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Vereadora fala de resistência para criar Dia Marielle Franco em Uberlândia

A vereadora do Rio Marielle Franco, assassinada em 2018 ao lado do motorista Anderson Gomes - Reprodução
A vereadora do Rio Marielle Franco, assassinada em 2018 ao lado do motorista Anderson Gomes Imagem: Reprodução

Nathália Geraldo

De Universa

09/08/2021 04h00

A Câmara de Vereadores de Uberlândia deve colocar em votação pela segunda vez, na terça-feira (10), o projeto de lei que faz menção à vereadora Marielle Franco para a criação do "Dia de Enfrentamento às violências contra as Mulheres Negras", no calendário oficial da cidade, que fica no Triângulo Mineiro. A data escolhida é 14 de março, quando ocorreu o assassinato dela e do motorista Anderson Gomes. A criação do Dia Marielle Franco é um esforço do instituto que leva o nome da vereadora do Rio de Janeiro, para preservar a memória dela. Eleita pelo PSOL em 2016, a socióloga Marielle Franco foi a quinta mais bem votada naquele ano, com o apoio de 46 mil pessoas.

Na sessão da Câmara de Uberlândia de quinta-feira (5), o texto encontrou resistência no Plenário. Depois de a vereadora autora do projeto, Dandara Tonantzin (PT), ter colocado em pauta, Cristiano Caporezzo (Patriotas) argumentou contra o contexto de que mulheres negras sofrem mais violências, um dos pontos de justificativa da proposta.

"E as mulheres brancas, vermelhas e amarelas? São só as vidas das negras que importam? O racismo começa por aqui", disse o parlamentar. No entanto, os dados sobre violência doméstica mostram que são elas as mais agredidas e comprovam o ponto do documento.

O projeto foi aprovado na ocasião, por 22 votos a 5, mas aguarda uma segunda votação na semana que vem, pois Caporezzo pediu vista da matéria. Após passar pelos vereadores, será remetido ao Executivo, que pode sancionar ou não a lei.

Universa entrou em contato com o gabinete do parlamentar para dar espaço para ele se manifestar, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Para Dandara, a resistência ao tema e a demora para colocá-lo em discussão —ele foi apresentado em março— são exemplos da violência política de gênero e de raça direcionada a representantes negras que conquistaram mandatos municipais na última eleição.

"Como parlamentares negras, estamos enfrentando dificuldades todos os dias. Essa burocracia é um tipo de violência contra nós, porque era só a criação de uma data, aparentemente simples, mas que estava parada na Câmara desde março", alega.

Nascida e criada na favela da Maré e defensora dos direitos humanos, Marielle Franco estava no início do segundo ano de mandado quando foi assassinada, na noite de 14 de março de 2018. O carro que a levava de volta para casa, no qual estavam também uma assessora e o motorista Anderson Gomes, foi atacado com tiros de metralhadora. Anderson também morreu.

"Figura de Marielle ainda incomoda muito", diz autora

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Vereadora Dandara Tonantzin, do PT, que apresentou projeto de lei para "Dia Marielle Franco" em Uberlândia (MG)
Imagem: Divulgação

O esforço de Dandara para aprovar a lei não é isolado. De acordo com a diretora executiva do Instituto Marielle Franco, Anielle Franco, irmã de Marielle, em março deste ano, mais de 70 parlamentares de todo o país se comprometeram a elaborar projetos de lei para a criação do Dia Marielle Franco em pelo menos 40 cidades brasileiras.

Além disso, as políticas assinaram compromisso com a "Agenda Marielle Franco", um pacote de práticas legislativas para que apresentem projetos que Marielle elaborou durante sua atuação na Câmara.

"Ficamos muito emocionadas em ver que mais uma cidade irá homenagear Marielle. Nosso trabalho enfrentando a violência política contra mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas é cotidiano, e passa por defender a memória e multiplicar o legado de pessoas como minha irmã", destaca Anielle, que também é colunista de Ecoa.

No Rio, a data em referência à vereadora foi criada ainda em 2018. Em São Paulo, a matéria está paralisada em comissões desde 2019. Em Recife, projeto de mesmo teor criado neste ano aguarda inclusão na pauta da Câmara. Em âmbito estadual, o Ceará aprovou a data em maio deste ano.

Para Dandara, o projeto promove visibilidade à luta das mulheres negras de sua cidade. "É uma lei para estipular um dia de enfrentamento às violências políticas contra negras, periféricas, trans, e para que se entenda que é necessário que as mulheres negras olhem para a legislação e se vejam nela."

A vereadora avalia que a tensão criada na apresentação da lei em Uberlândia tem a ver com o incômodo ainda causado pelo legado de Marielle. "É uma figura que incomoda muito. Falar dela em espaços de poder é desestabilizar algumas pessoas. A morte dela ainda é um enigma. Ao mesmo tempo em que foi um 'acorde, vamos' para que mais mulheres negras, como eu, nos candidatássemos."