Topo

"Quero conexão de verdade": 2020 deixou solteiros mais abertos para o amor?

Especialistas concordam que relações amorosas se transformaram com a pandemia. - iStock
Especialistas concordam que relações amorosas se transformaram com a pandemia. Imagem: iStock

Ana Bardella

De Universa

18/10/2020 04h00

2020 ainda não acabou e ainda é cedo para tentar entender seus impactos na sociedade a longo prazo. Mas especialistas concordam que as relações amorosas passaram — e ainda estão passando — por transformações profundas, estimuladas pelo cenário geral. Há quem aposte que a vida de solteiro nos moldes em que ela existia antes nunca foi tão desejada e que muitos tentarão "recuperar o tempo perdido" assim que for possível. Outros enxergam que as restrições sociais foram, na verdade, um pontapé para quebra de padrões e busca por conexões mais profundas.

Foi o que sentiu Marcella Sangiuliano, de 19 anos, que trabalha como auxiliar de administração em São Paulo. Antes, ela não tinha a perspectiva de namorar, mas a pandemia fez com que mudasse de opinião. "Percebi que determinadas atitudes e pessoas do meu ciclo não me acrescentavam em nada. A rigidez do início da quarentena me proporcionou uma sensação maluca de 'fim de mundo'. Sem poder sair de casa e vendo que ninguém era mais capaz de sustentar aquela vida perfeita e cheia de status nas redes sociais, minhas certezas mudaram", diz. A jovem conta que fez algumas flexibilizações nos últimos tempos.

Encontrar quem eu amo se tornou muito mais gratificante. E hoje busco isso nos relacionamentos amorosos. Percebo que fiquei mais seletiva e, se for para estar com alguém, quero que seja de verdade, que valha a pena". Marcella Sangiuliano

A psicóloga Tâmara Nascimento garante que reações como a de Marcella são comuns. "Em 2020 nossas percepções ficaram à flor da pele, alteradas. Lidando com mudança de rotina, medo de contágio e com sensação constante de perda, nos demos conta das nossas fragilidades. Com isso, muita gente passou a olhar com mais atenção para os próprios hábitos e sentimentos. Foi um despertar da consciência", diz.

Particularidades

Isso não quer dizer, no entanto, que todos ficaram mais propensos a ter uma relação duradoura. A psicóloga Daniela Cristine Laimgruber destaca que a pandemia também resultou em divórcios e separações. "Muitos não suportaram manter a relação com a convivência diária. O que incomodava um pouco passou a incomodar demais, deixando a situação insustentável", diz.

E aqueles que optaram por começar um relacionamento neste período não necessariamente fizeram isso por motivações profundas. "Há casos em que as pessoas apenas ficavam e, durante a pandemia, optaram por namorar. Era a opção mais confortável e segura, já que se tornou arriscado conhecer novas pessoas. Se o envolvimento terá futuro ou não, isso o tempo é que vai revelar", opina.

Reviravoltas no coração

Enquanto alguns tomaram a decisão racional de iniciar um relacionamento sério, outros contrariaram seus próprios planos durante a pandemia em nome da paixão. É o caso de Taís Scaroni, de 27 anos, que trabalha como especialista em inovação. Ela havia terminado um relacionamento nos primeiros dias do ano e sua intenção era vivenciar apenas encontros casuais durante um tempo. "Entrei para os aplicativos de paquera, mas estava focada em aproveitar o Carnaval. Enquanto isso, conversava esporadicamente com um rapaz chamado Alex, que conheci no Tinder. Mas não deu tempo de um encontro presencial antes da pandemia começar", conta.

Taís e Alex tentaram não se envolver logo de cara, mas aconteceu - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Taís e Alex tentaram não se envolver logo de cara, mas aconteceu
Imagem: Acervo pessoal

Solteira, Taís decidiu encarar a quarentena como um momento de introspecção, no qual ela ficaria voltada para o autoconhecimento e a meditação. A vida no entanto, fez com que seus planos mudassem rapidamente. "Um dia comentei por mensagem com o Alex que estava mudando de quarto. Como minha mãe tinha saído da casa em que eu moro, passaria a ocupar a suíte que antes era dela. Para minha surpresa, no mesmo dia, às 4h da manhã, ele me enviou um projeto de arquitetura completo de como poderia ser o cômodo. Eu fiquei surpresa de um jeito bom", conta. Pouco tempo depois, eles marcaram um encontro presencial e começaram a ficar, sem a intenção de namorar — o que também não aconteceu.

"Pouquíssimo tempo depois, descobri que estava grávida. Apesar do susto, a reação dele foi a melhor possível. Nesse momento, nossa parceria se tornou muito mais concreta, e decidimos que iríamos morar juntos. Infelizmente, acabei sofrendo um aborto. Mas já estamos dividindo o mesmo teto há duas semanas, namorando e muito felizes", conta.

Liberdade x Carência

Na visão das psicólogas, liberdade e carência foram alguns dos principais ingredientes que nortearam o comportamento dos solteiros desde que a pandemia começou até agora. Esses valores tendem a continuar influenciando suas decisões no futuro. Daniela aponta que a carência experimentada durante o período não foi apenas sexual.

"Para alguns a falta de contato físico e proximidade gerou não só uma pausa na vida sexual, como também uma profunda carência afetiva, de sentimentos. Devido a esse sentimento, após a experiência da quarentena, somente o sexo casual pode não ser suficiente para satisfazer as necessidades emocionais", Daniela Cristine Laimgruber, psicóloga

Por outro lado, há quem tenha sentido mais intensamente a privação da liberdade. "Depois de sentirem que tiveram o seu direito de escolha e de ação retirados, muitos preferirão viver o momento e a euforia da paixão, quando puderem experimentar esses sentimentos de novo. Enquanto alguns serão mais seletivos nos futuros envolvimentos, outros provavelmente serão menos. Cada um se sentiu despertado de uma forma durante a quarentena e responderá a esses estímulos no futuro", afirma Tâmara.