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Quando pode ter acompanhante? Veja os direitos de grávidas no parto

Juliana Almirante

Colaboração para Universa

14/07/2022 04h00

Diante da repercussão da prisão do médico Giovanni Quintella Bezerra pelo crime de estupro durante um parto, algumas questões podem surgir sobre os direitos das mulheres nesse momento. Para responder a esses questionamentos, Universa ouviu especialistas que esclarecem as normas que devem ser cumpridas durante o parto e o que a mulher pode fazer em caso de violações a seus direitos.

A lei prevê que a mulher grávida tem direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Além do mais, outros direitos são assegurados às gestantes pelas normas brasileiras, a exemplo de contar com um plano de parto, para especificar as práticas que devem ser adotadas durante o procedimento.

Quando pode ter acompanhante?

A lei federal n° 11.108/2005 estabelece que a gestante tem direito a estar acompanhada de uma pessoa antes, durante e após o parto. No entanto, de acordo com a Coordenadora da Especializada de Direitos Humanos e do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública da Bahia, Lívia Almeida, muitas desconhecem esse direito.

"Muitas vezes, a mulher não sabe que tem esse direito e só descobre que não vai ter o acompanhante na hora do parto", afirma a defensora.

Lívia Almeida assinala que é considerada violência obstétrica quando o serviço de saúde não permite a presença de um acompanhante nesse momento. Ela esclarece que a violência obstétrica não necessariamente é praticada pelo médico obstetra e é considerada qualquer violência contra a mulher praticada por qualquer profissional, seja física, moral ou psicológica, antes, durante e após o parto.

A defensora pontua que, em alguns estados do país, normas estaduais restringiram o cumprimento do direito a um acompanhante durante a pandemia. Por conta disso, a Defensoria Pública entrou com ações coletivas e individuais para garantir esse direito.

A advogada Rose Tavares, especialista em Direito à Saúde, destaca que, mesmo no momento da anestesia, o direito de a mulher contar com um acompanhante permanece garantido pela lei.

A advogada pontua que, durante a pandemia, alguns hospitais restringiram a presença do acompanhante por conta das medidas de combate ao coronavírus, porém, frisa que, no início de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu uma recomendação indicando o cumprimento dessa prática.

"Tanto é que várias gestantes ajuizaram ações para garantir que o hospital desse o direito de acompanhante. Quando esses casos chegaram ao Judiciário, não houve entendimento unânime. Alguns juízes entenderam, principalmente no auge da pandemia, que essa lei teria que sofrer exceção, em nome do interesse coletivo. Outros levaram em conta a recomendação da OMS de que as gestantes têm direito a ter um acompanhante", considera.

Quais os benefícios de contar com um acompanhante?

O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) e professor titular de Ginecologia da Faculdade de Medicina do ABC, César Fernandes, ressalta que ter um acompanhante é um direito indiscutível. Por isso, mesmo durante a anestesia ou em qualquer outro momento antes, durante e depois do parto, esse direito deve ser garantido.

"Tem uma série de benefícios: dar mais segurança e apoio emocional, auxiliar e participar, dar todo o conforto que uma pessoa de confiança pode dar em momento de extrema fragilidade", explica.

Ele afirma que uma grávida que dispõe de um acompanhante durante esse momento pode ter um trabalho com tempo reduzido e menos problemas no parto, considerando também os outros fatores que influenciam no procedimento.

O presidente da AMB considera o caso do médico Giovanni Quintella Bezerra um "exemplo macabro que não pode ser entendido como algo que ocorre no dia a dia dos hospitais". Ele afirma, inclusive, que não é prática comum nos hospitais que seja solicitado ao acompanhante que saia da sala, nem no momento da anestesia.

Em entrevista coletiva, pacientes de Giovanni relataram um procedimento que seria adotado pelo médico: sedação total e pedido para que os maridos se retirassem do centro cirúrgico após o nascimento dos bebês.

"Isso não é realidade. O acompanhante deve ficar o tempo todo, exceto se o próprio acompanhante se sentir mal e ele pedir. Tem que ser tudo transparente e às claras", diz César Fernandes. "Mesmo em situações dramáticas, em que a mãe está em risco de vida, ambientes de tensão muito raros, nem nessas circunstâncias precisa sair o acompanhante", acrescenta.

