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Como Viih Tube: por que pode ser difícil para a mulher identificar estupro?

Viih Tube falou, em entrevista a Universa, sobre um abuso sofrido aos 15 anos - Reprodução / Internet
Viih Tube falou, em entrevista a Universa, sobre um abuso sofrido aos 15 anos Imagem: Reprodução / Internet

Rute Pina

De Universa, em São Paulo

21/04/2022 04h00

A influenciadora Viih Tube contou a Universa nesta semana que demorou para compreender um abuso sexual que sofreu, aos 15 anos, como um estupro. "Na época, não entendia o que tinha acontecido. Não sabia que só de não querer e falar 'não' era um estupro. Me culpei muito. Por ter dado a liberdade de me beijar, achei que ele poderia fazer o que quisesse", disse, em entrevista publicada na quarta-feira (20).

Hoje, a influenciadora, que só tornou o caso público quando escreveu seu livro autobiográfico "Cancelada" (Editora Agir, 2021), diz que tem consciência do que passou. "Aprendi na internet, de tanto as mulheres se unirem e começarem a falar sobre o assunto."

A advogada especialista em violência de gênero Gabriela Souza, fundadora da Escola Brasileira de Direito das Mulheres, explica que o estupro, pela lei, é definido como o crime em que se constrange alguém, com violência ou grave ameaça, a ter "conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso" —ou seja, a ter qualquer contato sexual.

Mesmo se a mulher consentir os beijos mas disser "não" em qualquer momento da transa, o ato sexual, caso prossiga, pode, sim, ser considerado um crime de estupro. O delito pode ser punido com pena de prisão de oito a 12 anos. "Entendo 'grave ameaça' como o temor que a mulher tem de perder a vida se negar o ato sexual, por exemplo", caracteriza a advogada.

Mulheres não se veem como vítimas por acreditarem ser culpadas

A advogada afirma que os crimes que envolvem violência sexual são os mais subnotificados por causa da incompreensão. "Existe uma reversão sobre quem é o culpado por esse tipo de crime. Infelizmente, muitas mulheres e a sociedade ainda impõem a culpa dessas violências às mulheres: ao que elas estavam vestindo, onde elas estavam", diz a advogada.

"Na prática, tudo que envolve violência sexual ainda é tido como tabu. Vejo que o Judiciário está mudando ao longo dos últimos anos e tendo uma compreensão mais correta do que é a violência sexual. Mas ainda há muitos casos de magistrados, promotores e defensores que mantêm uma interpretação de que estupro envolve apenas a penetração e questionam a conduta da vítima. Isso é lamentável."

Para a advogada Marina Giovedi, sócia da Claro & Serrano Advocacia e especialista em Direito das Mulheres, casos de violência de gênero podem ser muito difíceis de serem identificadas, já que muitas situações de submissão e violência são normalizadas.

"Meninas são ensinadas desde pequenas que alguns comportamentos são 'típicos' de meninos, e esperam deles alguma forma de pressão, de insistência para relações de caráter sexual. E, não apenas são esperadas essas ações, como as reações também possuem uma expectativa social por trás. Quando uma mulher experimenta uma relação que avança os limites com os quais ela se sente confortável, é bem comum que estas façam uma leitura de que 'não houve nada demais', pois esse seria o comportamento comum em relação a elas, a situação esperada", analisa.

A advogada afirma que o sistema judiciário infelizmente não está preparado para aplicar a concepção de estupro como determinada pela própria lei brasileira. "O conservadorismo e preconceitos fazem com que muitas vezes os relatos das mulheres sobre o andar dos acontecimentos que levaram ao estupro sejam desconsiderados ou questionados. Tragicamente, é muito comum que a vítima de estupro, ao levá-lo a conhecimento do Judiciário, acabe sofrendo nova violência, tendo de enfrentar infinitos questionamentos sobre o ocorrido que, muito frequentemente, envolvem a dúvida sobre se os atos sexuais teriam sido consensuais ou não", diz a advogada.

Em casos como o da Viih Tube, em que a relação começou de forma consensual, é ainda mais comum, segundo ela, que questionem o seu desenrolar, duvidando que de fato tenha ocorrido a violência.

É o que também identifica a advogada Beatriz de Almeida, professora de Direito do Centro Universitário Eniac, em Guarulhos (SP). De acordo com a advogada, dificilmente casos como o de Viih Tube são levados à Justiça, e menos ainda são as condenações.

"Infelizmente, tendo em vista a descredibilização da vítima e, por muitas vezes, a ausência de testemunhas ou outros meios de prova. Além disso, também influencia o machismo e a objetificação da mulher", diz Almeida.

"Somos educadas em uma sociedade patriarcal e machista que naturaliza a violência contra a mulher. Isso, somado à ausência de letramento e educação sexual, faz com que vítimas, também educadas nesta e por esta sociedade, não consigam identificar violências."

Estupro não é apenas penetração

A concepção do significado de estupro no Código Penal foi alterado, passando a definir o crime também como "ato libidinoso", ou qualquer ato sexual que não seja a penetração. "Essa mudança é importante porque as pessoas precisam entender que, depois do 'não', tudo é violência sexual, seja qual for o momento em que a mulher mostrar resistência. É necessário o consentimento para tudo que acontece entre as duas pessoas", afirma a advogada.

Ela afirma que, no Brasil, houve avanço considerável em relação à legislação sobre crimes sexuais. A advogada cita e Lei de Importunação Sexual, que estabeleceu, em 2018, outras modalidades de crimes e aumentou a pena para casos de estupros coletivos ou corretivos; e também menciona a Lei Joanna Maranhão, que alterou o tempo de prescrição para crimes sexuais contra crianças e adolescentes e passou a contar, desde 2012, somente quando a vítima completa 18 anos. Atualmente, o prazo para que o crime de estupro de vulnerável prescreva é de 20 anos.

Souza ainda pontua que o crime relatado por Viih Tube ainda não prescreveu, pois o prazo começou a ser contado em 2018, quando ela fez 18 anos. "Ou seja, se ela quiser, ainda pode denunciar", pontua Souza.

Como denunciar violência contra a mulher

Mulheres que passaram ou estejam passando por situação de violência, seja física, psicológica ou sexual, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008.

Mulheres vítimas de estupro podem buscar os hospitais de referência em atendimento para violência sexual, para tomar medicação de prevenção de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), ter atendimento psicológico e fazer interrupção da gestação legalmente.

Se houver intuito de denunciar, a orientação é buscar uma delegacia especializada em atendimento a mulheres. Caso não haja essa possibilidade, os registros podem ser feitos em delegacias comuns.