Topo

'Fiz transplante de útero e não deu certo. Serei mãe via barriga solidária'

Alessandra de Andrade nasceu com Síndrome de Rokitansky e fez transplante de útero, mas seu corpo rejeitou o órgão; hoje, a amiga carrega seu filho - Reprodução/Instagram @meusonho_na_barrigasolidaria
Alessandra de Andrade nasceu com Síndrome de Rokitansky e fez transplante de útero, mas seu corpo rejeitou o órgão; hoje, a amiga carrega seu filho Imagem: Reprodução/Instagram @meusonho_na_barrigasolidaria

Alessandra de Andrade em depoimento a Luiza Souto

De Universa

01/09/2021 04h00

"Tenho 35 anos e por causa da Síndrome de Rokitansky nasci com útero pequeno e sem canal vaginal. Isso faz com que não possa ter filhos. Mas, como esse sempre foi meu sonho, topei passar por um procedimento experimental de transplante de útero. Fui a primeira mulher no Brasil a fazer o transplante com doadora viva.

Mesmo com esse procedimento, não consegui realizar meu grande sonho da maternidade. Minha segunda opção, então, foi partir para o processo de barriga solidária. Um processo complicado de altos e baixos que conto a seguir.

"Recebi o diagnóstico na adolescência e não aceito 100% até hoje"

Aos 15, recebi o diagnóstico de Síndrome de Rokitansky. Naquela época, sentia muitas cólicas, mas não menstruava, e por isso eu e minha mãe procuramos um médico para investigar. Eu tinha útero pequeno — algumas portadoras da síndrome nascem sem ele —, e meus ovários eram normais.

Foi bem doloroso e difícil aceitar esse diagnóstico. Tive a notícia da pior forma possível, porque o médico não foi sensível nem para explicar o que era. Ele falou que eu havia nascido com uma síndrome rara, com útero minúsculo e sem canal da vagina. E que se eu quisesse ter filhos minha mãe poderia gerar para mim, no caso com barriga solidária.

Meu mundo ali acabou, porque meu sonho sempre foi gerar o meu filho, e isso me trouxe muitas frustrações. Até hoje, com 35 anos, não me aceito 100%. É um trabalho diário de formiguinha.

Eu tinha apenas 3mm de canal vaginal. Entrava só a pontinha de um cotonete, então fiz a reconstrução no hospital da USP (Universidade de São Paulo), aos 17. Não foi uma cirurgia fácil, e o pós-operatório é doloroso, e tem que usar uma prótese por seis meses, para não deixar fechar. Mas como tive relação sexual com um namorado, descartei a prótese após três meses de uso. Tive sucesso 100% e hoje sinto prazer normalmente.

O filho de Alessandra, Samuel, está previsto para nascer em novembro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O filho de Alessandra, Samuel, está previsto para nascer em novembro
Imagem: Arquivo pessoal

"Fui a primeira mulher no Brasil a fazer o transplante com doadora viva"

Sempre tive a esperança de um milagre para gerar meu filho, e em 2016 descobri que foi feito um transplante de útero aqui no Brasil, então comecei a mexer os pauzinhos para chegar na equipe médica que realizou.

Foi quando encontrei um grupo de meninas de Síndrome de Rokitansky, no Facebook. Entre muitas trocas e aprendizados, dividi minha história e fui convidada por uma equipe do Hospital do Amor, em Barretos (SP), para fazer o transplante. Por se tratar de um projeto de pesquisa, não posso dar detalhes sobre o procedimento.

Na época, eu estava casada, e como sempre sonhamos em ter filhos, meu então marido aceitou também. Para fazer a cirurgia, ele tinha que permitir. O processo aconteceu em novembro de 2019 e foi muito gostoso de se viver. Também congelei meus óvulos, e na época conseguimos sete embriões.

Minha tia foi a doadora e eu fui a primeira mulher no Brasil a fazer o transplante com doadora viva. Eu estava muito ansiosa, esperançosa mas convicta também de que poderia dar errado, que havia chance de rejeição.

Foram 11 horas de cirurgia e eu saí bem tranquila, sem dor. Mas no dia seguinte começou a me dar diarreia. Fiz uma biópsia dolorida, precisei ficar de fralda. Após uma semana, passei muito mal, tive febre e gritava de dor. Nem com a morfina parava.

O médico fez outra biópsia e, com o olho cheio de lágrima falou que, infelizmente, teria que retirar o útero porque ele estava necrosando. Foi uma tristeza sem fim

Com todo o cuidado do mundo, ele falou sobre a barriga solidária, mas eu não tinha isso na mente nem queria aceitar. Disse ainda que o filho seria totalmente meu, que eu não ia deixar de ser mãe. Aquilo entrou no meu coração.

Alessandra e a amiga Driellen - Reprodução/Instagram @meusonho_na_barrigasolidaria - Reprodução/Instagram @meusonho_na_barrigasolidaria
Alessandra e a amiga Driellen
Imagem: Reprodução/Instagram @meusonho_na_barrigasolidaria

Divórcio e notícia da gravidez ao mesmo tempo

Conversei com meu marido, e fomos em busca desse sonho. Tem que ter uma cabeça muito boa para lidar com isso, mas uma amiga que foi criada comigo, Driellen, aceitou.

Por lei, para ser barriga solidária a pessoa teria que ser parente até o 4º grau. E não tem custo, ao contrário da barriga de aluguel. Mas como eu não tinha parente para gestar, precisamos de uma liberação do CRM (Conselho Regional de Medicina) para fazer a fertilização.

Essa autorização saiu em dois meses, no dia 23 de dezembro. A FIV foi feita com o mesmo médico que fez o transplante, mas na clínica dele, em São Paulo.

"Logo após me separar, soube da gravidez"

No início de 2021, meu marido começou a ficar diferente, até que ele foi embora e me deixou nessa situação. Aí foi o processo de dar conta de tudo sozinha.

Quando soube da gravidez, em março, ainda estava me recuperando da separação. Pensava que meu sonho seria junto com pai dele também. Fiquei remoendo isso uns 4 dias, mas depois aceitei que eu seria mãe e pai do Samuel, que o Samuel iria ter uma mãe guerreira que lutou por ele até o fim.

Ele está com 28 semanas, saudável e com previsão de nascer dia 19 de novembro. Vou começar agora a indução do leite, para poder amamentar.

"Não vou falar que está sendo fácil, mas estou realizada"

Pessoas questionarem se eu não teria medo da minha amiga não devolver meu filho, ou se ele seria meu mesmo, mas não deixo esse tipo de preconceito me abater, e tento explicar como funciona, para elas entenderem.

E a Driellen já fala que eu sou a mãe, e todos me identificam como mãe. Isso é muito importante. Hoje me sinto realizada.

Não vou falar que está sendo fácil. Às vezes, tenho altos e baixos, e me pego chorando, achando que não vou dar conta, mas no final tudo dá certo.

Hoje trabalho meu psicológico ajudando outras mulheres que também me procuram para compartilhar suas histórias. Algumas falam que quando pensam em desistir lembram de mim, e seguem lutando.

Eu entendo que minha luta está servindo de exemplo para outras pessoas, então, para mim, não tem preço ajudar outras pessoas com a minha história." Alessandra Renata Urbano De Andrade, 35 anos, atendente administrativa, de São Paulo