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Muito prazer? Os tabus que ainda atrapalham a sexualidade feminina

masturbação; mulher; sexo - filtro Universa - Getty Images
masturbação; mulher; sexo - filtro Universa Imagem: Getty Images

Gabriela Borges

Colaboração para Universa

22/05/2018 04h00

Ainda é muito difícil para a maioria das mulheres refletir e falar sobre prazer sexual. As redes sociais consideram quase tudo pornografia. Tem gente que tem resistência em usar coletor menstrual por não querer tocar o próprio corpo. Somos ensinadas a chamar de vagina o que na verdade é a vulva. A preocupação com o cheiro natural na hora do sexo oral é grande e uma mulher bem resolvida com sua sexualidade segue sofrendo preconceitos e violências.

Nem mesmo a anatomia e a função do clitóris, o órgão que tem como única função o prazer, nós conhecemos. A verdade é que há poucos estudos feitos especificamente sobre a sexualidade feminina. O problema é que essa invisibilização reflete diretamente na capacidade de sentir e viver o prazer.

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Segundo pesquisa do Projeto Sexualidade (ProSex) - USP, divulgada em 2016, o sexo é considerado essencial para homens e mulheres, mas pouco mais da metade das entrevistadas afirmaram ter dificuldade para chegar ao orgasmo por não se masturbarem, não saberem como se excitar ou por sentirem dor na relação.
Hoje em dia, muito se fala em empoderamento feminino como parte da luta por direitos iguais. Mas será que as mulheres estão empoderadas de seu prazer?

Ao conversar com uma ginecologista, uma sexóloga e uma mulher que abriu sua casa e suas redes sociais para falar sobre prazer e sexualidade feminina, é possível perceber como ainda existem muitos tabus e como o prazer das mulheres ainda está relacionado em dar prazer ao outro.

Dra. Marise Samama

Ginecologista especialista em reprodução humana, doutora pela Escola Paulista de Medicina - Unifesp e pela Universidade de Paris, e professora do Instituto Gera

marise semama - Reprodução/Flickr - Reprodução/Flickr
Marise Samama é ginecologista e especialista em reprodução humana
Imagem: Reprodução/Flickr

A sexualidade feminina é tabu dentro dos consultórios médicos?

Existe uma dificuldade de maneira geral, sim, de falar sobre esse assunto. Às vezes, o próprio paciente não fala, mesmo quando perguntamos. Hoje há muito mais mulheres ginecologistas e, no geral, as pacientes acabam preferindo ser atendidas por médicas. Acho natural. Sem dúvida, uma médica sabe mais o que outra mulher pode sentir.

É papel dos ginecologistas falar sobre prazer sexual com as pacientes durante as consultas?

É nosso papel, sim. Faz parte da nossa anamnese, do nosso interrogatório, perguntar e colher dados sobre a primeira relação, a quantidade de parceiros, se ela tem prazer ou dificuldades nas relações, sobre libido. Nem tudo é vaginismo [disfunção sexual feminina caracterizada por contrações espasmódicas e involuntárias dos músculos da parede vaginal no momento da penetração do pênis, o que torna o ato sexual doloroso]. Pode haver um trauma de infância ou a parte sexual estar reprimida por causa da família. Quando a questão é psicológica, tento conversar para entender e orientar a paciente a conhecer seu corpo e deixar de ter medo de se tocar. Se for o caso, encaminho a um psicólogo especialista na área de sexualidade. Precisamos buscar essa abertura.

Você acha importante explicar para as mulheres a anatomia do corpo feminino, principalmente sobre o clitóris e as demais zonas erógenas?

Isso é fundamental! A mulher precisa aprender o que é prazer para ela, como ela sente, como pode se dar prazer. Essa não é responsabilidade do outro ou outra. Não somos todas iguais, nem todo prazer é igual. A primeira coisa é não ter medo de se tocar, aprender onde você tem sensibilidade e tentar compartilhar isso com o parceiro ou parceira para o casal encontrar o que é ideal junto. Existe uma expectativa grande em relação à penetração e o prazer não está só nisso. Nosso papel como médico é informar.

Nas faculdades, os médicos estudam sobre o prazer sexual feminino e a anatomia do clitóris?

Do ponto de vista da inervação, ainda não está tudo estabelecido sobre o clitóris, porque as mulheres são diversas. Cada uma sente prazer de uma maneira e tem sensibilidade em pontos específicos. O prazer sexual feminino ainda é um assunto controverso nas faculdades, mesmo que hoje em dia a sexualidade faça parte da especialização em ginecologia. Mas depende do especialista. Ainda hoje, para tudo o que envolve questões psicológicas existe uma dificuldade do dois lados, médico e paciente, de conversar a respeito. É diferente de um problema que você vai lá, trata e resolve.

Para você, o que significa ser uma mulher empoderada de seu prazer?

Saber o que lhe dá prazer. Não só em ter prazer, mas em dar prazer. Sim, ela pode fazer sozinha. Mas é importante sempre pensar que há outra pessoa junto, pensar no poder do casal.

Carmita Abdo

Psiquiatra e sexóloga, fundadora e coordenadora geral do ProSex, Programa de Estudos em Sexualidade, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

carmita abdo - Associação Brasileira de Psiquiatria - Associação Brasileira de Psiquiatria
Psiquiatra e sexóloga, Carmita é fundadora do ProSex
Imagem: Associação Brasileira de Psiquiatria

Qual é o principal tabu hoje em relação à sexualidade feminina?

