Topo

Sex shops apostam em autoconhecimento sexual feminino para atrair clientes

Marcia Soares criou com ex, em 2011, a sex shop The L Vibe: loja é especializada em mulheres que se relacionam com mulheres - Divulgação
Marcia Soares criou com ex, em 2011, a sex shop The L Vibe: loja é especializada em mulheres que se relacionam com mulheres Imagem: Divulgação

Elisa Soupin

Colaboração para Universa

10/09/2020 04h00

Um novo tipo de sex shop vem chamando a atenção online. No lugar de produtos apresentados de forma técnica e com fotos frias, esses novos e-commerces do mercado erótico trazem ilustrações de mulheres com corpos reais, contos eróticos e dicas de educação sexual para explorar melhor a própria sexualidade e ter prazer sozinha ou acompanhada.

Para essas lojas, geralmente comandadas por mulheres, os brinquedinhos sexuais são uma ferramenta de autoconhecimento - nada daquele papo de "apimentar a relação com o boy". O objetivo dessas marcas é fugir de clichês machistas e heteronormativos que muitas das lojas tradicionais acabam propagando. Para isso, investem desde numa linguagem menos técnica - a descrições de produtos que parecem ter sido feitas por uma amiga, sabe? - até em produtos mais focados na anatomia feminina e no prazer das mulheres.

Vibração mental

A sex shop online Pantynova, das ex-companheiras Izabel Starling, 34 anos, e Heloisa Etelvina, de 39 anos, tem um visual atípico.

De cara, quem visita o site encontra contos eróticos em que mulheres com corpos reais são ilustradas. Há também uma seção denominada vibração mental, em que livros como o Teoria King Kong são vendidos. Por lá, há ainda muita informação sobre os tipos de brinquedos eróticos disponíveis no mercado — e dicas sobre qual tem mais a ver com você e como explorar cada toy para ter o máximo de prazer.

"Heloísa e eu fomos casadas durante 10 anos e a gente costumava comprar muitos toys, e a maioria das vezes ficávamos frustradas com os produtos", conta Izabel Starling. De acordo com dados do Mercado Erótico, mulheres são 69% do total de pessoas que compram produtos sexuais.

Izabel e Heloisa da Pantynova -  Larissa Zaidan -  Larissa Zaidan
As ex-companheiras resolveram criar loja para ensinar sobre o uso dos brinquedos eróticos e instigar autoconhecimento sexual das mulheres
Imagem: Larissa Zaidan

Izabel e Heloísa entenderam, então, que teriam que criar os produtos que não encontravam, acreditando que havia uma demanda pelo que elas próprias queriam usar. Acertaram.

"Na época em que começamos a idealizar a Pantynova, a ideia era desenvolver um strap-on, a famosa cintaralha, confortável. Todas as cintas que havíamos usado eram de materiais horríveis, que machucavam, muito desconfortáveis. Quando chegamos na modelagem perfeita, vimos que não havia dildos que não fossem réplicas penianas, daí desenvolvemos os nossos dildos inspirados em botânica. Todos primeiramente esculpidos à mão pela Heloísa, e que depois viraram moldes para serem reproduzidos em escala", conta Izabel.

Em uma pesquisa de mercado, observaram que havia muita falta de informação sobre sexualidade feminina e sex toys.

"Muitas mulheres nunca tinham usado um toy justamente por não se sentirem representadas pelas lojas e marcas. A Pantynova surgiu em 2018 como é hoje, fazendo uma curadoria de vibradores de outras marcas, criando conteúdo e vendendo nossos queridinhos strapon e dildo", explica a marca em sua página no Instagram, que conta com 158 mil seguidores.

"Comunicamos os produtos como queríamos que eles fossem apresentados para a gente: de uma forma clara e real", dizem.

Fique amiga do seu corpo

Explorem seu corpinho todo!

Uma publicação compartilhada por Babi Ribeiro (@fiqueamiga) em

Na mesma pegada de educação sexual, Babi Ribeiro, de 21 anos, conquistou uma legião de interessadas no tema em sua página de Instagram, a Fique Amiga, que tem esse nome justamente para convidar mulheres a ficarem amigas de seus corpos, e, especificamente, de suas vulvas.

"Desde muito nova, gosto de falar de xoxotones (como ela se refere a vaginas). Na página, eu queria ensinar sobre nosso corpinho, coisas muito básicas que a gente já deveria saber, mas infelizmente não aprendeu. Queria falar para mulheres sobre seus corpos. Assim, eu fui percebendo que existiam muitas dúvidas sobre o prazer, sobre masturbação, desejo, lubrificação", diz ela, que estuda fisioterapia e quer se especializar em fisioterapia pélvica e saúde da mulher.

Para Babi, o vibrador foi um aliado de um problema que passou. "Eu usei meu primeiro vibrador aos 18 anos porque eu tinha dor durante a relação, e o vibrador fazia parte da fisioterapia pélvica. Mas, além disso, ele me ajudou também a descobrir outros prazeres, a me masturbar de novas formas", conta ela, que tem 137 mil seguidores no Instagram.

Na troca com seu público, viu que muita gente tinha dúvidas sobre onde se tocar, como se masturbar. Veio então a ideia da loja Fique Amiga, em que vende e explica brinquedos sexuais, mas também coletores menstruais, calcinhas absorventes: a ideia é que a mulher conheça todo o funcionamento do seu corpo, do ciclo menstrual, ao prazer.

"Ambiente hostil"

"Quando eu perguntei para as meninas o que fazia com que elas não tivessem um vibrador, elas falaram do ambiente hostil das sex shops, que ainda hoje é bem machista, heteronormativa, numa pegada de mulher dar prazer ao homem. Eu queria explorar de outra forma, mostrar que produtos eróticos podem ser fofos, engraçados e safados", diz ela.

Para Babi, descobrir e entender o próprio corpo é um caminho sem volta e muda a forma como nos relacionamos. "Muitas vezes a gente acredita que nosso parceiro ou parceira não nos dá prazer, mas nós mesmo podemos nos explorar para ter prazer. E quando a gente conhece nossa potência sexual, passa a não aceitar qualquer coisa. Há pessoas que querem nosso todo e querem dar quase nada em troca. Quando a gente passa a se conhecer, deixa de aceitar esse tipo de coisa", afirma.

Uma sex shop para mulheres que amam mulheres

A empresária Marcia Soares, de 35 anos, viveu muitos perrengues com uma ex quando o assunto era achar um toy para usarem juntas. "Eu sempre brinco que as cintas (que se usam com um vibrador) foram feitas por um homem hétero que nunca vai usar uma, são muito desconfortáveis e pouco práticas, soltam do vibrador", diz ela, que relata também já ter visto de perto o despreparo de lojas para atender clientes lésbicas.

Em 2011, nasceu a The L Vibe, sociedade entre ela e uma ex-namorada, uma loja especializada e com uma curadoria especial para mulheres que se relacionam com mulheres. "Como explicar para uma sociedade heteronormativa, focada em penetração, o sexo lésbico?", questiona Marcia.

Diante da pergunta, resolveu que iria escolher um a um cada brinquedos que tivesse a ver com o perfil de suas clientes lésbicas. Marcia presta uma consultoria cuidadosa e personalizada e acredita que faz toda a diferença que as pessoas saibam que do outro lado da tela existe outra mulher lésbica.

"Faço esforço para me lembrar de alguma reclamação. Rola uma abertura, rola muita conversa, tem gente que conta que está comprando pela primeira vez, que está com vergonha. É importante que as mulheres entendam que estão falando com alguém que não tem preconceito ou julgamento", diz.