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"Comecei a usar produtos de beleza naturais e mudei a relação com o corpo"

Ana Alice Vercesi Gallo - arquivo pessoal
Ana Alice Vercesi Gallo Imagem: arquivo pessoal

Ana Alice Vercesi Gallo

Colaboração para Universa

23/04/2021 04h00

"Já tentei me tornar vegetariana, mas descobri que, por enquanto, isso me parece bem distante. Venho de uma das muitas famílias que, uma geração antes da minha, fez a transição da vida rural para as cidades. Na minha história familiar recente, os animais serviam de alimentos para comunidades inteiras. Tudo, absolutamente tudo, era aproveitado. Comida, pra mim, tem um apelo emocional fortíssimo, e a carne é parte do cardápio dos rituais mais importantes lá de casa. Consegui diminuir o consumo, fazer várias refeições vegetarianas ou veganas, mas o consumo animal persiste.

Minha busca por alternativas de cosméticos começou quando iniciei um tratamento médico hormonal. Aos 40 anos, vi meus hormônios declinarem terrivelmente no meu corpo. Já havia lido sobre a ação dos desodorantes antitranspirantes nos ciclos hormonais e, quando o isolamento social começou, percebi a chance de experimentar novos cosméticos e ver o quanto eles influenciariam no meu organismo.

Eu trabalho me exercitando. Sou adestradora de cães e passo o dia inteiro correndo, caminhando e movimentando numa cidade de altas temperaturas. Precisava de um desodorante robusto, resistente. Testei algumas fórmulas até encontrar um produto que aguentasse o tranco do dia a dia. Para minha surpresa, percebi meus ciclos menstruais mais consistentes depois que fiz essa troca - claro, acompanhado do tratamento médico.

Como sou fã de produtos de beleza, durante essa pesquisa me deparei com várias alternativas aos cosméticos tradicionais: ou eram shampoos e condicionadores em barra, sem embalagens plásticas, ou então cosméticos orgânicos, veganos e sem teste em animais. Não demorou para outros experimentos começarem lá em casa.

Não foi algo de "caso pensado". Por mais que eu defenda a causa animal, foi uma busca um tanto egoísta, por uma questão de saúde. Mas logo percebi que existiam formas diferentes de cuidar da beleza e que traziam inúmeros benefícios não só para o meu corpo, como para o planeta. Pouco a pouco, as embalagens plásticas foram desaparecendo do box do meu banheiro.

Percebi a eficácia de componentes naturais para amaciar cabelos e pele. Óleos, extratos, hidrolatos (que são subprodutos do extrato de ervas, também chamados de águas florais) serviam para inúmeros tratamentos de beleza. Meu cabelo fino e cacheado se beneficiou muito de produtos sem parabenos ou sulfatos. E isso num ano sem muito acesso a salões de beleza e olhares profissionais para tratá-lo. Foi surpreendente ver meu cabelo, antes fraco e ralo, crescendo e cacheando.

Não mudou só a prateleira do banheiro, mudou minha vida

E assim fui experimentando o que me parecia interessante. Até que me deparei com uma grande transformação pessoal.
A essa altura, eu já estava bastante envolvida na pesquisa de hábitos que reduzissem o consumo de lixo e de produtos industrializados ou testados em animais.

Decidi, então, testar absorventes naturais ou bioabsorventes: são produtos feitos de algodão que substituem os produtos descartáveis. Fui em busca de algo para beneficiar o planeta e quem acabou se transformando fui eu.

Apesar de serem maiores que os absorventes tradicionais, os bioabsorventes são muito confortáveis. E, mais do que isso - são quase inodoros. Eu passei a vida inteira com bastante asco dessa fase mensal feminina. O cheiro, o desconforto, tudo me incomodava. Pois foi apenas mudar o tipo de produto para descobrir duas coisas: é possível ter mais conforto e, no meu caso, não sentir odor algum. N-E-N-H-U-M, acredita?

Algumas amigas já tinham falado maravilhas dos famosos coletores menstruais. Eu duvidava bastante. Não imaginava como aquilo podia ser tranquilo. Outras tinham experimentado as calcinhas com absorvente, mas ninguém tinha me explicado, em franco e bom português, desse tipo de benefício: o odor diferente pela diminuição da quantidade de produtos químicos em contato com meu organismo nos absorventes laváveis de algodão. Por que eu nunca tinha passado por essa conversa com ninguém?

Acredito que alguém que esteja lendo esse depoimento também tenha sentido, como eu, quando era mais nova, "nojo" da menstruação. Eu não imaginava que aquele odor todo não fosse meu. Que fosse o contato do meu organismo com um produto. Quem diria?

Minha maior motivação ao deixar esse depoimento não é catequizar ninguém a se tornar vegetariano, algo que nem eu sou. Ou desistir de produtos industrializados. Minha sugestão é: comece as transformações por onde você quiser, precisar ou puder.

Eu passei uma vida inteira tendo uma relação conturbada com ciclos menstruais e, por causa dessas pesquisas, acabei descobrindo novas formas de me relacionar com meu corpo. E quando a gente se sente mais inteira, é capaz de cuidar melhor do restante do mundo também."