mulheres -setor em que Bolsonaro tem alta rejeição.

Universa reuniu alguns temas relevantes para as brasileiras que gostaríamos que fossem questionados a Bolsonaro em sabatinas, debates ou entrevistas:

  • Violência contra a mulher e armamento

Cortar investimentos em políticas públicas para mulheres, que norteiam, por exemplo, programas de ajuda a vítimas de violência doméstica, vem sendo prática recorrente dos governos brasileiros desde 2015. Mas desde 2019, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com Jair Bolsonaro como presidente e Damares Alves como ministra, "instituiu-se um movimento de desmonte" das políticas para a população feminina.

Segundo dados levantados pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), a pasta teve um corte de 33% no orçamento para 2022. A provável causa dessa queda de recurso é a falta de investimento em políticas públicas na área nos últimos anos, mesmo com dinheiro disponível, a ponto de o Ministério Público Federal ter aberto um inquérito para investigar a baixa execução do orçamento em 2020 -naquele ano, foram gastos 44% do orçamento previsto.

À mesma medida que corta verbas para o combate à proteção das mulheres, o governo Bolsonaro flexibiliza o acesso a armas de fogo —o que tem relação direta com a violência doméstica e o feminicídio, por exemplo, já que as armas de fogo aparecem em um terço das mortes violentas de mulheres no país.

A ex-ministra Damares Alves ao lado do presidente Jair Bolsonaro - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
A ex-ministra Damares Alves ao lado do presidente Jair Bolsonaro
Imagem: Reprodução/Instagram

  • Aborto e perseguição contra mulheres

Bolsonaro é abertamente contra o aborto, inclusive nos casos previstos em lei -quando envolve um estupro, risco de vida à gestante ou anencefalia do feto.

Em diversas oportunidades, ele disse que "evitaria aborto se sua filha de 11 anos fosse estuprada", como aconteceu com uma criança de Sana Catarina, no último mês de julho, e disse que a interrupção da gravidez é "inadimissível", mesmo nestes casos.

Em junho, o secretário de Raphael Câmara, do Ministério da Saúde, divulgou uma cartilha negando que exista aborto legal no Brasil e sugerindo que governo federal investigue mulheres que fizeram aborto em decorrência de um estupro.

Semanas depois, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos pediu investigações contra os médicos que interromperam a gravidez da menina de 11 anos, em Santa Catarina, em julho —Universa revelou, na sequência, que médicos que realizam o procedimento de forma legal em todo o país se sentem perseguidos pelo governo.

A maior parte da população brasileira, no entanto, discorda do presidente: 83% da população apoia o direito ao aborto em casos de estupro, segundo uma pesquisa ONG Católicas Pelo Direito de Decidir em parceria com o Instituto Ipsos divulgada com exclusividade a Universa.

  • Insegurança alimentar

De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, a fome no país já atinge mais de 33 milhões de pessoas -isso significa que 40% das famílias não conseguem acesso pleno à alimentação.

O que isso tem a ver com as mulheres? Tudo.

Segundo um levantamento feito pelo Centro de Políticas Sociais da FGV Social, 47% das mulheres brasileiras vivem sem saber se vão poder comprar comida no dia seguinte -entre os homens, o percentual é de 26%.

E esse número é bem mais alto nos lares chefiados por mulheres pretas e pardas: sobe para 65%. Em outras palavras, apenas pouco mais de um terço das famílias pretas e pardas fazem três refeições completas por dia.

Ontem, no Jornal Nacional, Bolsonaro falou sobre o assunto, afirmando que distribuiu o auxílio emergencial durante a pandemia e que criou o Auxílio Brasil— o benefício que substituiu o Bolsa Família, no entanto, tem data para acabar: 1º de janeiro de 2023.

O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), posa em foto oficial com os ministros, no Palácio do Planalto, em Brasília - Eduardo Anizelli/Folhapress - Eduardo Anizelli/Folhapress
O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), posa em foto oficial com os ministros, em Brasília
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

  • Representatividade e papel das mulheres em novo governo

Por fim, Bolsonaro não foi questionado e também não mencionou que papel terão as mulheres em seu segundo mandato, caso seja reeleito.

No primeiro mandato, quando tomou posse, em janeiro de 2019, havia apenas duas mulheres em seu quadro de 22 ministros (todos brancos): Damares Alves, no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, e Teresa Cristina, no Ministério da Agricultura -esta chegou a ser considerada para integrar sua chapa como vice-presidente, mas o presidente acabou decidindo pelo general Braga Netto para o posto de candidato a vice.

Agora quantas serão as mulheres em cargos de chefia no governo? E, para além disso: elas serão respeitadas? Terão suas decisões consideradas? A ver.