As mulheres têm muita dificuldade de entrar em contato com o corpo, acabam não tendo facilidade de se tocar, identificar as zonas de prazer, se sentem inibidas em relação à genitália. Muitas esperam iniciar a vida sexual para serem tocadas por outras pessoas antes de saberem se tocar. As mulheres que aceitam mais a masturbação têm menos problemas sexuais. A masturbação preserva a saúde dos órgãos genitais e pode retardar a perda de turgidez da mucosa vaginal que acontece após a menopausa.

Quais são os impactos desses tabus nas relações afetivas e sociais?

O descompasso de como as mulheres se apresentam. Aparentemente, elas são sensuais, querem um corpo sarado, esculpido, só que na verdade não sabem como utilizá-lo. Não é um corpo preparado para a atividade sexual. É preciso solicitar carícias à parceira ou parceiro, deixar de ter vergonha. Normalmente, a mulher vai aceitando o que vai acontecendo, sem uma participação pessoal. Já o homem costuma pedir, direcionar as carícias. Enquanto a pessoa não tiver intimidade com o corpo, ela não sabe solicitar. Ela também pode ler, pesquisar em sites, buscar informações. Ter mais interesse pelo prazer sabendo que ele é legítimo.

O que é uma vida sexual satisfatória?

É muito importante saber que muitas mulheres têm satisfação sexual sem orgamos, porque pode ser o suficiente. Satisfação sexual é terminar o ato considerando que valeu, que foi um momento de troca de prazer, que ela de fato se compensou, chegando a atingir o que estava buscando. Se você não tem necessidade de sexo, se você não sofre pela falta dele, não há problema nenhum. 7.5% das mulheres no Brasil não chegam ao orgasmo.

Mas essas mulheres não chegam ao orgamos por que não querem ou por que não são estimuladas a isso?

Quando a mulher faz sexo sem buscar o orgasmo, está abrindo mão de buscar o seu desejo e seus prazeres. Mas ele é uma consequência e não um objetivo. É um exercício da relação, de prática, de intimidade. Entrar já pensando no final pode levar a um não aproveitamento do caminho.

Para você, o que significa ser uma mulher empoderada de seu prazer?

É uma mulher que prioriza e privilegia o seu prazer. Não significa que não vai dar prazer ao outro, mas sabe que o prazer do outro necessariamente depende do prazer dela. Ela é mais sensual, mais interessante, não precisa nem ser tão bonita, mas se torna atraente porque convence que sexo é algo que ela gosta.


Mariana Stock

Criadora da Prazerela, projeto de cursos, vivências e conteúdos para incentivar as mulheres a desfrutarem de seus prazeres e sua sexualidade sem represso?es

mariana stock - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Mariana Stock criou o Prazerela
Imagem: Reprodução/Instagram

O prazer das mulheres ainda é tabu?

Sim, pois a repressão da sexualidade é fruto de uma construção secular. Não há um interesse social legítimo de que elas se empoderem de seus corpos e de sua sexualidade. O que eu vejo são mulheres com muito medo de encontrar em contato com essa potência. Então, antes de mais nada, precisamos criar espaços seguros com informação de qualidade sobre o assunto.

Qual é a principal questão hoje em relação à sexualidade feminina?

Não ter espaços nem pessoas falando a respeito da sexualidade feminina de uma maneira que priorize o prazer da mulher para ela mesma e não para o outro. A grande parte das informações, cursos e propagandas ainda reforçam a sexualidade feminina como algo a ser dedicado ao marido. Isso só reforça a ideia da objetificação das mulheres durante o sexo. Na cama, elas são objetos de desejo enquanto os homens são os que desejam.

Você acha importante explicar para as mulheres sobre a anatomia do corpo feminino?

Sem dúvida, pois ajuda a nomear todo o corpo. Mas não acredito que é o primeiro passo dessa desconstrução. Uma mulher pode até saber onde está o seu clitóris, mas o fato dela conhecer a anatomia na teoria não fará com que ela entre em contato consigo. Antes de mais nada, é preciso reconhecer de onde vem o tabu, de onde vem o medo, porque ainda nos culpamos quando o assunto é prazer sexual.

Há quem diga que o sexo é hipervalorizado em nossa cultura. O que você acha disso?

Hipervalorizada é essa ideia de que a mulher precisa estar à serviço durante o sexo, que precisa transar para não perder o marido. Já o sexo como caminho de autoconhecimento e evolução está longe de ser valorizado. Acredito profundamente que a sexualidade é um caminho de encontro com a nossa potência e, por isso, um caminho legítimo de empoderamento e autonomia. A quem interessa uma mulher empoderada de seu gozo e autoestima que não mais se submete ao lugar de objeto?

O que significa ser uma mulher empoderada de seu prazer?

Uma mulher que entende a sua potência individual. Sabe o que está fora e o que está dentro, o que faz bem e o que faz mal ao seu corpo. A partir desse lugar de integridade do corpo, nos tornamos mais capazes de fazer escolhas conscientes, o que, por sua vez, nos torna mulheres mais libertas, autônomas e autoconfiantes.