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Primeira trans vacinada em Alagoas: "Preconceito é sofrimento diário"

Monalisa Rocha trabalha na limpeza de uma unidade de saúde - Arquivo pessoal
Monalisa Rocha trabalha na limpeza de uma unidade de saúde Imagem: Arquivo pessoal

Monalisa Rocha, em depoimento a Carlos Madeiro

Colaboração para Universa

28/03/2021 04h00

"Trabalho na limpeza de uma unidade de saúde que atende pacientes de covid-19 em Santa Luzia do Norte (AL). Fiquei muito feliz e lisonjeada de ter sido a primeira trans a ter tomado a vacina em Alagoas, até pelo momento que a gente está vivendo. Ao mesmo tempo, fiquei apreensiva e um pouco triste. Apesar de atuar na linha de frente, pensava: 'Tem tantas outras pessoas que necessitam mas que ainda não estão na vez'.

Meu nome é Monalisa Rocha, tenho 45 anos e trabalho na área da saúde desde 2019. Já fui imunizada com as duas doses. Sei que muitas pessoas vão ter que esperar mais, como amigos que eu tenho que são de grupo de risco. Isso me preocupa. Graças a Deus, a minha mãe, de 77 anos, já tomou a primeira dose. Fiquei muito feliz por mim e por ela. Espero que chegue a vez de todos os outros.


"Chegada da covid trouxe medo"

A minha função na unidade é de serviços gerais. Meu plantão é de 24 horas, das 7h às 7h do outro dia. São seis por mês. Faço a limpeza, trabalho na linha de frente mesmo. É uma rotina bem pesada. Antes de atuar na saúde, também trabalhava na limpeza e para a prefeitura, mas na área da cultura. É uma coisa que eu gosto muito de fazer.

Não tenho contato com pacientes, só os médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Mas claro que a chegada da covid-19 trouxe preocupação e medo.

É aquela coisa: cada um no seu quadrado. Se eu estou lá limpando, chega alguém e me pergunta algo, chamo os enfermeiros e aviso. Lá nenhum paciente chega a ficar internado porque é uma unidade só para consultas. Geralmente os parentes das pessoas doentes também querem tirar dúvidas comigo, mas eu não posso responder porque não sei.

"Preconceito é diário por ser negra, trans e pobre"

Preconceito a gente sofre todos os dias por ser negra, por ser trans, por ser pobre. A sociedade é uma coisa complicada. Eu me descobri trans na adolescência. Tive vontade de fazer a cirurgia de redesignação sexual, até por pela autoestima, para me sentir bem. Mas desisti porque não tenho condições financeiras e porque o preconceito contra mim não mudaria.

Infelizmente, aprendo a conviver com a discriminação todos os dias. Eu não aceito nunca, jamais! Mas eu convivo.

Em relação ao meu trabalho, nunca sofri preconceito. Aliás, pense em um local que eu amo trabalhar. É na unidade de saúde. Tem um ou outro conflito, mas nunca é relacionado à discriminação. A minha equipe do plantão é formada por pessoas maravilhosas. Sou muito grata por ter essa sorte.

"Depois dos plantões, trabalho como cabeleireira. Amo o que faço"

Comecei a fazer um curso de técnica e auxiliar de enfermagem, mas não terminei por falta de condições financeiras. Sempre gostei muito da área.

Também tenho outra atividade. Quando largo os plantões, venho para casa, tomo banho, mudo a roupa, me higienizo e descanso um pouco para poder fazer a segunda jornada de trabalho, dessa vez no meu salão de beleza.

Lá, tomo todos os cuidados. Quando tem duas pessoas para vir, marco uma pela manhã e outra para a tarde. Se tiver três, deixo uma para outro dia, para evitar aglomerações. Minha vida é uma loucura. Agitada e cansativa, mas é o que tenho no momento. Só posso agradecer a Deus. Amo o que faço."

Monalisa Rocha, 45, é auxiliar de serviços gerais e mora em Santa Luzia do Norte (AL)