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Descobri que vivo relacionamentos codependentes. Será que você vive um?

Já sentiu que você fez tudo pelo outro e não foi reconhecido? Pega uma cadeira... - Viacheslav Peretiatko/Getty Images/iStockphoto
Já sentiu que você fez tudo pelo outro e não foi reconhecido? Pega uma cadeira... Imagem: Viacheslav Peretiatko/Getty Images/iStockphoto

André Lage

Colunista do UOL

07/10/2020 04h00

Tem uma coisa boa em pesquisar relacionamentos: análise grátis! Mas às vezes bate forte demais... E você está ao vivo na frente de 700 pessoas. Semana passada a gente fez uma live com Lorena Muniz sobre codependência. Sinceramente é um assunto que mal tinha ouvido falar e pensava que era um tipo de relação bem doentia e rara. (A ignorância é uma benção né?) Foi então que descobri que não só era muito comum, mas como grande parte das minhas relações amorosas, familiares e mesmo de amizade, eram relações nas quais eu era codependente.

Para você que nunca ouviu falar disso, vou tentar explicar rapidinho: a codependência é uma relação simbiótica (ou seja, uma parte precisa da outra) em que há sempre um dependente e um codependente. O codependente é o cuidador, que faz tudo pelo outro, que se esfola para suprir as faltas do dependente. Quase uma relação maternal. Até aqui, parece uma linda relação de amor e cuidado. O pulo do gato é que o codependente (eu, no caso), faz isso tudo para se sentir necessário e controlar a outra parte.

Talvez você pense "ah, então, não tem que se importar com o outro? Quem ama cuida...". Claro que não estou falando para ser egoísta e parar de ajudar o outro. O lance é que o codependente está preso em um esquema mental em que vive fazendo tudo pelo dependente em busca de um reconhecimento. Mas essa necessidade de reconhecimento vem de muito antes, provavelmente de situações vivenciadas na infância, ou seja, não pode ser suprido pelo outro. Então, a relação quase sempre termina em frustração e ressentimento.

Ah, ele não dá trabalho, tão fofo!

Os psicólogos explicam que os codependentes em geral cresceram em famílias onde, por alguma razão, tiveram que amadurecer cedo: ou porque um dos cuidadores morreu ou estava doente, ou porque não estavam equilibrados o suficiente para nutrir essa criança. Nessas situações a criança entende que ela tem que ser solução e não mais um problema. Eu, apesar de caçula, cresci em um lar em que havia alcoolismo e violência doméstica, então aprendi a duras penas que algumas vezes tinha que intervir para que as coisas não fugissem do controle. Aprendi a cuidar, a resolver, a conversar para acalmar os ânimos - e entendi que isso era amor.

Essa criança também não aprende a lidar com suas emoções, porque o cuidador dificilmente vai ter energia pra perguntar "e aí filho, como você tá?'. Ela cresce sem saber nomear os sentimentos e sem direito ao prazer, ao deleite - porque afinal de contas ela tem que cuidar de coisas muito mais importantes que apenas brincar por aí.

Namorado-mãe

Aí a criatura cresce, faz análise e sai por aí vivendo sua vida amorosa. Mas, ao longo do tempo, percebe o mesmo padrão: sempre acaba tomando as rédeas da situação e resolvendo a vida dos namorados: desde pedir o uber e fazer o roteiro das viagens até organizar os cartões de crédito deles. O codependente sempre escolhe alguém pra cuidar, porque ele aprendeu que ele é amado por ser útil e não por ser quem ele é. E passado algum tempo de relação, o ressentimento pelo não-reconhecimento começava a crescer e terminava sempre com a mesma sensação: eu fiz tudo por essa relação e olha só o que recebi em troca!

Fofo, pero no mucho

Sempre vi todo esse cuidado e dedicação quase como um altruísmo à la Madre Teresa de Calcutá (o que era muito conveniente pra minha autoimagem). Até que na live fui confrontado com a ideia de que o codependente faz isso na verdade para se sentir necessário. Sabe frases do tipo: "tadinho dele sem mim?". Aí é o cerne da codependência! Eu me achando a última bolacha do pacote porque afinal de contas, alguém no mundo precisava muito de mim. Ou seja, eu era dependente da dependência do dependente. (deu pra entender?). Agora olhando para trás, consigo enxergar a pretensão (a mesma que tinha na infância) de achar que eu sabia o que era melhor pra eles, por isso devia ajudar.

Eu percebi então que esse comportamento era uma busca daquele reconhecimento que a criança não teve (imagina os juros e a correção monetária dessa dívida!) e uma enorme incapacidade de lidar com a autonomia do outro. Porque, se ele crescer e ficar forte, ele vai me largar mas se eu deixar ele sem saber como caminhar com as próprias pernas, vai ficar pra sempre ao meu lado. Aliás, em relações de codependência, raramente o casal sai separado (bateu aí?). Quando entendi o mecanismo altamente narcísico que é manter o outro impotente para que você se sinta necessário e afastar o medo de ser deixado, meu chão caiu! Entendi que não era amor, era cilada - e controle!

Tadinho de mim

E aqui também entra a autopiedade. Quando entro nesse ciclo de me dedicar tanto ao outro, sempre deixo de cuidar de mim até um ponto que meu corpo adoece e grita. Ali, exausto, eu me olho no espelho em frangalhos e penso: pobre de você que se dedica tanto aos outros que nem tempo tem de se cuidar. Mentira! Eu faço isso justamente pra aumentar a sensação de sacrifício. E André, desculpe te contar, mas dá pra cuidar do outro e de si ao mesmo tempo. Mas é tão confortável esse buraquinho né?

Fugindo das próprias tretas

Outro enorme benefício de se preocupar tanto em ajudar outrem é não ter que se preocupar tanto com a sua própria vida. É uma benção achar que "agora não dá pra se preocupar com isso", afinal de contas existem questões mais importantes: as do outro. Isso te dá quase um vale antiaprofundamento em si. E quando você tem tretas internas dolorosas para resolver (e que vão dar trabalho), cuidar dos outros e gastar todo seu tempo pensando neles parece uma ótima desculpa, né?

E tem saída desse labirinto?

Não sei pra você, mas escutar esses conceitos me fez enxergar a ilusão em que eu vivia. E depois que você entende o truque, parece que o perde o encanto da mágica. Comecei a diferenciar quando estava ajudando alguém de quando estava fazendo algo já na expectativa de ser reconhecido de volta. Essa carência e esse desejo de reconhecimento são meus, daquela criança. Se eu não der isso pra ela, ninguém mais vai poder dar. Reconheci a força do menino, peguei ele no colo e dei afeto. A partir daí, entendi que cada um tem sua mochila. Claro que eu posso (e devo) ajudar alguém no caminho de vez em quando. Mas cada um carrega a sua. Inclusive tava na hora de arrumar a minha!

A gente fala muito sobre autonomia afetiva no Soltos S.A. e agora entendi que ela passa por dar autonomia ao outro. Tem que deixar ele solto pra voar se ele quiser. Porque, então, se ele ficar, é porque quer e não porque não consegue voar.


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