Quem pode ser acompanhante no parto?

A legislação determina que o acompanhante deve ser de escolha da gestante. Portanto, de acordo com a advogada Rose Tavares, o acompanhante não precisa, necessariamente, ser o pai do bebê.

"Pode ser qualquer pessoa de sua confiança, não necessariamente o pai. Pode ser uma amiga, não tem problema", esclarece. A mulher também pode optar por não ter um acompanhante.

Quais são os outros direitos das gestantes no parto?

Os direitos das gestantes no parto estão garantidos pela legislação brasileira e por portarias do Ministério da Saúde. Conforme a advogada especialista em Direito à Saúde, as normas preveem o direito da gestante de ter atendimento justo e humanizado desde o início da gestação até o nascimento da criança.

"Além dessa lei do direito do acompanhante, existe a lei da vinculação à maternidade, que garante que a gestante, no ato de inscrição do programa de assistência pré-natal, tem direito de saber em qual maternidade vai acontecer o parto e pode visitar o hospital para saber as práticas que são adotadas e se sentir segura", explica Tavares.

Toda gestante também tem direito de saber os procedimentos que serão adotados no parto, assim como a finalidade de cada intervenção, os riscos e as alternativas disponíveis.

"Ela também tem direito de fazer plano de parto, que é elaborado entre gestante e equipe médica, por meio do qual vai ser estabelecido o tipo de parto, se vai ser normal ou cesárea, dentre outros procedimentos que serão adotados", complementa.

A defensora Lívia Almeida acrescenta que o plano de parto é bastante amplo e pode incluir detalhes como a posição que a grávida quer ficar durante o parto e se deseja ou não anestesia. No entanto, a defensora pontua que, muitas vezes, o plano de parto não chega a ser apresentado porque os direitos são desconhecidos.

O presidente da AMB ressalta que o plano de parto ainda leva em conta as características da paciente, o seu estado de saúde e as possibilidades que são viáveis para ela. Nesse sentido, ela pode indicar, por exemplo, se deseja fazer um parto normal ou cesárea, ainda que o parto normal seja considerado uma tentativa, que pode se concretizar ou não conforme as condições da mulher.

"O mais importante: o protagonismo do parto é da paciente, não é do hospital, do obstetra, do anestesista, da equipe. É a ela que toda atenção deve ser dirigida e todo o resto é secundário", salienta.

César Fernandes também aponta que, se um procedimento estiver previsto no plano de parto e precisar ser alterado, isso precisa ser discutido pela equipe de saúde junto à paciente.

Caso a paciente não ofereça um plano, cabe à equipe de saúde oferecer uma discussão sobre isso e também buscar atender às expectativas da paciente.

Em relação à anestesia, as mais comuns são a peridural e a raquianestesia. Não há necessidade de sedação, conforme César Fernandes, exceto em casos excepcionais de descontrole emocional, por exemplo.

O que a gestante pode fazer se os seus direitos forem violados?

Se os direitos da gestante forem desrespeitados, a defensora pública Lívia Almeida ressalta que a mulher pode buscar o prontuário médico e ir até a Defensoria da sua cidade. Assim, a defensoria pode propor uma ação indenizatória.

Ela explica que, de maneira geral, a Defensoria atende a pessoas com vulnerabilidade econômica, mas no caso de violência contra a mulher, os atendimentos são feitos independentemente da renda, já que a entidade tem como missão institucional trabalhar com grupos de vulnerabilidades.

Também é possível realizar uma denúncia junto ao hospital que realizou o procedimento, bem como buscar a Secretaria de Saúde do seu município ou estado, segundo recomendação da advogada Rose Tavares.

No caso de o atendimento ser feito por plano de saúde, a grávida pode procurar também a Agência Nacional de Saúde (ANS). Quem praticou a violência obstétrica pode ser denunciado aos conselhos de classe, como de médicos e enfermeiros. "Ela também pode ligar para o 180, a Central de Atendimento à Mulher e para 136, o Disque Saúde, que é a Ouvidoria do Ministério da Saúde", informa Tavares.