Topo

No Brasil, 8 mulheres são agredidas por minuto na pandemia, aponta estudo

Getty Images
Imagem: Getty Images

Camila Brandalise

De Universa

07/06/2021 08h00

Desde o começo da pandemia, pesquisas alertam para o aumento da violência doméstica e colocam como fatores principais o maior tempo de convivência com agressores e a dificuldade em procurar ajuda durante o isolamento. Agora, há uma explicação preponderante sobre o porquê desse número ter crescido no Brasil. Segundo levantamento inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, publicado nesta segunda-feira (7), a maior parte das vítimas aponta a questão financeira como grande problema.

De acordo com o estudo, batizado de "Visível e invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil", para 25,1% das entrevistadas, a falta de autonomia financeira, impulsionada pelo aumento do desemprego, foi o que as deixou mais vulneráveis. Maior convivência com o agressor foi citado por 21,8%, e dificuldade de procurar a polícia, por 9,2%. No geral, uma em cada quatro brasileiras sofreu algum tipo de violência no último ano, seja ela física, psicológica ou sexual. Entre as agressões físicas, houve oito casos a cada minuto.

"Nesse primeiro ano de pandemia, importamos explicações para aumento de violência doméstica de outros países. China, Estados Unidos e Europa fizeram vários estudos sobre o perigo em conviver mais com o agressor, a dificuldade de acessar delegacias e equipamentos de saúde. Mas, agora, chega a resposta da mulher no Brasil, que está dizendo: o que mais pega é a parte financeira", diz Samira Bueno, diretora executiva do Fórum.

"Quando comparamos a mulher que sofre violência e a que não sofre, percebemos que a primeira perdeu mais renda, perdeu emprego, teve mais dificuldade. E assim fica mais vulnerável", afirma Samira.

Na medida em que não tem dinheiro, sofrer violência passa a ser uma questão secundária, porque o mais importante é comer. Não tem como sair de casa uma vez que não consegue se sustentar. Então essa vítima vai se tornando mais tolerante


Pais, mães e irmãos figuram entre principais agressores

A pesquisa entrevistou 1.089 mulheres com mais de 16 anos, de todas as classes sociais e regiões diferentes do país. Em comparação à pesquisa de mesmo recorte publicada em 2019, a violência de gênero teve um leve recuo: foram 24,4% nos últimos 12 meses contra 27,4% há dois anos.

A queda pode ser explicada pela diminuição de casos em bares, baladas, escolas e faculdades, de 29% para 20% em relação ao estudo anterior, ao mesmo tempo em que houve um aumento das agressões em casa, de 42% para 49%.

Ainda que companheiros e ex-parceiros continuem sendo a maioria entre os agressores, 43,5%, a violência intrafamiliar subiu de maneira preocupante, aponta a pesquisa. Pais e mães estão no topo da lista de familiares que mais agridem mulheres, representando 11% e um aumento de 4% em relação a 2019. Depois, estão irmãos, com 6% — cresceu 1%. O salto maior foi entre padrastos e madrastas para filhos e enteados: de menos de 1% para quase 5% dos casos.

Quando falamos em violência doméstica, associamos mulher e marido. Mas a pesquisa nos mostra que precisamos olhar para outros tipos de situações que também estão ocorrendo dentro de casa. Mulheres acima de 45 anos são mais agredida por filhos e filhas, as mais jovens, por pai e padrasto ou companheiro ou ex-companheiro

Para a diretora do Fórum, isso mostra que "a violência contra a mulher é uma linguagem comum no país". "É duro pensar que há filhos batendo em suas mães, mas está acontecendo. Agora temos que pensar em como protegê-las", completa a diretora do Fórum.

Fora de casa, assédios continuam altos e vitimizam mais mulheres negras

Entre os casos de importunação sexual, em que a vítima é assediada com comentários constrangedores ou mesmo com contato físico não-consentido, as taxas também permaneceram similares, de 37,1% em 2019 para 37,9% atualmente. A diferença é que, há mais de um ano, uma parcela significativa da população está em isolamento social e limitando as saídas de casa às necessidades mais urgentes.

Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública - Divulgação - Divulgação
Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Imagem: Divulgação

A maior parcela dos casos, 31,9%, se refere a comentários desrespeitosos ao andar na rua. "O assédio é tão presente na vida da mulher brasileira que mesmo com todas restrições de circulação, quando sai de casa eventualmente para farmácia ou mercado, também está sujeita à essa situação", opina Samira.

Entre as jovens de 16 a 24 anos, o número é ainda maior: 73% das garotas e mulheres dizem ter sido assediadas.

Mesmo que seja um 'fiu fiu' na rua, que para o homem pode não ser nada, a mulher vai pensar dez vezes se continua seu caminho normal, se se afasta, com medo de que não apenas falem, mas também façam alguma coisa

Samira destaca que os índices de mulheres que disseram ter sido assediadas mudam bastante em relação à raça. Entre brancas, foram 30%, pretas, 52,2%, e pardas, 40,6%.

"Têm a ver com a hiperssexualização da mulher negra. Elas estão mais expostas, é só ver esses percentuais. O corpo delas é quase como se fosse irrestrito, livre para quem quiser. É mais um estereótipo reforçado por meio da violência."