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"Cansei de esperar pelo SUS e busco meios para fazer a readequação sexual"

Hainra Asabi - Arquivo pessoal
Hainra Asabi Imagem: Arquivo pessoal

Hainra Asabi em depoimento a Priscila Gomes

Colaboração para Universa, em São Paulo

06/06/2021 04h00

"Tenho 40 anos, sou professora da rede pública estadual, arquiteta, mestra em Ciências Sociais pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), militante do movimento negro, ativista do movimento LGBTQIA+ e lutadora pela educação.

O fato de ser travesti e mudar de nome foi uma conquista muito importante na minha história, me possibilitou aproximação com a minha ancestralidade e a saudei na escolha do meu nome, a expressão verbal de mim mesma. Encontrei força nas culturas de origem ioruba: Hainra traduzindo para o português seria remanescente de poder e Asabi, escolheu nascer.

A minha família não aceita. Minha mãe se recusa a me tratar no feminino. Alguns dos meus irmãos me chamam pelo nome que me identifico, enquanto outros não compreendem, tão pouco tentam compreender.

A relação com a família é sempre muito delicada. Mas tenho encontrado apoio em alguns sobrinhos e amigos

Já no trabalho, havia mais ou menos seis anos que eu estava na mesma escola, quando comecei a fazer minha transição. Os desrespeitos começaram por parte de alguns professores e um pequeno grupo de alunos. Depois disso, tive que pedir remoção, porque eu não estava mais suportando tanto afronte. Fiz até boletim de ocorrência.

Hoje estou em uma escola onde me sinto mais confortável, mas hora e outra, algum gestor troca o pronome, ao invés de usar o feminino usa o masculino, e aí eu corrijo. Eu não deixo que isso aconteça.

Comecei a minha transição perto dos 29 anos, mas assumi publicamente perto dos 35. Estou tentando fazer a cirurgia de readequação sexual e o custo é muito alto

Um caminho para fazer a cirurgia de readequação sexual, de forma gratuita, seria pelo Sistema Único de Saúde, o SUS, mas sempre que vou, falam que é preciso esperar. Nunca tem vaga. Converso com alguns amigos e me relatam que a espera pode ser de até 8 anos. Já estou há 3 anos na fila, para iniciar o acompanhamento, que pode levar no mínimo de 3 a 4 anos e não quero esperar tudo isso. Do ano passado para cá, tentei umas duas vezes, e desisti. Tenho laudos, exames, tudo que é necessário. Já faço tratamento com equipe multidisciplinar há mais de seis anos.

Hainra Asabi - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Minha meta é fazer o procedimento em setembro ou outubro deste ano
Imagem: Arquivo pessoal

Busquei também ajuda em um ambulatório que foi criado na Faculdade de Medicina do ABC, mas aí veio a pandemia e parou tudo. Estou ficando velha para esperar tanto. Preciso dar esse passo na minha identificação comigo mesma.

Os caminhos da transformação através do tratamento hormonal, há dez anos, me trouxeram a esse momento de compartilhamento de mais um mergulho íntimo de minha existência, a construção para a concretização da minha cirurgia de readequação sexual.

Vivemos tempos que nos traduzem a importância de colocar em marcha a nossa felicidade e isso se traduz na minha vida buscando no agora, a força coletiva para alcançar essa transformação no meu corpo

Durante todo esse processo de planejamento para alcançar esse sonho, realizei muitas pesquisas que me permitem hoje traduzir o motivo de minha escolha de realizar a cirurgia no Brasil. Como professora em Santo André, tenho convênio médico e essa vantagem social me abre a porta de ter parte dos custos da cirurgia pagos por esse serviço. O cirurgião faz o pedido para o convênio médico e, a partir do aceite tenho a confirmação de parte do custo da cirurgia, assumida pelo convênio, ficam para o paciente arcar custos com equipe médica e outros serviços.

A minha meta é fazer o procedimento em setembro ou outubro deste ano e como ainda falta muito para completar o valor da cirurgia — tenho R$ 18.500 dos R$ 20 mil que preciso —, estou fazendo de tudo para conseguir um dinheiro extra. Estou separando várias coisas em casa que posso abrir mão para vender, como uma prancheta de desenho e outras coisas, e também fazendo entregas por aplicativos, que é uma outra forma de arrecadar valores.

Abri também uma vaquinha on-line para alcançar a partir da solidariedade de cada um que conhece e acredita na minha história. Antes de fazer essa vaquinha, tentei uma rifa, mas foi logo no início da pandemia e, por ver muitas pessoas desempregadas e passando necessidades, resolvi suspender.