'Qual probleminha dela?': o que não falar a mães de criança com deficiência
Rafaela Polo
de Universa, São Paulo
12/04/2022 04h00
Não é segredo para ninguém que as pessoas enxergam a maternidade como uma oportunidade de dar opiniões e dicas de como a mulher deve agir e criar os filhos. Esse cenário piora ainda mais quando estamos falando de mães atípicas, aquelas que têm filhos com algum tipo de deficiência. Com comentários, muitas vezes disfarçados de elogios e palavras de apoio, essas mulheres sofrem uma violência verbal constante de estranhos.
"O nosso cérebro faz um alerta de perigo para se afastar ou quer entender tudo aquilo que não conhece. Eu entendo a curiosidade das pessoas. Às vezes, ela é legítima, e tem a intenção de agregar, mas algumas são maldosas, e falam as coisas com com a consciência que está te ferindo porque não se importa. Para elas, seu filho não deveria estar ali", diz Vivi Reis, fundadora do perfil @inclusivamente, educadora, autora do livro "Quem nasceu? Minha filha ou o diagnóstico?", mãe da Clara, de 12 anos, que nasceu com síndrome de Down, e do João Pedro, de 15 anos.
Frases que mães atípicas não querem mais ouvir
Todo mundo, inclusive as mães atípicas, gostam de ouvir as palavras de apoio. Mas existem certas colocações que são extremamente desagradáveis, desrespeitosas e até capacitistas —discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência
"Quando a criança tem deficiência, a sociedade se exime do papel de apoio e transforma a maternidade em uma missão e algo divino. vai de um extremo ao outro", diz a psicopedagoga Carolina Rezende, mãe do Samuel, de 6 anos, que tem paralisia cerebral. Ela divide suas experiências no perfil do Instagram @_carolrezende_.
Universa falou com essas mães e com a psicóloga Rachel Botelho, mãe do Pedro, de 13 anos, que tem autismo, para entender como a sociedade fala e não acolhe as famílias que têm pessoas com deficiência. Elas nos contaram as frases que não aguentam mais ouvir.
"Você é guerreira" ou "filhos especiais são para pais especiais"
Além de capacitista, esse tipo de comportamento em vez de dar forças, na verdade, mostra que esses pais estão em um local excluído da sociedade. "A fala parece fofa, mas na verdade diz que é você quem precisa do filho com deficiência, e não a sociedade. Dizer que você é uma mãe guerreira, santa ou especial, te coloca em um lugar que não é de todo mundo", diz Vivi Reis.
Além disso, esse posicionamento não leva em consideração a falta de políticas públicas para pessoas com deficiência. "A pessoa afirma que você tem uma missão, que é algo difícil. Claro que não podemos pintar a maternidade de uma criança com deficiência como algo fácil, mas a dificuldade está na falta de políticas públicas, da discriminação, do capacitismo. A dificuldade maior está para o lado de fora da porta de casa", afirma Carol Rezende.
Para ela, ser chamada de 'guerreira' exclui da sociedade o papel de pensar e incluir pessoas com deficiência, porque só a mãe já daria conta do recado. "A gente não dá conta sem políticas públicas, sem apoio, inclusão, ouvindo negativa de matrículas, perdendo liminar de terapia?", completa.
"Que bom que você sai de casa"
Por causa do preconceito ainda existem muitas famílias que evitam certos lugares por causa de seus filhos com deficiência. Mas isso não é motivo de parabenizar quem resolve sair de casa.
"Já ouvi de uma pessoa, em um parquinho inclusivo, que era bom que eu tinha saído de casa. Ver a criança com deficiência com a mãe no parquinho, na praia e no shopping, por exemplo, precisa ser normalizado Carolina Rezende, mãe do Samuel, de 6 anos, que tem paralisia cerebral
"Pede para Deus te dar uma criança normal" ou "Ele ele é um anjinho"
Nós vivemos em um estado laico, mas há quem ainda insista em forçar suas crenças e sua religião em qualquer um, sem saber se é o mesmo que o outro acredita. Serem chamados de "anjos" é algo comum para pessoas com deficiência, mas isso não agrada muitas famílias.
"Já escutei que era para eu pedir para Deus me dar uma criança normal da próxima vez, que ele honraria meu pedido. Samuel é perfeito, só é uma criança com deficiência. Falar que Deus vai me dar uma criança normal é uma violência. Tá chamando meu filho de anormal, imperfeito. De criança defeituosa", diz Carol Rezende.
"Qual o probleminha do seu filho?" ou "Você é a mãezinha?"
Com medo de ofender, é comum a sociedade apelar para o uso de termos no diminutivo. Mas não há a necessidade de ter medo da palavra deficiência. O pior é não usá-la de forma correta. "As pessoas tentam amenizar, mas não entendem como a palavra problema é ofensiva. Já liguei para marcar um exame e a secretária da clínica me dizer que veria com a médica se poderia fazer exame em pessoas com o 'probleminha' do Samuel. Chamei a atenção e ela me pediu desculpas, mas fiquei mordida. Uma pessoa que trabalha em clínica não pode se referir assim. Deficiência não é ofensivo", diz Carol Rezende.
Para Rachel, toda vez que a chamam de mãe no diminutivo faz com que se sinta, realmente, diminuída, assim como a palavra. "Eu sei que é amoroso, mas me incomoda. Sei também que professores e profissionais não conseguem decorar o nome de todo mundo, mas pode só me chamar de 'mãe do Pedro' ou perguntar como me chamo. Sinto que me diminuí. Ainda mais quando é algum psicólogo, já que essa também é minha profissão. Me incomoda", diz.
"Mas ele é tão bonito"
Nem toda deficiência será expressa por alguma característica física. Ainda assim, muitos elogiam e dizem que a criança 'nem parece ser deficiente'. "É como se as pessoas achassem que para ter autismo é preciso ser feio. Cria-se uma expectativa da criança ter alguma alteração física", diz Rachel.
"Deixa ele, ele tem autismo*" ou "Ela tem o tempinho dela"
Você pode incluir qualquer deficiência no local do autismo nessa frase. Se é comum pessoas darem palpites na educação das crianças, isso fica ainda mais acentuado quando ela tem uma deficiência. O problema, é que os coloca em um lugar de pena e permissividade. "Só porque minha filha tem Síndrome de Down eu não preciso dar nenhuma ferramenta de aprendizagem para ela? Por que ela tem o tempinho dela pode aprender as coisas daqui 50 anos?", questiona Vivi Reis.
Já com Rachel, o problema é acharem que criança com deficiência não precisa ser educada. Tem passe livre para tudo. "Eu sei das dificuldades dele, sei que ele vai demorar mais tempo e tenho um olhar cuidado, mas não quer dizer que não precise ter limites. Ele não pode fazer as coisas só porque tem autismo. Ficam me orientando como educar meu filho. Todo mundo dá pitaco, mas na hora de ajudar, todo mundo sai", diz.
"Você não fez pré-Natal?" ou "Quantos anos você tinha quando engravidou?"
Não é incomum, mesmo que indiretamente, a mãe ser culpada pela deficiência do filho. "Ainda existe essa ideia associada de que mãe mais velha gera filhos com Síndrome de Down. Sim, sabemos que as chances aumentam a partir dos 35 anos da mulher e dos 40 anos dos homens, mas não é a causa.
"Quando me perguntam a idade que engravidei ou se eu fiz pré-Natal, sinto que estão me questionando se eu tive a chance de saber o diagnóstico antes e porque não interromper a gestação Vivi Reis, mãe da Clara, de 12 anos, que nasceu com síndrome de Down, e do João Pedro, de 15 anos.