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Dubladora que dá voz à Anne With an E fala da área: "Dominada por homens"

Michelle Giudice é atriz e dubladora; no Instagram e no Youtube, divide detalhes da carreira com os seguidores - Arquivo Pessoal
Michelle Giudice é atriz e dubladora; no Instagram e no Youtube, divide detalhes da carreira com os seguidores Imagem: Arquivo Pessoal

Nathália Geraldo

De Universa

17/07/2020 04h00

A escala de trabalho da dubladora Michelle Giudice é apertada. Na quarta-feira em que atendeu Universa, tinha apenas meia hora disponível para a conversa entre uma gravação e outra, feitas em estúdio organizado dentro de sua casa, em São Paulo, por conta do isolamento social.

A atriz e dubladora de 25 anos fala rápido; talvez não como uma das personagens que dá a voz em português, a garotinha sonhadora Anne, da série da Netflix "Anne With An E", interpretada por Amybeth McNulty. Acolhe, no entanto, uma semelhança com a protagonista: conquistas e talento que vêm desde pequena.

Garante que a ideia de que dubladores não gostam de aparecer, que preferem manter o mistério sobre a imagem, é uma lenda: ela, aliás, tem quase 30 mil seguidores no Instagram e 59 mil inscritos no Youtube. "Antes de ser dubladora, eu sou atriz. É que a gente gosta de todo tipo de arte".

A seguir, ela fala sobre o mercado da dublagem, marcos da carreira e representatividade de gênero e de raça na área artística.

Dubladora de Anne With an E, Sansa, de Game of Thrones

Michelle dubladora - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A dubladora trabalha há mais de 10 anos na área e vê pouca discussão sobre diversidade
Imagem: Arquivo pessoal

Michelle começou a carreira artística na TV, aos 3 anos. Ela esteve ao lado da apresentadora Jackeline Petkovic, no programa Bom dia & Cia, no SBT, interagindo em quadros de jogos e fazendo cenas, o que durou até seus 8 anos. De lá, foi para participações no humorístico "A Praça É Nossa", no mesmo canal. Fez novela na TV Record.

Aos 12 anos, fez um teste de locução para o canal infantil Discovery Kids, em um estúdio de dublagem. Foi quando viu a carreira de dar a voz a produções do entretenimento estrangeiras como algo mais sólido. "É uma área artística mais estável, atores de teatro e de TV reclama que estão sempre desempregados, porque acabam os contratos por projeto. Dubladores também fazem assim, mas por ser tecnicamente difícil e exigir rapidez, acabam sempre precisando das mesmas pessoas".

De acordo com a mais recente tabela de remuneração do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo, um ator protagonista contratado para dublagem ganha R$ 138,42 por hora trabalhada. A estabilidade atraiu Michelle para o ramo e, ao fazer 18 anos, passou a se dedicar inteiramente à dublagem.

"Eu queria abrir o leque além de desenhos e produtos infantis para fazer produtos adultos, séries e filmes. Eu não tinha muitos graves na voz, mas nas aulas de canto e na fonoaudióloga, queria buscá-los para conseguir dublar personagens adultos mais rápido", explica. "Foi muito difícil no começo, mas agora eu gosto mais dos que eu faço".

Além de Anne, na lista dublagens de Michelle estão a voz da atriz Dove Cameron (Liv e Maddie, Disney Channel), da celebridade Kylie Jenner e da Michaela (Aja Naomi King), da série How to Get Away With Murder. Da sexta à oitava temporada de Game of Thrones, ela dublou Sansa Stark. Também fez vozes para conteúdo infantil, como My Little Poney e Pokémon, filmes e séries adolescentes e games.

Os dubladores podem ser contratados pelo estúdio (que, por sua vez, é requisitado pela distribuidora do produto de entretenimento) por episódios, temporadas ou por produto. "Há contratos de confidencialidade. O de Game of Thrones foi o primeiro em que trabalhei em que não se podia entrar com celular no estúdio, o texto ficava em uma tela para que fosse lido", relembra. "Na última temporada, só apareciam os rostos dos atores na cena, com o restante do quadro totalmente escuro".

Representatividade no mercado

Inevitavelmente, o mercado absorve vozes masculinas e femininas para dublar os personagens. Mesmo assim, na opinião de Michelle, é pouco discutida a representatividade, tanto em relação a gênero quanto à raça.

"Praticamente não tem pessoas negras trabalhando com dublagem, é uma coisa triste do mercado, que também é dominado por homens; a maioria dos diretores e dos técnicos de áudio é de homens", comenta. "Quando a Disney vai fazer algo com o intuito de valorizar a cultura negra, por exemplo, às vezes precisa usar atores que não dublam; é muito louco isso".

Segundo Michelle, que é branca, dublar atrizes negras, como no caso de Aja Naomi King, traz desconforto para ela. "A dublagem é um mercado de difícil acesso. Quando eu vou dublar personagens negras, eu não me sinto muito no direito". "E a linguagem e a cultura negra têm muita riqueza nas palavras, há trocadilhos, metáforas e gírias que tornam muito mais difícil de fazer".

No tempo livre, diz Michelle, ela acompanha parte dos produtos que dubla, seja por interesse pessoal ou só para verificar se o trabalho realmente ficou bom. "Mas, se eu não quero pensar em dublagem, coloco legendado. Se não, fico reparando no que eu fiz e nos outros".

No vídeo abaixo, Michelle dubla algumas dessas personagens: